Títulos do Tesouro Direto valorizam com virada nos juros; vale a pena vendê-los antes do vencimento?

De acordo com o Tesouro Nacional, cerca de 80% dos investidores que compram papéis de longo prazo optam pela venda antecipada

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Em um sucesso ao estilo “sofrência”, as irmãs Maiara e Maraísa falam sobre as vantagens de largar o certo para ficar com o duvidoso. Investidores de renda fixa, quem diria, vez ou outra se deparam com a mesma dúvida.

Com os juros oferecidos pelos títulos públicos em leve queda neste momento, vale a pena trocar o “certo pelo duvidoso” e vender os papéis antes do vencimento?

Na média, apenas 20% dos investidores permanecem com os papéis de longo prazo adquiridos no Tesouro Direto até o vencimento, segundo dados preliminares do Tesouro Nacional. Ou seja, os outros 80% decidem, em algum momento, resgatar os recursos antes do que foi definido.

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Os dados são uma média – o Tesouro Nacional esclarece que o prazo de permanência varia de acordo com o título e o prazo de vencimento. Investidores com títulos mais curtos, como o Tesouro Selic, tendem a representar uma parcela maior dos que permanecem até o vencimento, quando comparados ao prazo dos investidores que possuem títulos mais longos.

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De acordo com o professor de finanças José Carlos Luxo, do Ibmec-São Paulo, as flutuações das taxas de juros dos títulos públicos e privados são influenciadas pela expectativa para a taxa básica de juros. “Por conta do efeito da marcação a mercado, a rentabilidade dos títulos de renda fixa apresenta volatilidade. Isso faz com que o investidor tenha ganhos ou perdas, que serão contabilizadas na hipótese real de resgate do título antes de seu vencimento”, explica.

Como regra geral, a marcação a mercado produz dois efeitos na rentabilidade de um título de renda fixa: quando a taxa de juros sobe, o preço do título diminui, provocando um “deságio”, ou uma redução no valor do ativo, que pode resultar em perda de rentabilidade ou prejuízo ao investidor. Já quando a taxa de juros cai, o preço do título aumenta, o que gera um ágio, ou uma valorização – e, possivelmente, ganhos.

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E agora, vale a pena?

A decisão de vender antecipadamente um título de renda fixa ou não depende de uma série de fatores. Um deles é a taxa a que o papel foi originalmente comprado.

Um exemplo: imagine um investidor que, dois anos atrás, comprou R$ 10 mil em Tesouro Prefixado com vencimento em 1º janeiro de 2026. Na época, segundo o exemplo, os juros eram de 2% ao ano. Se mantivesse os papéis até o vencimento, o valor de resgate bruto seria de R$ 11.444,51, pelos cálculos do professor Luxo.

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Se esse investidor, no entanto, resolvesse revender o papel nesta quinta-feira (20), quanto a taxa do mesmo título estava em 12% ao ano, seu valor de resgate bruto seria de R$ 7.342,21. Nessa hipótese, o prejuízo não seria pequeno: R$ 2.657,78, ou 27% sobre os R$ 10 mil iniciais.

“Atualmente, os resgates podem estar ocorrendo mais influenciados pela queda da renda das pessoas, que estão precisando sacar parcial ou totalmente os investimentos em renda fixa”, detalha o professor.

Há também a situação oposta. Se o mesmo papel tivesse sido adquirido 30 dias atrás, quando oferecia juros acima de 12,30% ao ano, o investidor estaria acumulando ganhos de 1,81% no período. Se vendesse o papel antecipadamente, obteria lucro.

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Portanto, antes de mais nada, o investidor precisa se lembrar do objetivo que o fez começar a investir para decidir vender o papel ou não, segundo Luigi Wis, especialista em investimentos na Genial.

Se fez uma aplicação em títulos de longo prazo, pensando na aposentadoria, por exemplo, aproveitar a marcação a mercado positiva pode não fazer sentido. Fica a pergunta: se vender, onde vai aplicar o dinheiro depois com a mesma remuneração?

Segundo Wis, o investidor ganha 5% ou 10% em um espaço muito curto – sem saber muito bem os próximos passos. “Se o investidor quiser vender, terá que reaplicar em outro ativo de longo prazo, que era a necessidade inicial”.

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A vantagem da venda antecipada fica com quem tem o objetivo de “especular” para ganhar com o movimento dos juros, se acredita que eles vão cair.

Os juros do Tesouro Prefixado 2029 e 2033 caíram para a casa dos 12%. Se a pessoa acha que o mercado exagerou muito nesse otimismo e que as taxas de juros não vão cair tanto, pode fazer sentido vender para se proteger da marcação a mercado que pode vir. Mas isso para quem tem a meta de especular pura e simplesmente

Luigi Wis, especialista em investimentos na Genial

Diante disso, em certa medida, o ativo deixa de ter as características da renda fixa e passa algumas da renda variável, na análise de Wis.

O especialista diz que o cenário macroeconômico é o principal estudo que o investidor de renda fixa de curto prazo precisa levar em conta. “Se acredita que o arcabouço fiscal vai ser positivo para acertar as contas públicas, a taxa de juros nos próximos anos não vão ser de 12%. Será menor. O investidor, então, poderá comprar o título hoje a 12% e, se realmente essa melhora acontecer, e as taxas caírem, vai ganhar muito dinheiro.”

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Marilia Fontes, sócia fundadora e analista de renda fixa da Nord Research, reforça a preocupação com 0 cenário macroeconômico. Ou seja, ficar de olho nos caminhos da economia, que vão determinar a questão de juros. A partir disso, ela considera a saída antes do vencimento uma alternativa, sim.

Marilia lembra que o Tesouro Direto tem três tipos de títulos: os pós-fixados, os atrelados à inflação e os prefixados. Cada um deles se comporta de uma maneira.

“Cada ativo se beneficia com um cenário. E as mudanças acontecem por conta da política e de outros fatores. Às vezes, a pessoa tem um título que ganha em um cenário; se ele muda, não tem razão para continuar com o título, se a probabilidade é de prejuízo”, explica.

Segundo ela, de 2016 a 2020, as condições se mantiveram – foi um longo ciclo de queda de juros. Se o investidor ficou com a escolha inicial, se beneficiou. “Não havia motivo para trocar no meio do caminho”

Mas diante de tantas possibilidades no mercado, é natural que as pessoas tenham perguntas. “A pessoa física com perfil mais conservador geralmente não tem muita experiência com investimentos e acaba não entendendo o rendimento na tela. Por isso é importante tirar dúvidas com um corretor, gestor, gerente, algum assessor para conversar e ter certeza de que o momento é bom para resgatar o investimento”, analisa Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.

Reinvestimento

O risco de reinvestimento é ressaltado por Mayara Rodrigues, analista de renda fixa da XP Investimentos. Se a pessoa quer se desfazer de um título público para ganhar rentabilidade, terá que procurar por um novo ativo que ofereça prêmio maior ainda. “O investidor pode acabar perdendo, se não tiver mapeado isso antes. Desta forma, ele vai tirar o dinheiro, de olho no ganho momentâneo, e vai colocar onde depois? É preciso encontrar algo similar ou melhor, o que não é fácil”, explica Mayara.

“Mais cedo ou mais tarde haverá um ciclo de corte de juros, que estão restritivos para segurar a inflação. Ainda neste ano poderá acontecer uma queda de juros relevante, e no ano que vem continua”, afirma Cruz. “E é natural que aconteça uma reversão da curva. Se o investidor optar pela venda, pode ir para outros produtos que ficaram  um pouco mais defasados.”

O objetivo do investimento é igualmente priorizado por Patricia Palomo, head de investimentos da Unicred do Brasil. Trata-se de uma questão comportamental, define ela. “O prazo é subestimado pelas pessoas no processo de decisão. E ele é a variável mais importante na decisão de investimento. O prazo em que a pessoa precisa ou pretende usar aquele recurso define grande parte da alocação.”

Para Patricia, não existe o certo ou o errado na hora de decidir se o investimento permanece ou não. Mas é sempre preciso voltar ao início, que é o que provocou esse investimento. É isso que vai determinar se a decisão está fazendo sentido. “Se o investimento de dois anos tinha a meta de comprar o carro e o dinheiro, por conta das taxas, cobriu o gasto antes, é positivo”.

Impostos

Marilia faz uma ressalva para quem tem o objetivo de especular e aproveitar as taxas em curtos espaços de tempo. Existe um spread (diferencial de taxa) entre compra e venda. “O investidor consegue comprar numa taxa, mas vende com uma outra taxa, de aproximadamente 10 pontos-base (0,10 ponto percentual) mais cara. Além disso, há o Imposto de Renda, o IOF, que desencoraja esse tipo de operação”.

Mayara, da XP Investimentos, diz que quanto menos tempo a pessoa fica com o investimento, mais paga impostos. Se o investidor fica 180 dias, ou seis meses com a aplicação, paga 22,5% de Imposto de Renda. A alíquota cai para 20% se o prazo for entre 181 a 360 dias, e para 17,5% para um período entre 361 a 720 dias. Acima de 720 dias, a alíquota é de 15%. “Não é muito bom comprar e vender num curto espaço de tempo”.

Debêntures

Os títulos públicos são os mais indicados para quem quer “especular” com a renda fixa. Os papéis têm spread menor de compra e venda e oferecem maior liquidez. Mas todos os títulos de renda fixa são influenciados pela curva de juros futuros. A redução das taxas, como vista nos últimos dias, reflete nas debêntures também.

Se houver uma redução dos juros oferecidos pelos títulos públicos, a tendência é de haver o mesmo efeito nas debêntures. “Uma boa empresa pode oferecer uma debênture que seja mais rentável do que um título do Tesouro, que paga IPCA mais 7% ao ano, por exemplo. Mas nem sempre há ganho”, explica Wis, da Genial. Isso porque a liquidez dos papéis é menor, o que pode dificultar o repasse das taxas.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney