Abalos provocados por Americanas, Oi e Light afetam fundos com debêntures e atingem 3,5 milhões de cotistas

Especialistas não descartam possível piora com novas notícias de empresas que contrataram assessores para reestruturar dívidas

Bruna Furlani

(CarlaNichiata/Getty Images)

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Uma tempestade perfeita envolvendo os nomes de três empresas Americanas (AMER3), Light (LIGT3) e Oi (OIBR3) abalou o mercado de crédito nos últimos dias e repercutiu em fundos com posição em debêntures das companhias.

Ao todo, dados levantados pela Nelogica/Comdinheiro mostram que 3,9 mil fundos estavam expostos de forma direta ou indiretamente a debêntures de pelo menos uma das três empresas, envolvendo 3,5 milhões de cotistas, o que representa um montante de mais de R$ 5,1 bilhões em termos de ativos.

Os dados levam em conta a carteira de dezembro de fundos com posição em debêntures de pelo menos uma das três empresas e dão a dimensão do alcance que eventos como a quebra ou a dificuldade de uma companhia podem ter no mercado financeiro, na visão de Filipe Ferreira, diretor financeiro da Comdinheiro. O profissional afirma que os números detalham que o efeito não fica circunscrito a essas empresas e sim afeta todo o mercado de capitais e milhões de cotistas.

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Entre os produtos com exposição a duas das empresas citadas – Americanas e Light – estão alguns fundos da Banestes DTVM. Na sessão seguinte à descoberta do escândalo da Americanas, por exemplo, um dos produtos da casa terminou com retorno negativo de 2,27% devido a marcação a mercado das cotas – atualização diária feita pelos fundos de acordo com as condições vigentes de negociação dos ativos.

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Nesse dia, vários papéis da empresa foram marcados a mercado com descontos de 50%, o que afetou negativamente a cota de fundos que possuíam o título na carteira.

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Segundo varredura feita pelo InfoMoney com base em dados de fatos relevantes, nenhum dos fundos de renda fixa com crédito na carteira da Banestes possuía mais do que 2,4% de exposição a debêntures da empresa no primeiro dia de negociação após a descoberta do rombo. Apesar disso, o efeito pôde ser sentido. Não à toa, a casa anunciou o encerramento das posições de todos os fundos que emitiram fatos relevantes e que detinham alocação na Americanas cerca de oito dias depois do escândalo vir à tona.

A situação parecia próxima de normalizar quando os fundos da Banestes foram afetados novamente por posições montadas em outra companhia: a Light. Os papéis da elétrica foram duramente afetados após confirmação de que a companhia tinha contratado a Laplace Finanças, com o objetivo de assessorar a empresa na análise de estratégias financeiras. O escritório foi o mesmo que assessorou a Oi em seu primeiro processo de recuperação judicial.

Efeitos para além de Americanas

Após a outra bomba, um dos fundos da casa, o Banestes FI RI Crédito Privado, foi um dos mais afetados negativamente por possuir cerca de 4,2% do patrimônio líquido alocado em debêntures da Light, conforme informações do fato relevante da última quinta-feira (2). Nesse dia, a cota do fundo sofreu perdas de 0,7%.

Ao ser questionado pela reportagem, Marcos Amaral Vargas, diretor de gestão de recursos de terceiros da Banestes DTVM, afirmou que o fundo em questão foi lançado em novembro de 2022 e que seu patrimônio está em “constituição” e que era “natural eventual concentração nos primeiros meses”.

Já sobre a Light, o executivo defendeu que, no começo de janeiro, uma grande agência de classificação de risco havia colocado o rating da companhia como AA-, ou seja, com grau de investimento, e que dias depois, a confirmação da contratação da Laplace Finanças gerou forte oscilação de preços do ativo.

Por essa razão, o administrador emitiu fato relevante para esclarecer a participação das debêntures da Light na carteira. A casa não informou, porém, se manteve a alocação em papéis da elétrica.

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Para se ter uma noção do efeito provocado no mercado de crédito por problemas com a Light e Americanas, cálculos feitos pela gestora JGP mostram que – excluindo as duas empresas da conta – os spreads médios (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação ao dos títulos públicos, considerados de baixo risco) ponderados passaram de CDI+2,03% em janeiro para CDI+2,22% em fevereiro. Os dados são do Idex-CDI, índice desenvolvido pela casa que acompanha o mercado de debêntures com retorno indexado ao CDI.

Já levando em conta a Americanas, os spreads teriam saído de CDI+1,86% no começo de janeiro, atingido o pico de CDI+54,50% após a descoberta do rombo fiscal e depois teriam voltado para CDI+2,87% em fevereiro. Isso com a retirada dos papéis da varejista do índice ao longo do mês.

Em uma ronda pelo site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi possível encontrar também fundos administrados pela BB Asset que possuíam alocação em Americanas e Oi, de forma indireta, segundo os fatos relevantes emitidos pelas casa.

Segundo levantamento feito pela TC/Economatica a pedido da reportagem, alguns dos fundos da instituição com posição indireta aos papéis da Oi possuíam mais de 24 mil cotistas, caso do BB RF LP Cred Priv Plus Fc FI. Em nota, a casa disse que houve o provisionamento integral das posições em debêntures da companhia no dia 19 de janeiro e agora em 3 de fevereiro.

Antes da provisão, a exposição às debêntures de Oi era de 0,04% dos ativos totais, e de 0,47% dos ativos de crédito geridos pela empresa, o que a instituição defende que é uma posição compatível com o tamanho dos fundos administrados pela BB Asset.

Outra casa que se viu obrigada a emitir uma série de fatos relevantes nos últimos dias foi a Caixa Econômica Federal, que é administradora de vários fundos com posições em Oi. Nos últimos dias, era possível achar documentos que informavam que a instituição optou por provisionar os ativos emitidos pela companhia de telecomunicações de alguns produtos.

Entre os fundos da Caixa que informaram sobre a provisão, um deles possui atualmente cerca de 27 mil cotistas, é o caso do Caixa FIC Executivo RF LP. A instituição foi procurada pela reportagem, mas ainda não apresentou nenhuma resposta.

Impacto na indústria

Os fundos acima são apenas alguns dos exemplos de produtos que foram atingidos, mas os efeitos foram sentidos por quase toda a indústria de fundos de renda fixa.

Dados da Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que a rentabilidade média oferecida por todas as 16 subclasses de fundos de renda fixa ficou abaixo da taxa do CDI (indicador de referência para a renda fixa), que rendeu 1,12% em janeiro.

No mês passado, excluindo as carteiras que alocam em títulos soberanos e que possuem títulos de dívida externa, os fundos que mais sofreram foram os do tipo crédito livre, com duração baixa – que investem em títulos com prazo médio ponderado inferior a 21 dias úteis. Eles tiveram uma perda média de -0,47% em janeiro.

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“Isso tem a ver com a deterioração do mercado de crédito. Houve uma contaminação após o evento Americanas. Outras empresas também começaram a ter problemas”, afirma o especialista em fundos Samuel Ponsoni, ao se referir aos casos de Light, Oi e CVC (CVCB3).

Na semana passada, a CVC (CVCB3) emitiu fato relevante direcionado aos detentores de alguns debêntures em que disse que contratou a BR Partners para assessorar a empresa no “reperfilamento” da dívida a mercado. Na prática, diz o especialista, isso significa que a companhia terá que chamar os credores para tentar renegociar as dívidas para ter mais tempo para pagá-las.

A BR Partners também foi contratada para assessorar a Marisa (AMAR3) na renegociação do endividamento financeiro, conforme informou a empresa em fato relevante nesta semana.

“Janeiro foi Americanas, fevereiro foi Light. Quem são as candidatas para os próximos meses?”, indaga Ponsoni. Sem querer fazer previsões, o especialista argumenta que setores com maior endividamento como aéreas e construção civil podem sofrer mais em um momento em que os juros estão elevados e há menor demanda para serviços menos essenciais.

Carlos Heitor Campani, professor de Finanças e sócio da CHC Consultoria, também não descarta uma piora do cenário com o risco de que mais empresas procurem assessores externos para reestruturar o capital nos próximos meses.

Para o especialista da CHC, notícias como a da Marisa oferecem ao mercado a visão de que há “imperfeições” que nem mesmo a empresa sabe muito a respeito e que precisam ser corrigidas. Ele também não descarta que algumas companhias busquem reestruturar a dívida a partir da emissão de ações agora.

Ponsoni também vê um ambiente mais difícil e adverso, especialmente porque o Banco Central não deve cortar tão cedo os juros, segundo os últimos comunicados feitos pelo Comitê de Política Monetária (Copom), o que tende a pesar mais nas dívidas das empresas, que terão que ser pagas a taxas elevadas.

“O período de bonança de 2018 a 2020 ficou para trás. O momento atual vai dar mais trabalho aos investidores. Será preciso ter mais diligência”, afirma o especialista em fundos, ao dizer que as taxas estão elevadas e que é preciso cuidado na hora de comprar papéis.

Volume de resgates não foi expressivo

Ainda que o cenário exija uma seleção mais criteriosa dos ativos, especialistas ponderam que o momento atual trouxe uma surpresa. Apesar das previsões mais negativas, não houve um volume grande de resgates em fundos posicionados em papéis de crédito no último mês após a descoberta do caso Americanas.

“Olhando para o mês no retrovisor, o medo do que poderia vir foi maior do que a realidade. Sim, foi um mês muito difícil, mas, em geral, o mercado absorveu a pancada e com intenção de recuperar esse impacto pelas vias necessárias”, afirmou a gestora Ibiuna Investimentos em carta publicada neste mês.

Uma das hipóteses levantadas pela casa para isso é que a grande maioria dos fundos detinha posições de até 3% dos produtos nos papéis da Americanas, o que permitiu que o calote possa ser absorvido ao longo do ano. “O alto patamar do CDI também contribuiu muito para que a cota ‘absorvesse’ um pedaço do default [calote] sem comprometer o resultado do fundo”, observou.

Mesmo com o retorno inferior ao CDI, a explicação para a manutenção de uma captação líquida positiva dos fundos de renda fixa em janeiro pode estar na aversão grande a fundos multimercados e ações com a Selic em 13,75%. “Tem resgate de um lado, mas tem uma aversão a multimercados e ações que acaba equilibrando um pouco essas saídas”, diz Ponsoni.

Nesse sentido, há chance de que a captação siga no azul, mesmo em um cenário de retornos menores, o que não é descartado por Campani, da CHC Consultoria. Para ele, se o “burburinho” e o mercado de crédito piorar, o prêmio de risco no secundário vai ser maior, o que pode afetar negativamente o preço dos títulos e a cota dos fundos nos próximos meses.