Um ano após a tragédia de Brumadinho, sustentabilidade ainda não é prioridade em alocações

Discussões sobre as práticas adotadas pelas empresas para proteger o meio ambiente ganham espaço, mas lentamente

Anderson Figo | Beatriz Cutait

SÃO PAULO — Um ano após a tragédia de Brumadinho, a Vale já se recuperou — pelo menos na Bolsa. O valor de mercado da companhia (preço das ações multiplicado pela quantidade de papéis) já atingiu o mesmo nível de antes do rompimento da barreira, de cerca de R$ 285 bilhões.

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O desastre, que matou 270 pessoas, ajudou a fixar o tema sustentabilidade nas mesas de investidores. Ele ganhou ainda mais relevância diante da grande quantidade de eventos climáticos que tomaram conta do noticiário internacional nos últimos meses — queimadas na Austrália, o desmatamento na Amazônia, furacões, secas e enchentes cada vez mais severos.

O Fórum Econômico Mundial, que aconteceu nesta semana em Davos, na Suíça, colocou a sustentabilidade no centro das atenções. O evento contou, inclusive, com a presença da jovem ativista ambiental Greta Thunberg.

Embora o discurso pró-meio ambiente tenha ganhado força, com os investidores a nível global cada vez mais preocupados com as decisões sustentáveis das companhias em que investem, na prática, ainda falta muito para que os gestores de recursos priorizem o tema na hora de fazer alocações.

A própria retomada do preço das ações da Vale reflete isso. “A nuvem preta está ficando para trás”, diz Cesar Paiva, sócio e gestor do fundo de ações da Real Investor. “A empresa passou por um momento muito ruim, teve uma série de prejuízos, parou de pagar dividendos, mas, quando olhamos para 2020 e 2021, ela vai voltar a crescer muito forte, gerar muito caixa e tem potencial para pagar mais de 10% de dividend yield ao ano nos próximos anos.”

Segundo Paiva, as ações da mineradora negociam a um múltiplo em torno de 4 vezes pelo critério EV/Ebitda (indicador que mostra o valor da empresa sobre a sua geração de caixa e que pode dar uma ideia do prazo de retorno do investimento), o que estaria bem abaixo de seus pares e de sua própria média histórica.

A gestora diz ter uma posição “importante” em Vale e não ter limitações para a alocação no fundo, como as vinculadas a melhores práticas ambientais, sociais e de governança, representadas pela sigla em inglês ESG.

“Como investidores, pensando a longo prazo, queremos investir em empresas sustentáveis, que respeitem o meio ambiente, mas não temos critérios tão rigorosos”, afirma Paiva. “Queremos investir em empresas das quais temos orgulho, mas, no caso da Vale, foi um acidente.”

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A Navi Capital tinha uma exposição pequena às ações da Vale um ano atrás e voltou a aumentar a alocação no segundo semestre de 2019, em meio a um sentimento de alívio com relação à guerra comercial entre Estados Unidos e China, que estava pesando sobre os preços das commodities.

“Foi um call mais macro que micro”, diz Waldir Serafim, sócio fundador e co-CIO da Navi. “Pensamos muito mais no futuro que no passado. Existe risco de [Brumadinho] acontecer de novo? A empresa está fazendo o certo?”, indaga Serafim, ressaltando ter visão favorável para a Vale neste sentido, de olho, entre outros pontos, no plano anunciado pela empresa de fechar barragens semelhantes à mineira.

Para o futuro, assinala Serafim, o risco já foi apaziguado e é possível olhar a companhia pelo viés econômico, não político. A expectativa que tem prevalecido e justificado as posições de investimento em Vale, segundo analistas e gestores, é a de crescimento de lucro.

No geral, a avaliação é de que as perdas com Brumadinho foram pontuais e serão diluídas ao longo do tempo, especialmente porque a Vale, que continua sendo uma das maiores mineradoras do mundo, se beneficia do cenário de menor oferta de minério e maior demanda global. A própria Vale já fez provisões de mais de R$ 24 bilhões para arcar com eventuais indenizações da tragédia em Brumadinho.

“As fortes perspectivas da Vale em geração de fluxo de caixa limitarão o impacto potencialmente negativo esperado nos índices de alavancagem da empresa a partir do desembolso de compensações (75% serão feitas até 2022)”, diz Daniel Sasson, do Itaú BBA. “Reiteramos nossa recomendação outperform na Vale, que continua sendo a principal escolha em nosso universo de cobertura.”

Fundos ampliam posições em Vale

Brumadinho provocou uma saída apenas temporária de investidores da Vale, que já foi mais do que recuperada. A posição que os fundos no Brasil detinham em papéis da mineradora passou de R$ 14,3 bilhões em janeiro de 2019 para os atuais R$ 17,4 bilhões, segundo os dados mais recentes da Economatica.

Grande parte dessas posições refletem produtos indexados (ou passivos), que são obrigados a seguir as composições de índices nos quais a Vale está inserida — ela só foi excluída do índice de sustentabilidade da B3 após Brumadinho.

Veja abaixo as cinco gestoras de fundos com as maiores posições em ações da Vale. Os dados são em R$ bilhão e vão até setembro de 2019, dado mais recente disponível.

Instituição Jan-19 Fev-19 Mar-19 Abr-19 Mai-19 Jun-19 Jul-19 Ago-19 Set-19
Caixa 1,781,315 1,842,278 1,985,327 1,937,797 1,891,453 1,975,916 1,884,857 2,219,492 2,322,078
Itau Unibanco SA 1,504,066 1,793,613 1,967,994 1,987,286 2,002,199 2,075,927 1,871,524 1,771,947 1,745,927
Bram Bradesco Asset Management SA Dtvm 1,334,077 1,390,469 1,593,364 1,590,495 1,663,769 1,725,667 1,548,264 1,398,244 1,550,369
BB Dtvm S.A 1,283,054 1,387,453 1,562,369 1,530,545 1,498,362 1,523,488 1,597,796 1,487,863 1,523,968
Santander Brasil Gestao de Recursos Ltda 672,718 656,002 763,684 720,945 739,584 850,581 881,873 841,180 937,354

Com mais de R$ 2 bilhões de alocação, a Caixa disse que as posições detidas no ativo são essencialmente passivas, ou seja, seguem o estabelecido na política de investimento dos fundos, tanto nos casos dos fundos que investem exclusivamente no ativo, como ocorre nos fundos mono ação, quanto nos casos dos fundos passivos que replicam a participação de VALE3 nos seus respectivos benchmarks.

“Dentre os fundos mono ação, destacamos também os fundos mútuos de privatização (FMP VALE I, FMP VALE II e FMP VALE MIGRAÇÃO), que representam aproximadamente R$ 1,04 bilhão da exposição total. Esses fundos foram originados devido ao processo de privatização da Vale S.A., quando os trabalhadores vinculados ao FGTS tiveram a oportunidade de utilizar seus saldos para aquisição de ações da companhia. Nesse sentido e diante do exposto acima, reforçamos que o volume alocado no ativo, embora possa ser considerado relevante, decorre fundamentalmente da característica dos fundos de investimento sob gestão.”

A gestora do BB também citou fundos passivos como responsáveis pela posição expressiva em Vale e disse que a preocupação com sustentabilidade é um dos pilares observados na avaliação de crédito e de ações de empresas.

“A gestora possui posições nos ativos relacionados em fundos indexados, uma vez que as ações da Vale ainda constam nos principais índices acionários do mercado de Bolsa brasileiro e em fundo mono ação. Em relação à avaliação da sustentabilidade no processo de gestão de recursos, desde novembro de 2010, a BB DTVM é signatária dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), iniciativa de investidores globais apoiada pelas Nações Unidas”, diz.

“A BB DTVM aplica em seus processos de gestão práticas que favorecem a integração de temas ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG) em suas análises e decisão de investimento. Ainda, participa do grupo de engajamento da rede brasileira do PRI, iniciativa que busca uma mudança no comportamento das empresas nas quais investe, indicando a importância da divulgação de informações sobre questões ambientais, sociais e de governança, a fim de melhorar a transparência sobre esses temas.”

A BB DTVM afirma ainda que “desenvolveu metodologia própria de avaliação de crédito e de ações de empresas, por meio da qual incorpora critérios de avaliação de ativos com base nos pilares de desempenho econômico-financeiro, governança corporativa e aspectos ambientais e sociais.”

Procurados pelo InfoMoney, Itaú, Bradesco e Santander não comentaram.

O perigo do Greenwashing

Investidor de empresas sustentáveis há mais de 30 anos, Fabio Alperowitch, da Fama Investimentos, alerta para o aumento do chamado greenwashing — termo utilizado para empresas que usam estratégia de marketing para passar uma ideia de que são sustentáveis, quando na verdade não são.

“A Vale tem gastado bilhões de reais após Brumadinho para desmontar barragens e pagar indenizações porque qualquer administrador sabe que um terceiro desastre ambiental pode ser o fim de qualquer empresa”, diz.

“É importante essa atitude. A Vale entendeu que se for vista como despreocupada com o meio ambiente, vai perder investidores. Mas isso não significa que ela passou a ser sustentável de uma hora para a outra. Da porta para dentro, ela segue com aberrações sob este ponto de vista.”

O gestor cita a Amazônia como exemplo. “Quando o tema desmatamento da Amazônia ganhou relevância, a Vale não se posicionou sobre as solicitações de exploração mineral que ela tem na região. Ela não retirou nenhuma delas. Patrocinar eventos e fazer campanhas é a parte mais fácil da política de sustentabilidade. Agora, abrir mão de projetos é outra história.”

Para Alperowitch, a falta de produtos na prateleira de investimentos sustentáveis prejudica o processo de conscientização. “No mundo inteiro tem gente que topa qualquer coisa: se polui, polui, se mata, mata. Existem, sempre vão existir. Outros investidores já têm outro perfil. Alguns que investiam na Vale deixaram de investir. O possuidor final de recursos tem uma preocupação cada vez maior com onde ele está colocando o dinheiro. Esse debate está chegando ao Brasil agora, a uma velocidade crescente.”

“Existem opções de empresas com boas práticas sustentáveis, mas o investidor tem que procurar. O maior acesso à informação tem ajudado nisso”, completou. Entre os exemplos citados pelo gestor estão Klabin, Arezzo, Localiza, MRV, Fleury, Duratex e Raia Drogasil.

Estrangeiros na frente

Enquanto no Brasil o tema sustentabilidade ainda não é prioridade para a maioria dos gestores, no exterior grandes investidores já têm demonstrado que não vão tolerar práticas não sustentáveis das empresas em que investem.

Nesta semana foi colocado no ar um site da Iniciativa por Segurança em Mineração e Barragens (Investor Mining and Tailings Safety Initiative), liderado pela Church of England, fundo de pensão dos párocos britânicos, que representa 110 instituições que gerem mais de US$ 14 trilhões juntos.

A ideia é cobrar de mineradoras globais informações periódicas sobre suas barragens para averiguar os riscos e os problemas que devem ser resolvidos, a fim de evitar tragédias como a que aconteceu em Brumadinho. Os relatórios estão disponíveis online.

A Church of England se desfez de suas ações da Vale no ano passado por causa do desastre em Minas Gerais e decidiu, então, engrossar o estímulo aos investidores para que eles cobrem cada vez mais transparência e segurança das empresas mineradoras.

Também nesta semana, a agência de classificação de risco Fitch Ratings soltou uma nota em que reafirmou a relevância das questões ambientais, sociais e de governança (ESG) para as empresas da América Latina.

“As significativas deficiências nas questões de ESG, particularmente em termos de governança, são ou foram um empecilho para os perfis de crédito da Vale e de vários outros emissores latino-americanos, incluindo JBS S.A. (JBS), Eldorado Brasil Celulose S.A. (Eldorado) e Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras)”, disse.

“A administração e a governança corporativa são fatores que a Fitch observa ao avaliar os perfis de negócios das empresas. (…) O rating grau de investimento da Vale continua apoiado em sua forte capacidade de pagamento de dívidas diante de um preço favorável do minério de ferro, acima de US$ 90/tonelada, e na gestão proativa de sua estrutura de capital, apesar dos contratempos em termos de ESG.”

A agência destacou que a demanda dos investidores pela Vale permaneceu robusta, mesmo com os fatores negativos de ESG. “De acordo com as projeções da Fitch, a dívida líquida da empresa deve se aproximar de US$ 5 bilhões no final de 2019, e o índice dívida líquida/EBITDA estava abaixo de 0,5 vez, apesar dos obstáculos legais e operacionais resultantes do colapso da barragem de rejeitos no primeiro trimestre de 2019.”

A Fitch afirmou ainda que, no entanto, o rating da Vale é limitado pelos problemas relativos à governança e ao bem-estar dos funcionários. “Considerações ambientais relacionadas a resíduos e materiais tóxicos são fatores que afetam o perfil de crédito da Vale, que recebe scores mais baixos, devido às acusações que pesam sobre a companhia e alguns de seus funcionários.”

Quem também se posicionou nesta semana foi a BlackRock. A gestora global, responsável por investir US$ 7 trilhões, divulgou uma carta de seu presidente, Larry Fink, com uma mensagem bem clara: a sustentabilidade e as mudanças climáticas estão remodelando as finanças e investimentos.

No documento, ele cita que as alterações climáticas tornaram-se um fator decisivo nas perspectivas das empresas a longo prazo e que os investidores estão cada vez mais reconhecendo que o risco climático é um risco de investimento. “Veremos uma reavaliação profunda do risco e do valor dos ativos. Estamos à beira de uma significativa realocação de capital.”

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.