Um mês do rombo contábil: debêntures da Americanas registram pior queda desde início do Idex-CDI

Evento levou a uma abertura dos spreads no mercado secundário de papéis atrelados ao CDI e até mesmo indexados ao IPCA; ofertas primárias foram postergadas

Bruna Furlani

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O “mesversário” do escândalo protagonizado pela Americanas (AMER3) evidenciou os efeitos negativos desencadeados na indústria de crédito corporativo e em fundos que alocam em títulos de dívida da empresa.

Levantamento feito pela JGP mostra que as debêntures da Americanas LAMEA4 e LAMEA5 conseguiram um resultado recorde: ambas responderam pelas piores quedas registradas por títulos de dívida inseridos no Idex-CDI – desde que a gestora começou o cálculo em agosto de 2017.

Ao olhar a variação a mercado de ambas, que engloba o retorno dos papéis com a mudança de taxa acrescida do carrego, as debêntures LAMEA5 e LAMEA4 registraram perdas de 93,54% e de 92,03%, respectivamente, de 2017 para cá. As maiores perdas, no entanto, ficaram concentradas em janeiro.

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Em percentual do CDI, o resultado negativo obtido por ambas teria chegado a 488,97% do CDI e 571,32% do CDI, nessa ordem, durante o mesmo período. Os dados vão até o mês passado.

O índice foi desenvolvido pela JGP para acompanhar o mercado de debêntures com retorno indexado ao CDI. De 2017 para cá, o Idex-CDI avançou 50,23%, equivalente a 118,44% do CDI.

A explicação para o forte recuo dos papéis está na chamada marcação a mercado, que atualiza diariamente o valor de um título a partir da taxa de negociação dele no mercado naquele momento. Quando as taxas sobem, como ocorreu agora com os investidores pedindo mais prêmio devido ao aumento do risco, o preço do papel despenca.

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Após a descoberta do escândalo contábil da varejista, as debêntures da Americanas foram marcadas com descontos de até 90%. O efeito acabou contaminando outros papéis do mercado de crédito privado e levando a uma abertura – alta – dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação ao dos títulos públicos, considerados de baixo risco) no mercado secundário.

Considerando a Americanas na conta, os spreads teriam saído de CDI+1,86% no começo de janeiro, atingido o pico de CDI+54,50% após a descoberta do rombo fiscal e depois teriam voltado para CDI+2,87% em fevereiro. Os cálculos são da JGP. Depois da fraude, as debêntures da varejista foram excluídas do Idex-CDI.

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O efeito, porém, não ficou reduzido ao mercado secundário de debêntures atreladas ao CDI. Foi possível verificar movimento similar de alta dos spreads em debêntures incentivadas, que possuem a remuneração atrelada ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e isenção de Imposto de Renda para a pessoa física.

Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, diz que a demanda por crédito reduziu após a descoberta do rombo – ainda que a companhia não fosse do setor de infraestrutura.

O executivo explica que, antes do escândalo, já havia um movimento mais intenso de fundos não-incentivados comprando debêntures incentivadas, porque o preço estava distorcido e existia chance de ganho potencial.

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Após o evento, Nehmi conta que tais fundos paralisaram as compras em meio aos temores com a piora no mercado de crédito e passaram a exigir taxas maiores para alocar. “É natural ter essa contaminação”, completa.

Menos ofertas

Por serem interligados, os efeitos também afetaram diretamente o mercado primário de debêntures. Números compilados pelo Bradesco BBI apontam que o volume emitido em janeiro chegou a R$ 15,5 bilhões em 18 emissões, bem abaixo dos R$ 35 bilhões registrados em dezembro.

O “filme” fica ainda pior porque, de acordo com os analistas do Bradesco BBI, a principal emissão realizada no mês passado foi da Celg, que captou R$ 7,0 bilhões a uma taxa de CDI+1,5%.

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“Desconsiderando a captação da Celg, as emissões de janeiro representaram apenas 32% da média mensal dos últimos 12 meses, tendo relação com a volatilidade dos juros futuros e com o evento Americanas”, ressaltaram os profissionais em relatório.

Nehmi, da Sparta, observa que o mercado primário congelou, porque os preços ficaram mais atrativos no secundário. Quando isso ocorre, o executivo conta que os bancos coordenadores sugerem que as empresas elevem a taxa oferecida aos investidores para evitar que seja colocada uma oferta na “rua” e que não haja comprador.

“Quem topa ajustar [a essa nova taxa], é porque está desesperado. Fecha a janela de ofertas primárias, mas isso é bom para o mercado se regular”, diz. “Se para de ter oferta, isso ajuda a estabilizar os preços do secundário”, completa o CEO da Sparta.

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Volume de resgates menos expressivos

Apesar do evento Americanas ter provocado um susto no mercado num primeiro momento, uma das grandes surpresas é que não houve um movimento forte de resgates envolvendo fundos com posições em debêntures da Americana, como era esperado por gestores.

Um levantamento interno feito pela ASA Investments com fundos que possuem classificação crédito privado mostrou que a captação foi negativa em R$ 2,9 bilhões no mês passado. Movimento que se estendeu entre os dias 1º e 6 de fevereiro com as saídas líquidas chegando a R$ 3,4 bilhões.

“Quando a gente fala, o número parece muito em termos relativos, mas a indústria supera mais de R$ 1 trilhão. Não foi significativo, especialmente quando compara com a pandemia”, defende Fabiano Zimmermann, gestor de Renda Fixa da ASA Investments.

Uma triste coincidência que também pode ter afetado a captação de fundos de crédito neste começo de ano foi o início da marcação a mercado para vários títulos de renda fixa adquiridos por pessoas físicas, na visão de Zimmermann. A medida entrou em vigor em 2 de janeiro deste ano.

“A PF ajuda a potencializar o movimento. Ele tomou um tombo e pode ter vendido [alguns papéis]”, diz. “O mercado secundário é pequeno em relação a todo o estoque”, completa o gestor.

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A avaliação é que o movimento pode ter ocorrido juntamente com a falta de opções para alocar que garantam retornos tão atrativos com uma Selic a 13,75% ao ano. “Toma resgate de um lado, mas, de outro lado, tem uma aversão a fundos multimercados e de ações. Isso acaba equilibrando um pouco os resgates”, observa o especialista em fundos Samuel Ponsoni.

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Outro fator que pode ter pesado é que a grande maioria dos fundos detinha posições de até 3% dos produtos nos papéis da Americanas, o que permitiu que o calote pudesse ser absorvido ao longo do ano, na avaliação de especialistas da Ibiuna Investimentos expressa em relatório mensal da casa.

“O alto patamar do CDI também contribuiu muito para que a cota ‘absorvesse’ um pedaço do default [calote] sem comprometer o resultado do fundo”, observaram os profissionais da gestora.

Atuação rápida da Anbima e aumento nas negociações

Com menos resgates do que o esperado, o mercado secundário sentiu um baque inicial, mas conseguiu se recuperar depois e registrar aumento nas negociações, conforme aponta Nehmi, da Sparta. Nos cálculos da casa, o volume de debêntures negociado em janeiro de 2023 chegou a ser 35% maior do que no mesmo período de 2022.

O movimento de venda de ativos por gestores para fazer frente ao medo de resgates ajudou a aumentar a taxa oferecida pelos papéis no secundário. “Nesse novo preço a uma taxa mais alta, tem gente que não estava comprando e que agora pensa em comprar porque a taxa está atrativa”, avalia Nehmi.

Outro ponto que pode ter pesado a favor para aumentar as negociações foi a rápida marcação nos preços feita pela Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O CEO da Sparta explica que, quando a pandemia estourou, as marcações de ativos no mercado secundário de crédito levaram cerca de um mês para refletir em novos preços.

Agora, diz o executivo da gestora, os ajustes foram rápidos e as negociações puderam logo ser retomadas. “Em cerca de uma semana, ajustou e chegou num nível certo. Quando esse ajuste é rápido, o avanço qualitativo é extraordinário”, observa.

Light, Oi e Marisa no radar

Para além de Americanas, os meses de janeiro e fevereiro ficaram marcados pelo anúncio de problemas envolvendo outras companhias como a Light (LIGT3), a Oi (OIBR3), a Marisa (AMAR3) e a CVC (CVCB3).

Ainda que os fatos relevantes emitidos pelas companhias tenham sido publicados na sequência da varejista, Zimmermann, da ASA Investments, explica que é importante separar os casos.

O executivo lembra que o primeiro exemplo representa uma fraude, que começou com a descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões. “Não é um ‘credit crunch‘ [uma crise no financiamento de crédito]”, defende.

Ao olhar para os balanços do terceiro e quarto trimestres das empresas brasileiras como um todo, Zimmermann destaca que não é possível verificar problemas operacionais nelas. “O crédito tende a ficar mais caro, mas é uma dívida ‘rolável’ [que pode ser estendida]”, pondera.

Apesar disso, ele avalia que é cedo para conseguir dimensionar a extensão de todo o movimento provocado pela varejista. Nesse sentido, o gestor acredita que os spreads no mercado secundário podem levar cerca de dois a três meses para normalizar – levando em conta o tempo para estabilizar após outras crises.

Isso pode fazer com que os fundos de crédito continuem a apresentar desempenho aquém do CDI nos próximos meses até o movimento normalizar, observa o gestor. Mesmo assim, o profissional argumenta que há chance de dar a volta por cima. “Temos mais 8 meses para recuperar. Os spreads vão fechar em algum momento e o próprio [percentual do] CDI vai fazer com que os fundos se recuperem”, defende.