Tesouro Direto: risco fiscal e IPCA pesam e taxas dos papéis disparam; é hora de comprar mais ou de vender?

Dia é de forte turbulência no mercado; especialistas recomendam ter cautela para vender e aproveitar a oportunidade para comprar papéis

Bruna Furlani Neide Martingo

(Getty Images)

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Os temores com despesas além do teto de gastos para bancar promessas da campanha feitas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, em conjunto com dados de inflação acima do esperado, pesaram sobre a curva de juros e fizeram as taxas no mercado futuro subir para além dos 80 pontos-base (0,80 ponto percentual), por volta das 13h desta quinta-feira (10).

O movimento também reverberou nos títulos públicos negociados no Tesouro Direto. A remuneração oferecida pelos papéis abriu o dia com alta expressiva de até 81 pontos-base (0,81 ponto percentual). Diante da forte volatilidade, as negociações chegaram a ser suspensas perto de meio-dia. Ao retornar, por volta das 13h, o movimento havia amainado levemente – mas os juros ainda subiam até 72 pontos-base (0,72 ponto percentual) em relação aos praticados nesta quarta-feira (9).

Enrico Cozzolino, head e sócio da Levante Investimentos, diz que o respeito ao teto de gastos, às políticas de controle de atingimento de metas de inflação, além da responsabilidade fiscal são questões que fazem com que o risco-país fique mais caro. Logo, os juros sobem. Quanto maiores forem os juros, maior o risco.

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Thiago Calestine, economista e sócio da DOM Investimentos, afirma que o movimento de hoje é fruto de três fatores: uma piora fiscal, declarações de Lula a jornalistas, além de uma alta acima do esperado para a inflação oficial em outubro.

“Mercado não estava esperando o ‘golpe pelo flanco’ de uma nova onda populista com relação aos gastos fiscais. Por isso, o juro disparou muito. O dado da inflação, divulgado hoje, também veio acima da meta, no acumulado e no mês a mês. Inflação e discurso do presidente eleito Lula finalizaram esse movimento brutal”, resume.

Já para Marcello Freller, estrategista de macro da XP, o movimento de hoje é 100% reflexo da percepção de piora fiscal. Segundo ele, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) trouxe números melhores, apesar de ter subido além do esperado na comparação mensal ao avançar 0,59%.

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Freller destaca que o grande foco do Banco Central está na inflação de serviços (+0,67%) e serviços subjacentes (+0,36%), que vieram melhores do que o esperado.

Na parte fiscal, o profissional da XP destaca que o mercado está preocupado com a ideia de tirar do teto de gastos os recursos necessários para bancar o Bolsa Família de R$ 600 por mês a partir de janeiro de 2023. “O problema é que quando tira uma coisa do teto, você torna o gasto permanente. Nos cálculos que fizemos, isso aumentaria os gastos para algo até R$ 800 bilhões em quatro anos. É como se a gente tivesse ‘desfazendo’ [o que ganhamos com] a reforma da Previdência”, observa.

A XP calcula que, se o valor acima do teto ficar em R$ 175 bilhões, como tem sido divulgado, junto com uma correção do salário mínimo de 2% acima da inflação, a relação dívida bruta sobre o Produto Interno Bruto (PIB) poderia chegar a um patamar próximo de 100% em 2030.

O cenário já não parecia dos melhores e sofreu uma piora com após a entrevista de Lula a jornalistas na manhã de hoje. Lula defendeu uma discussão econômica mais ampla, que não leve apenas a questão fiscal em consideração, mas a dignidade da população e a igualdade de oportunidades para os cidadãos.

“Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam ‘é preciso cortar gasto, é preciso fazer superávit, é preciso fazer teto de gastos’?”, indagou.

E emendou: “Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Por que não estabelecemos um novo paradigma de funcionamento deste país?”.

Celestine, da DOM Investimentos, observa que o discurso de Lula só “priorizou despesas do governo e não apresentou receitas”. “Isso deixa implícito que a regra fiscal não será, de nenhum modo, respeitada por esse novo governo. O mercado entendeu as palavras do novo presidente desta forma”, avalia o profissional.

Na avaliação de Freller, as taxas de juros só devem voltar a cair e o dólar se enfraquecer frente ao real se houver uma sinalização de melhora, ou seja, se o novo governo desfizer o plano de extrapolar o teto em R$ 175 bilhões e colocar um bom ministro na Fazenda, como Persio Arida ou Henrique Meirelles.

“Vai piorar até que mude o fundamento. Eu estou torcendo para uma saída à la Inglaterra”, disse o estrategista da XP, fazendo referência a mudanças no plano fiscal que tinha sido proposto anteriormente pela equipe da ex-primeira-ministra Liz Truss e que levaram a uma grave crise no País.

Após o desastre nos mercados hoje, Freller acredita que a equipe deve sentar para conversar e repensar. “Se anunciar o próximo ministro como alguém como Arida ou Meirelles, pode melhorar, mas não resolve o fiscal. É preciso trocar o plano”, avalia.

Tesouro Direto hoje: comprar ou vender?

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o momento exige cautela de quem já detém títulos públicos. Já para quem não possui, o dia é favorável para a compra de ativos, que estão com taxas bastante atrativas.

Catherine Cruz, head de alocação da Braúna Investimentos, diz que o momento é positivo para adquirir títulos atrelados à inflação no Tesouro Direto, de médio e longo prazo, para carregar os ativos. “A taxa está atrativa e se as coisas desandarem, o investidor está protegido”, diz.

Papéis atrelados à Selic, como o Tesouro Selic, ou ao CDI, caso de Certificados de Depósito Bancário (CDBs), por exemplo, também podem ser bons trunfos em um momento de forte volatilidade. “Há muito prêmio [juros a mais] para pouco risco”, afirma.

Já na parte de prefixados, a alocadora diz que priorizaria aplicações mais curtas, de até dois anos. Ela acredita que o momento é de muita incerteza para aplicar em juros mais longos prefixados.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, diz que prefere os prefixados de médio e longo prazo, porque os prêmios (juros a mais) estão menos atrativos na parte curta. Para ele, vencimentos a partir de 2024 são interessantes.

Ao ser questionado sobre a postura que o investidor deve adotar agora neste momento de volatilidade, Cruz pondera que nunca gosta de sair de um papel “no olho do furacão” e que acredita que o movimento agora é uma reação inicial. Ou seja, há chance de que a situação piore.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, vai na mesma linha. Segundo ele, o investidor precisa ter cautela. “Se ele tiver que fazer aplicações, que seja em títulos de renda fixa. Os mais indicados são os pós-fixados, seja LCI, seja algum papel do Tesouro Direto, como o Selic, por exemplo”, diz.

O ponto dos especialistas é que o investidor pode ser penalizado pela marcação a mercado. Quando há alta forte nas taxas, os preços dos papéis tendem a desabar. A explicação está na marcação a mercado.

O motivo é que a taxa de juros oferecida por um título de renda fixa tem uma relação inversa com o seu valor de negociação no mercado. Quando as taxas aumentam, como foi o caso do último mês, seu preço tende a cair. Mas o contrário também é verdadeiro.