Vale: o que os analistas esperam para a ação da mineradora um ano após a tragédia de Brumadinho?

Maior parte dos analistas vê redução significativa de riscos para a mineradora e está otimista, mas não descarta obstáculos para a companhia

Lara Rizério

SÃO PAULO – 25 de janeiro de 2019. Este dia ficará marcado para sempre na história de centenas de famílias e na trajetória da Vale (VALE3), após a tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho (MG) que ceifou a vida de 270 pessoas, sendo que 11 continuam desaparecidas.

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Naquele dia, em que a bolsa brasileira ficou fechada por conta do feriado de aniversário de São Paulo, os ADRs (American Depositary Receipts) da mineradora fecharam em queda de 8%, ainda em um cenário em que não se sabia as dimensões do acontecimento, mas com vários analistas já revisando as recomendações e projeções para a companhia, tendo em visto o abalo de reputação imediato e potencialmente o financeiro.

No Brasil, na sessão seguinte ao rompimento da barragem, da segunda-feira 28 de janeiro, o impacto foi sentido de forma ainda mais intensa nas ações, com os investidores tendo ainda mais informações sobre a tragédia: assim, os ativos caíram 24,5% na B3, levando a uma perda histórica de R$ 72 bilhões de valor de mercado em apenas um pregão.

Um ano depois do fatídico pregão, as ações praticamente voltaram ao patamar negociado no nível pré-crise: no dia 24 de janeiro de 2019, o papel VALE3 era negociado a R$ 56,15 e, na última quinta-feira, fechou a R$ 55,50 (em meados de janeiro, a ação ultrapassou a barreira dos R$ 56).

Mas, além de terem recuperado a cotação pré-Brumadinho, a ação VALE3 é vista com bons olhos quando o assunto é potencial de alta na B3 pela maior parte dos analistas de mercado. De 21 casas de análise que possuem cobertura para o papel, 15 (71,4%) possuem recomendação equivalente à compra para os ativos, enquanto 5 (23,8%) recomendam manutenção e apenas 1 recomenda venda (a ICBC research, com a última revisão de recomendação sendo feita em outubro de 2019).

As teses que guiam a visão mais otimista passam tanto pela visão de que a mineradora está conseguindo diminuir de forma bastante significativa os passivos sobre as demandas judiciais de Brumadinho, além de registrar uma forte geração de caixa, ter um prêmio de qualidade sobre o minério e estar prestes a retomar a sua produção para níveis pré-tragédia.

Porém, a companhia ainda enfrentará muitos desafios, sendo o principal deles a retomada da sua reputação, que ainda afasta muitos investidores (principalmente estrangeiros) da companhia, ainda mais em um cenário em que a questão ambiental se torna cada vez mais importante na escolha de investimentos de grandes gestores.

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Recentemente, a BlackRock, gestora de US$ 7 trilhões e que possui participação de Vale (principalmente por conta de fundos passivos, atrelados a índices), destacou em carta que colocou as questões ambientais como centrais no processo de escolha de seus investimentos (veja mais clicando aqui).

A Vale tem tomado diversas medidas para reparar os danos e também mostrar seu comprometimento com ESG (como são chamadas as melhores práticas ambientais, sociais e de governança), conforme destaca Fernando Fontoura, gestor da Persevera Asset Management. A mineradora trocou seu presidente (saiu Fabio Schvartsman e entrou Eduardo Bartolomeo), está fazendo o descomissionamento das barragens do mesmo tipo que falhou, construiu unidade de tratamento para as reservas hídricas afetadas e se comprometeu a ter autogeração de energia limpa até 2030 e ser neutra em emissões de carbono até 2050.

“Entrando no tema do ESG, foi até um contexto bom para a Vale também repensar as operações que ela possuía e que não necessariamente faziam muito sentido, o que também desagradava o mercado”, afirma Fontoura, citando a redução da participação em sua operação de carvão em Moatize, em Moçambique.

O gestor vê a ação como bastante descontada em relação aos pares, apontando ter montado posição nos ativos ao longo dos últimos cinco meses também ao fazer uma análise sobre o minério de ferro, com a visão de que a queda dos preços da commodity não acontecerá de forma tão rápida quanto se previa.

Em meados de julho do ano passado, o preço do minério de ferro atingiu os US$ 120 tanto em meio à queda de produção no Brasil (em boa parte por conta da Vale) e na Austrália, além dos níveis baixos de estoque na China. Com isso, a percepção de boa parte dos investidores era de que tal patamar de preço não era sustentável e que, com a mineradora retomando a sua produção, o gigante asiático recuperando os seus estoques e com a incerteza sobre os estímulos do governo chinês para estimular a economia, as cotações da commodity iriam cair rapidamente para a casa de US$ 60 a tonelada.

Para Fontoura, a queda do minério acontecerá – mas não com a velocidade que o mercado antecipou. Aliás, o minério com 62% de pureza negociado em Qingdao está na casa de US$ 94 barris a tonelada, mostrando maior resiliência. Desta forma, há potencial de que os lucros da companhia surpreendam o consenso de mercado, também com o ambiente de retomada com volumes mais fortes de vendas, o que deve ajudar na diluição de custos e tornar as margens mais saudáveis.

Ano da redenção?

Em relatório recente, o Bradesco BBI reiterou a Vale como top pick do setor e classificou a companhia como “uma subestimada máquina de fazer dinheiro em modo de diminuição de riscos”, possuindo preço-alvo de R$ 87 para suas ações, ou um potencial de valorização de 57%.

De acordo com o banco, 2020 pode ser o “ano da redenção da companhia”, destacando sete temas para ela: i) as fases finais da negociação relacionadas a Brumadinho; ii) a perspectiva de altos dividendos; iii) a surpresa com o mercado mais apertado para o minério de ferro (como já destacado acima); iv) o crescimento da produção e os menores custos; v) a venda de ativos, caso da já citada Moatize e também a VNC (Vale Nova Caledônia), produtora de níquel e cobalto; vi) a evolução nas práticas de ESG e vii) o fim do acordo de acionistas.

Thiago Lofiego e Isabella Vasconcelos, analistas do banco, destacam que o múltiplo entre o valor de mercado (EV) e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) para 2020 é estimado em 4,6 vezes, desconto de 20% a 25% ante o nível em que as ações de seus pares australianos Rio Tinto e BHP são negociadas. A avaliação é de que o desconto deveria ser de cerca de 5%.

Os analistas apontam serem baixas as possibilidades de uma nova provisão em patamares substanciais para lidar com os acordo e indenizações de Brumadinho: o montante de US$ 6 bilhões reservados, sendo US$ 4 bilhões para indenizações e US$ 2 bilhões para o descomissionamento das barragens, é apontado como suficiente.

Com este episódio sendo resolvido pelo menos em termos de provisões, a Vale pode retomar a sua política de dividendos ainda no primeiro semestre, avaliam Lofiego e Isabella, podendo pagar entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões ao longo do ano, representando um dividend yield (indicador calculado pelo dividendo pago por ação dividido pela cotação do papel) entre 8% e 10%, considerado bastante atrativo.

Também incorporando preços mais altos para o minério de ferro, normalização da produção, alavancagem baixa (até de forma ineficiente, nas palavras de Fontoura, gestor da Persevera) e altos dividendos, o Credit Suisse e o Itaú BBA possuem recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para a mineradora.

O Credit aponta que o anúncio de R$ 7,25 bilhões em juros sobre o capital próprio feito pela companhia em dezembro referente ao ano de 2019, no Investor Day, aumenta a confiança de pagamento de dividendos ainda em 2020.  A empresa não informou quando o dinheiro será creditado, já que continua valendo a decisão de suspender os pagamentos de proventos após a tragédia.

Já com relação à normalização das operações, o próprio ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, apontou que a Vale deve recuperar a produção atingida antes do desastre.

A mineradora produziu um recorde de 385 milhões de toneladas de minério de ferro em 2018 e estava prestes a elevar a produção para cerca de 400 milhões no ano passado antes do rompimento de uma barragem de rejeitos em Brumadinho, Minas Gerais. Contudo, a tragédia levou a um escrutínio regulatório rígido, que levou a empresa a suspender operações com 93 milhões de toneladas de capacidade.

Algumas operações foram retomadas, mas 50 milhões de toneladas de capacidade permanecem interrompidas e devem ser reiniciadas até 2021. Esse deve ser um dos fatores a reduzir o preço do minério mas, conforme aponta Fontoura, para a Vale, é preferível ganhar através de maiores volumes do que com preços mais altos por conta de uma menor produção.

Riscos no radar

Apesar dos pontos positivos, ainda falta muito para que a Vale consiga superar o caso Brumadinho – em termos de reputação, por sinal, os danos podem ser irreparáveis até mesmo no longo prazo.

O Bradesco BBI, por exemplo, destaca que o posicionamento dos investidores globais é claramente de venda, em meio a um ambiente de receios quanto a novos desenvolvimentos relativos ao rompimento da barragem.

Para Fontoura, mantendo as condições atuais, o desconto da Vale com relação às outras mineradoras globais pode permanecer ao longo dos anos, tanto por conta de um receio exacerbado de que um outro evento do gênero possa ocorrer novamente quanto pelo dano de reputação da empresa, que pode demorar para ser revertido.

Neste sentido, o estrangeiro que vê o mercado brasileiro de forma mais geral tende a ficar mais afastado da Vale, também levando em conta as manchetes mais negativas sobre o comprometimento do governo com o meio ambiente. Porém, quem acompanha a tese de investimentos mais de perto pode repercutir de forma mais rápida o processo de redução de riscos da mineradora.

Além disso, apesar de grande parte dos analistas estar otimista com os papéis, há aqueles que se mostram reticentes, como a equipe de análise do Morgan Stanley, que possui recomendação equalweight (exposição em linha com a média). “Embora a relação risco-recompensa tenha melhorado, ainda esperamos ter maior clareza sobre o passivo em torno do acidente de Brumadinho antes de nos tornamos mais positivos com o papel”, afirma a casa.

Na última terça-feira (21), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apresentou denúncia contra a mineradora, a consultoria alemã Tüv Süd e 16 pessoas. Conforme a acusação, ambas as empresas tinham conhecimento da situação crítica da barragem que se rompeu, mas não compartilharam as informações com o poder público e com a sociedade e assumiram os riscos. Logo após a apresentação da denúncia, os ativos VALE3 aceleraram a queda na Bolsa, mostrando que esse tema ainda é sensível para os mercados.

Entre os 16 denunciados, está o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, e mais 10 funcionários da mineradora. Os outros cinco ocupavam cargos na Tüv Süd. Eles foram acusados por diversos crimes ambientais e por homicídio doloso duplamente qualificado, levando em conta que as vítimas não tiveram possibilidade de defender suas vidas. Caso sejam condenados, apenas para o crime de homicídio, as penas podem variar entre 12 e 30 anos. As duas empresas também foram denunciadas pelos crimes ambientais e podem ser penalizadas com diversas sanções.

Assim, mesmo com as provisões, manchetes desse tipo afetam a percepção dos investidores sobre as ações. Apesar de os ativos registrarem um bom potencial de ganhos na visão da maior parte dos analistas de mercado, há riscos de o “novo normal” para a Vale se tornar uma ação bastante descontada em relação aos seus pares internacionais, caso a empresa não consiga reverter os danos para sua imagem.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.