Quebra do SVB desperta debate sobre juros nos EUA: isso pode antecipar queda da Selic no Brasil?

Especialistas dizem que política monetária americana tem impacto no País, mas fatores internos como questão fiscal podem pesar mais

Neide Martingo

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A quebra do banco americano Silicon Valley Bank (SVB), anunciada na última sexta-feira, está movimentando o mercado em diversas frentes – inclusive na dos juros.

Nesta segunda-feira (13), diante do forte estresse gerado pela falência da instituição, agentes financeiros passaram a considerar que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) terá de amenizar a dose da elevação dos juros básicos dos Estados Unidos – e, quem sabe, até encerrar o ciclo de alta já na reunião de política monetária agendada para semana que vem.

Daniel Ivascyn, CIO da gestora Pimco, com US$ 1,7 trilhão sob gestão, disse em entrevista à Bloomberg nesta manhã que é a “primeira vez” em que há um “trade off” – escolha de uma opção em detrimento de outra – relevante entre lutar contra a inflação e garantir as condições financeiras.

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No Brasil, a dúvida agora é se esse movimento desencadeado pela quebra do SVB terá impactos nas decisões de política monetária no Brasil, como uma antecipação da queda da taxa Selic, estacionada atualmente em 13,75% ao ano.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, ressalta que a economia americana é o carro-chefe do mundo. Qualquer política monetária que aconteça lá vai chegar a outras economias.

Para ele, uma política mais frouxa nos Estados Unidos poderia contribuir para que o Brasil seguisse no mesmo caminho. No entanto, há várias questões internas que podem ter mais peso do que o que acontece lá fora.

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“O que tem feito preço na curva de juros local é a possibilidade de um arcabouço fiscal crível, um comunicado do Banco Central mais novo, em função do risco de crédito. As expectativas do mercado estão voltadas para a queda de juros aqui no Brasil e bem menos para uma decisão de política monetária ou mesmo uma expectativa de decisão de política monetária do mercado lá fora”, diz.

Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, lembra que a precificação de juros lá fora estava em 5,75% ao ano na semana passada e baixou para 5% depois da fala de Jerome Powell, presidente do Fed, no Congresso americano. “Isso tira um pouco da pressão dos outros mercados, inclusive os emergentes, e também do Brasil”, afirma.

Para ele, só depois de conhecida uma sinalização mais precisa do Fed, na próxima semana, será possível ter clareza maior sobre o cenário local. “O Banco Central no Brasil vai provavelmente falar que prefere aguardar para dar mais detalhes. Porém, como é uma crise mais específica, não parece que será uma crise do sistema bancário”, diz. Cruz ressalta que o balanço mostra que o SVB estava muito exposto às startups, em um capital mais arriscado e pouco diversificado em termos de risco.

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Jorge reforça a ideia de Gustavo Cruz, indicando que “apesar de ter tido um outro banco com problemas em Nova York, é possível ver que foi um caso isolado”.

O que o governo já falou

No Brasil, já há um alerta do governo com relação ao mercado de crédito, por conta da crise contábil da Americanas (AMER3), em recuperação judicial. Outras empresas também enfrentam problemas financeiros em função dos juros elevados.

Nesta segunda-feira (13), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que há pouco espaço para aumento de taxas de juros no mundo e o Brasil tem uma “gordura” para possivelmente reduzir a Selic.

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“Hoje, há pouco espaço para aumentar taxas de juros no mundo e eu diria que há uma gordura no Brasil que permite a nós, tomando as providências que estão sendo tomadas e vêm sendo reconhecidas pelo Banco Central nas atas que ele divulga… Penso que temos um espaço [para reduzir juros] que o mundo não tem”, disse.

Novo Lehman Brothers?

Fernando Ferreira, estrategista chefe e head de research da XP, diz que o problema atual o fez lembrar da crise imobiliária dos Estados Unidos em 2008, que teve a falência do banco Lehman Brothers como estopim de uma crise sistêmica de enormes proporções.

Os acontecimentos das últimas 48 horas levaram a comparações óbvias com aquela data. Afinal, dois bancos americanos foram fechados e tomado pelos reguladores em apenas 2 dias – na sexta feira, foi o Silicon Valley Bank, e no domingo, foi a vez do Signature Bank de NY”, afirma.

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Para Ferreira, caso a crise nos bancos regionais americanos force o Fed a ter uma postura mais frouxa em relação à taxa de juros, como está sendo precificado no mercado, isso pode abrir espaço para o Copom também poder cortar juros em algum momento deste anoUm início de ciclo de baixa no Brasil pode ajudar os ativos brasileiros, como a Bolsa e os títulos de renda fixa prefixados.

O especialista detalha que o mercado já projeta uma Selic em 11,75% ao ano no final deste ano, dois pontos percentuais abaixo do nível atual.

Mas é importante lembrar que o Brasil é um mercado emergente, e tem uma sensibilidade e volatilidade maior que outros mercados em um evento de aversão a risco global. “Dessa forma, não estamos isolados do resto do mundo, e os acontecimentos lá fora seguirão tendo impacto nos preços de ativos por aqui”, explica Ferreira.

No entanto, o SVB não é o único ponto em discussão. A dúvida em relação à política macroeconômica permanece, em especial como se dará a política fiscal e a política monetária. “Essa incerteza traz dúvidas em relação ao crescimento, taxas de juros, inflação, endividamento do governo e outros indicadores  importantes para a economia”, diz Ferreira.

Para Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, a queda dos juros seria bastante benéfica para os ativos prefixados e os de inflação, a médio e longo prazo. Segundo ele, a perspectiva é um pouco pior para os títulos pós-fixados. “Esses papéis não vão  ter um retorno negativo. Mas, se a Selic cai, o rendimento cai também”, afirma.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney