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Prazo para se adaptar à resolução 175 da CVM termina hoje; o que muda?

A nova regra foi publicada em dezembro de 2022, entrou em vigor em outubro de 2023 e o mercado teve até ontem para se adaptar; mesmo assim, quase 30% dos fundos não conseguiram cumprir o prazo

Lucas Gabriel Marins

(Freepik)
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Terminou nesta segunda-feira (30) o prazo para os fundos de investimento no Brasil se adaptarem à Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), norma que consolida e simplifica o arcabouço regulatório dos fundos e busca democratizar o acesso a esses produtos.

Para especialistas e entidades do setor, a resolução é um marco por modernizar as regras – incorporando decisões recentes da CVM e avanços do mercado – e por garantir mais flexibilidade, segurança e transparência para o investidor. Porém, também apresenta alguns pontos críticos.

“A regra trata de modo sistemático e coerente todos os fundos de investimento, suprimindo as lacunas e conflitos normativos previamente existentes. Ainda, avança sobretudo na publicidade dos custos aos cotistas e ajuda a mitigar potenciais conflitos de interesse entre prestadores de serviços”, disse José Alves Ribeiro Junior, sócio de Mercado de Capitais do VBSO Advogados.

Otávio Borsato, sócio do Barcellos Tucunduva nas áreas de Direito Bancário, Mercado Financeiro e de Capitais e Fundos de Investimento, disse que embora a resolução tenha trazido avanços significativos, tem gerado debates entre os participantes do mercado.

”A adoção das novas estruturas, com diferentes classes e subclasses, cada uma com regras próprias, registros individuais e segregação patrimonial, exige revisão completa dos sistemas, processos e controles internos dos administradores, gestores e demais prestadores de serviços. Para muitos participantes, especialmente os de menor porte, isso implica em custos elevados de adaptação, além de um aumento nos custos operacionais, o que pode dificultar a conformidade dentro dos prazos estabelecidos”.

Veja a seguir as principais mudanças trazidas pela norma para fundos e investidores.

Transparência nas taxas

A resolução altera a forma como os custos dos fundos são apresentados. Agora, a taxa é segregada por prestador de serviço – administrador, gestor, custodiante e distribuidor. Antes, o investidor via apenas uma taxa de administração consolidada.

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”A medida é muito interessante do ponto de vista do investidor, que poderá avaliar adequadamente a matriz de interesses dos prestadores de serviço envolvidos na transação”, falou Ribeiro Junior .

Vale lembrar que a resolução CVM 179, que entrou em vigor no ano passado, complementa a 175, e exige que o cliente tenha acesso à taxa de distribuição no momento da contratação do produto. Ou seja, além das taxas segregadas, o investidor poderá visualizar quanto está pagando ao distribuidor.

FIDCs acessíveis ao varejo

Com a regra, investidores de varejo também ganharam o direito de investir em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que são produtos de investimento de renda fixa. Antes, eles estavam restritos a investidores qualificados (com mais de R$ 1 milhão) e profissionais (com mais de R$ 10 milhões).

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‘Do ponto de vista do investimento em fundos no exterior e FIDC, a norma possui um impacto direto e imediato, possibilitando diversificação das carteiras, acesso a mercados estrangeiros e acesso a produto de crédito com retorno atrativo”, falou Ribeiro Junior.

Investimentos no exterior para todos

A resolução também permite que investidores de varejo apliquem em fundos que investem até 100% no exterior. Assim como no caso dos FIDCs, apenas investidores qualificados e profissionais tinham acesso a esses ativos até então. Há, porém, algumas regras. Esses ativos fora do Brasil precisam ser ”registrados em sistema de registro, objeto de escrituração de ativos, objeto de custódia, objeto de depósito central, em todos os casos, por instituições devidamente autorizadas em seus países de origem e supervisionadas por supervisor local”, diz a resolução.

Contato direto com cripto

Os fundos de investimento vão poder também alocar diretamente em criptomoedas, ”desde que negociados em entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM, ou, em caso de operações no exterior, por supervisor local, que possua competência legal para supervisionar e fiscalizar as operações realizadas’’, segundo a CVM 175. Antes, eles tinham que investir indiretamente, replicando fundos, por exemplo.

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A questão das criptomoedas, segundo Thales Paiva, sócio e head do Jurídico da Rio Bravo Investimentos, tem prós e contras. “Sabemos que há uma volatilidade extrema, desafios de precificação, questões de custódia – tanto aqui quanto lá fora – e, no fim do dia, também o risco de lavagem de dinheiro. A possibilidade trazida pela resolução 175 é muito positiva, mas também impõe desafios importantes para administradores, gestores e custodiantes”, afirmou.

Classes e subclasses

A regra permite que um mesmo fundo tenha diferentes classes, com patrimônios separados. Cada classe tem seus próprios investimentos e cotistas, sem se misturar com as demais – como se fossem “mini-fundos” dentro do fundo principal. Essas classes ainda podem ter subclasses, que são cotas com características diferentes, como prazos de resgate ou taxas. ”A intenção desta modificação era facilitar a criação de novas classes e mitigar o custo envolvido. Na prática, o expediente tem sido, ainda, pouco utilizado”, falou Ribeiro Junior do VBSO Advogados


Esse conceito pode ser explicado com uma analogia, na qual o fundo é um prédio e cada classe de cotas representa um andar diferente desse prédio, explicou Borsato, do Barcellos Tucunduva. ”Cada andar tem suas próprias regras, como o público que pode morar ali, ou os custos de condomínio. Dentro de cada andar existem apartamentos, que seriam as subclasses, que também contam com pequenas diferenças, como o tamanho, o aluguel ou os serviços disponíveis”.

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Responsabilidade limitada

A resolução também estabelece que os cotistas têm responsabilidade limitada ao valor que investiram. Ou seja, eles não podem ser chamados a aportar mais recursos caso o fundo tenha prejuízo superior ao seu patrimônio líquido. Os fundos que adotarem essa característica devem incluir o sufixo “Responsabilidade Limitada” no nome. As normas anteriores não tratavam esse ponto com clareza, o que gerava insegurança jurídica.

29% dos fundos não se adaptaram; e agora?

A nova regra foi publicada em dezembro 2022, entrou em vigor em outubro de 2023 e o mercado teve até ontem para se adaptar. De acordo com o Radar 175, painel da Anbima que acompanha a evolução da indústria frente à nova regulação, 70,9% dos 32.639 dos fundos de investimentos se adaptaram à norma. Os outros 29% (9.492 fundos), porém, não conseguiram finalizar a adequação e estarão em um “vácuo normativo”, segundo Borsato.

”Neste sentido, os administradores poderão ser penalizados com multas cominatórias por não atendimento de prazo e, eventualmente, podem estar sujeitos a outras penalidades que podem ser impostas pela CVM e pela ANBIMA”, disse o advogado.

Fonte: Anbima

Para os cotistas, segundo Ribeiro Junior, ”não haverá impacto negativo”.