Affonso Celso Pastore, o incansável estudioso de políticas econômicas

Ex-presidente do Banco Central segue com olhar crítico sobre os rumos do país

Affonso Celso Pastore
O economista Affonso-Celso Pastore
Nome completo:Affonso Celso Pastore
Data de nascimento:19 de junho de 1939
Local de nascimento:São Paulo, capital
Formação:Doutor em Economia
Cargos de destaque:Secretário da Fazenda do estado de São Paulo, de 1979 a 1983, e presidente do Banco Central, de setembro de 1983 a março de 1985

Quem é Affonso Celso Pastore?

O paulistano Affonso Celso Pastore é economista formado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), com doutorado pela mesma instituição.

Pastore entrou na vida pública em 1966, como assessor de Antônio Delfim Neto, então secretário da Fazenda do estado de São Paulo, que havia sido seu professor na FEA. No ano seguinte, Delfim Neto foi nomeado ministro da Fazenda e Pastore passou a compor sua equipe de assessores.

“Havia um entendimento, na época, de que se controlava inflação aplicando controle de preços e não com política monetária”, diz Pastore no livro “Coleção História Contada do Banco Central do Brasil”, editado em 2019.

Entre os destaques dessa passagem de Pastore pelo governo está o convite para compor a delegação que participou de uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizada em 1968, em Washington.

Entre 1973 e 1976, atuou junto ao National Bureau of Economic Research(NBER), integrando o comitê organizador de seminários na América Latina. Nesse intervalo, foi também diretor de pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

A convite do governo uruguaio e da United States Agency for International Development(USAID), assessorou o país sul-americano em projetos de políticas de estabilização e balanço de pagamentos, de 1974 a 1976.

Sua carreira acadêmica começou em 1976, como professor adjunto de econometria da FEA/USP. Dois anos depois, tornou-se professor titular e diretor da faculdade.

Em março de 1979, assumiu a Secretaria da Fazenda de São Paulo, cargo que ocupou durante quase três anos. No início de 1983, foi pivô de uma polêmica. Pastore se recusou a ser responsabilizado pelo estouro no orçamento do estado causado pelos gastos da Paulipetro – consórcio formado com o objetivo de explorar petróleo na Bacia do Paraná. O então secretário da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia, Osvaldo Palma, foi apontado como um dos responsáveis.

O caso marcou época, envolvendo principalmente o então governador Paulo Maluf, que fechou acordo com a Petrobras para viabilizar a empreitada. Mais de 60 poços foram perfurados em busca de petróleo e gás, mas nenhuma jazida viável foi encontrada. Em 2020, Maluf foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a devolver US$ 250 mil ao estado de São Paulo.

Em setembro de 1983, Pastore assumiu a presidência do Banco Central (BC), substituindo Carlos Langoni. O convite partiu do então ministro da Fazenda, Ernane Galvêas.

Na época, o país vivia o período da ditadura militar e enfrentava a crise da dívida externa. Nesse contexto, os principais desafios eram a renegociação das obrigações internacionais e a busca por linhas de financiamento para tentar estabilizar o país.

Em 1984, Pastore conseguiu articular junto a credores internacionais a renegociação de parte da dívida externa, como lembra o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Ele deixou a presidência do BC em março de 1985.

No currículo, Pastore tem ainda a atuação no Conselho Monetário Nacional (CMN) e no conselho de administração de companhias abertas como o Banco do Brasil e a Gerdau.

O economista também representou o Brasil em diversas instituições internacionais, entre elas o FMI; o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento; o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata); e o Fundo Africano de Desenvolvimento (FAD).

Após sair do governo, abriu uma consultoria. Desde 1993, é sócio fundador da A. C. Pastore & Associados, especializada em análises da economia brasileira e internacional, escritório no qual também trabalha sua esposa, Maria Cristina Pinotti.

Em 1999, atuou como professor titular da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV e no então Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

Em novembro de 2021, Pastore voltou à cena política ao ser escolhido como principal assessor econômico pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, então pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos. Em março do ano seguinte, no entanto, Moro desistiu da disputa.

Carreira de Affonso Celso Pastore

Filho de Francisco Pastore e de Aparecida Pastore, Affonso Celso Pastore nasceu na capital paulista em 19 de junho de 1939.

“Sempre pensei em ser economista. Não chegou a ser uma escolha, foi algo natural”, diz ele em entrevista de 2016 para o livro de memórias do BC.

Terminou a graduação em 1962 e, em 1973, já era professor livre docente. Ele conta que, em 2014, os temas econômicos desse período foram revisitados para escrever um dos capítulos do seu livro “Inflação e crises: o papel da moeda”.

Em 1969, concluiu o doutorado na USP com a tese “A resposta da produção agrícola aos preços no Brasil”, na qual procurou mostrar que os agricultores, ao contrário do que se imaginava na época, não eram irracionais – eles respondiam a preços.

Sobre a escolha para a Secretaria da Fazenda paulista, em 1979, Pastore atribui o convite à visibilidade acadêmica que possuía na época. “Acredito que todos que desejam refletir sobre política econômica deveriam submeter-se a essa experiência de gestor. Foi muito divertida enquanto durou”, diz ele na publicação do BC.

Ele comenta também sobre a passagem pelo Banco Central. “Não tinha por objetivo trabalhar no banco, isso nunca passou pela minha cabeça, foi um acidente. Em determinado momento de minha vida, aconteceu”, diz Pastore. “Entrei em meio a uma crise e fui o administrador dessa crise, não fui propriamente um presidente.”

A documentação do próprio BC detalha que, em setembro de 1983, quando ele assumiu a instituição, as reservas brasileiras no conceito de caixa (não liquidez internacional) estavam negativas em US$ 2 bilhões. “O país estava quebrado. Não era possível controlar a base monetária porque o câmbio era indexado”, relembra. E a inflação? Girava na casa de 100% ao ano.

“Essa foi a grande frustração que tive no Banco Central: não poder fazer política monetária.” Além da restrição do câmbio, o BC não podia fazer política monetária porque ela era de responsabilidade do CMN, que reunia de 20 a 25 integrantes.

“O presidente do banco era apenas um dos muitos membros, o que dá a dimensão do grau de importância – pequena – atribuído ao Banco Central”, afirma Pastore. “O controle de preços era, claramente, um sinal dos tempos em que vivíamos.”

O economista destaca também que, naquele tempo, não se fixava a taxa de juros do país, pois o entendimento era de que a política monetária poderia ser exercida controlando a quantidade de moeda.

Em uma perspectiva histórica, ele avalia que as tentativas de controlar a inflação no país seguiram diversos caminhos. Primeiro com o controle de preços, depois com uma política de rendas. Daí vieram os choques heterodoxos e, enfim, uma reforma monetária que deu ao BC o controle da inflação.

“Curiosamente, foram os economistas ‘heterodoxos’, que criaram o Plano Real, que deram ao Banco Central a possibilidade de utilizar a política monetária para controlar a inflação.”

Duras críticas aos governos Bolsonaro e Lula

Colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Pastore escreveu recentemente que as críticas atuais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao BC por conta dos juros elevados do país eram uma tentativa de “desmoralizar a independência da instituição” e, com um discurso que chamou de “típico de um populista de esquerda”, ele estaria condenando seu governo ao fracasso.

Em outro artigo sobre o tema, voltou a defender o BC. “Na última reunião do Copom [22 de março], o Banco Central fez o que se espera de uma autoridade monetária responsável. Ao ignorar as pressões para agradar ao governo, negou-se a iniciar um ciclo precoce de queda da taxa de juros, deixando claro que ela permanecerá alta por um extenso período, e que não hesitará em elevá-la caso seja necessário.”

Sobre o arcabouço fiscal, apresentado no fim de março pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Pastore concedeu dias depois uma entrevista ao próprio Estadão. Em linhas gerais, disse que o governo vai precisar aumentar a carga tributária para que o plano da equipe economia consiga reduzir a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB).

E qual o horizonte quanto ao juro básico (Selic)? Na opinião de Pastore, o simples fato de existir o arcabouço não fará com que a taxa recue. “Ainda que o arcabouço fosse bom, o Banco Central não poderia fazer nenhum gesto. Ele teria de esperar que a inflação caísse para conseguir reduzir os juros. Não espero por parte do BC nenhum sinal nessa direção.”  

Considerado uma referência quando o assunto é formulação de políticas econômicas, Pastore é um dos economistas procurados com frequência pela imprensa especializada.

Em setembro de 2021, durante entrevista ao UOL News, ele criticou duramente o então ministro da Economia, Paulo Guedes. Disse que havia se especializado em palestras e que se comportava como “cheerleader” do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Quando digo que o Paulo Guedes opera como um cheerleader é porque ele tem um discurso que agrada os ouvidos do setor privado. Ele fala em privatizações, levou até um cidadão do setor privado, altamente reputado perante os seus pares, para ser o homem das privatizações, que desistiu no meio do caminho”, afirmou na época, em entrevista ao UOL.

“A minha impressão é a seguinte: ele não moveu uma palha para transformar em atos o seu discurso. Não há política econômica, consequentemente, nós não temos ministro da Economia. No fundo, ele é um propagandista do governo Bolsonaro.”

No mês seguinte, irritado com a repercussão negativa ao furo do teto de gastos do governo, Guedes criticou Pastore e outros economistas, como Maílson da Nóbrega e Henrique Meirelles. Na opinião do ex-ministro, os três não fizeram “nada” enquanto ocupavam cargos na administração pública.

Atualmente, Pastore é um dos membros do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV, cuja finalidade é estabelecer cronologias de referência sobre o tema, e integra a Comissão Externa de Avaliação (CEA) da escola de negócios Insper.

Ele também é um dos fundadores do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), um grupo multidisciplinar que discute e elabora estudos propositivos sobre os principais desafios do país.

Seu mais recente livro é intitulado “Erros do Passado, Soluções para o Futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX”, lançado em 2021.

Pastore também figura como organizador e homenageado em outros títulos ligados à economia, além de escrever com frequência para jornais nacionais e internacionais.

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