Por que os investidores devem acompanhar a COP26? Confira 3 razões apontadas por empresários e estudiosos do clima

Conferência do Clima da ONU promete ser marco na transição de modelo econômico, viabilizar mercado mundial de carbono e destravar investimentos bilionários

Alexandre Rocha

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SÃO PAULO – Com um ano de atraso por causa da pandemia de coronavírus, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) começa neste domingo (31) em um momento de alerta climático. Tidas como as mais importantes desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, as discussões da COP26 seguem até 12 de novembro em Glasgow, na Escócia – e, dizem os especialistas, deveriam ser acompanhadas com atenção por investidores e empresários.

Em relatório divulgado em agosto, o Painel Intergovernamental sobre o Clima da ONU (IPCC) informou que o planeta está esquentando mais rápido do que o previsto, além de reforçar que a responsabilidade da humanidade nesse processo é “indiscutível”.

No Acordo de Paris, os países signatários se comprometeram a conter o aquecimento global em patamar “bem abaixo” de 2 graus Celsius neste século, com esforços para limitá-lo a 1,5 grau Celsius, em comparação com os níveis pré-industriais. Cada nação é responsável por fixar suas metas de redução de emissões de gás carbônico (CO2) e outros gases causadores efeito estufa – as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês).

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O recente levantamento do IPCC, porém, indica que o marco de 1,5 grau será atingido ou ultrapassado já nos próximos 20 anos. Ou seja, caso as emissões não sejam reduzidas rapidamente e em larga escala, limitar o aquecimento a 1,5 grau – e até a 2 graus – estará “fora de alcance”, com resultados catastróficos.

Pelo Acordo de Paris, as nações devem atualizar suas NDCs a cada cinco anos para refletir objetivos maiores. Isso deveria ter ocorrido em 2020, mas ficou para 2021, também por causa da pandemia. No entanto, as novas metas apresentadas até agora não são suficientes, pois apontam para um aquecimento global de 2,7 graus Celsius até o fim do século, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), divulgado na terça-feira (26).

Desde a assinatura do Acordo de Paris, as negociações sobre o clima passaram por altos e baixos. O ex-presidente do Estados Unidos, Donald Trump, retirou o país do tratado e enfraqueceu as discussões. O novo mandatário norte-americano, Joe Biden, colocou o assunto de volta no topo das prioridades. Logo que assumiu, reintegrou os EUA ao acordo.

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O Brasil deixou a questão em segundo plano sob a presidência de Jair Bolsonaro (sem partido). O país foi acusado de contribuir para o bloqueio das discussões sobre a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris na COP25, realizada em Madri, na Espanha, em 2019. O artigo trata do mercado internacional de créditos de carbono.

Se as negociações do clima estão nas mãos das principais lideranças políticas, científicas e econômicas do mundo, por que o assunto precisa ser levando em consideração também por quem está realizando investimentos aqui e agora? O InfoMoney conversou com empresários e especialistas dedicados ao assunto, que identificaram as três discussões mais importante para acompanhar durante o desenrolar da COP26. Confira:

1) A COP26 pode ser um ponto de virada no modelo econômico

Os especialistas dizem que tempo precioso foi perdido, mas, em paralelo, empresas e investidores passaram a dar maior importância ao tema e a assumir mais compromissos na área. Cada vez mais gestoras de fundos priorizam investimentos em empresas comprometidas com a redução de emissões, um número maior de companhias passou a adotar práticas sustentáveis como parte dos negócios e índices de ações “sustentáveis” das bolsas de valores têm rentabilidade acima dos indicadores tradicionais.

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Esta tendência deve ser aprofundada pela COP26, pois a conferência promete avanços significativos na regulamentação do Artigo 6 e no tema do financiamento climático. Estes dois pontos são essenciais para gerar os recursos que viabilizarão a transição para uma economia de baixo carbono, e que – junto com as metas de redução de emissões – merecem especial atenção de investidores e empresários.

“É um macromovimento que marca a mudança do modelo de capitalismo que nos trouxe até aqui, centrado no econômico e no financeiro, mas que não vai nos levar adiante, para um novo modelo de operação do mundo e de comportamento dos negócios e dos investimentos”, diz Sonia Consiglio Favaretto, especialista em sustentabilidade. “Cada vez mais a sustentabilidade vai indicar o caminho dos investimentos mais sólidos”, acrescenta Felipe Bittencourt, CEO da WayCarbon, empresa de consultoria na área.

Se bem sucedida, a COP pode ser um ponto de virada nos modelos de desenvolvimento dos países, dos negócios e dos fluxos de capitais, nas perspectivas de riscos e oportunidades de investimentos e crédito, conforme expôs o presidente da indústria de papel e celulose Suzano, Walter Schalka.

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Analista de ESG da XP Investimentos, Marcella Ungaretti diz que as metas e ações decorrentes da COP terão impacto direto nas empresas e investidores. “Nossa expectativa é sairmos da COP com alguma luz, com mais clareza sobre os próximos passos nesta agenda”, declarou. ESG é a sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança.

Ela alerta que empresários e investidores têm que entender que a questão climática não representa somente riscos, mas também oportunidades. Quem não estiver atento às mudanças, “vai ficar para trás”. “Eu acredito que as empresas bem posicionadas em ESG vão ser vencedoras”, ressaltou.

Nesse sentido, a XP montou uma carteira com ações de dez empresas “bem posicionadas” nesta área e outra com 15 BDRs de companhias que seguem critérios ESG.

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“O investidor que estiver alheio a estes temas corre o risco de perder oportunidades”, resumiu Sonia Favaretto.

2) Há expectativa de destravar o mercado global de carbono

A finalização do “livro de regras” do Acordo de Paris, em especial a regulamentação do Artigo 6, é um dos nós da COP26. Embora exista consenso sobre a importância da viabilização de um mercado internacional de créditos de carbono robusto, capaz de financiar boa parte da transição para uma economia de carbono zero, o diabo mora nos detalhes – e eles são muitos.

Um deles diz respeito à transparência. Há necessidade de criação de um sistema universal de medição e aferição das reduções de emissões. Grosso modo, pelo sistema chamado de “cap and trade”, empresas e países que reduzirem emissões além da meta podem vender créditos de carbono ou permissões de emissões para empresas e países que emitiram além da cota. Para tanto, as partes precisam usar padrões equivalentes e, assim, haver compensações de fato.

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“É importante que alcancemos uma padronização das NDCs. Os líderes mundiais precisarão encontrar um consenso que elimine a assincronia entre as NDCs das diferentes nações”, comentou Schalka por e-mail. Atenta ao último relatório do IPCC, a Suzano decidiu antecipar de 2030 para 2025 a meta de remover 40 milhões de toneladas líquidas de carbono da atmosfera.

As negociações prometem ser duras. Estarão presentes pesos pesados como Joe Biden, o anfitrião Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, o presidente da França, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, e outras lideranças europeias. Mas a conferência não deve contar com os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, da China, Xi Jinping, e do Brasil. Vale lembrar que a China é a maior emissora de gases do efeito estufa do mundo.

“As negociações do Artigo 6 são tecnicamente complexas e politicamente sensíveis e, após seis anos de discussões sem conclusão, as partes entendem que a solução em Glasgow depende de um pacote político, condicionado a um expressivo trabalho técnico posterior, com vistas à plena operacionalização das abordagens cooperativas do artigo”, informou o Itamaraty, em nota.

Empresas engajadas

A indústria e outros setores da economia brasileira são favoráveis à regulamentação do mercado de carbono no âmbito internacional e também internamente. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 528/2021, com substitutivo elaborado em colaboração com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CBEDS), que regulamenta o mercado nacional de redução de emissões.

“São os regulados pedindo para serem regulados”, disse a presidente do CBEDS, Marina Gross, em webinar. Em setembro, o CBEDS divulgou uma carta dos “Empresários pelo Clima”, assinada por 115 CEOs de diferentes segmentos, defendendo a regulação do mercado, a economia de baixo carbono e a responsabilidade empresarial na transição de modelo. “Hoje é a única forma de desenvolvimento”, afirmou Grossi.

A avaliação é de que o Brasil tem potencial para ser um dos maiores – senão o maior – emissor de créditos de carbono do mundo e a regulamentação do mercado pode ter forte impacto na economia. A WayCarbon estima em até US$ 100 bilhões as receitas que o país pode gerar com créditos de carbono até 2030. A empresa lançou recentemente um Fundo de Investimentos em Participações (FIP) em créditos de carbono e levantou R$ 51 milhões.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem atuado fortemente também para fomentar iniciativas sustentáveis e espera resultados positivos na COP. “Nós defendemos que os recursos advindos do mercado de carbono sejam investidos em tecnologia e inovação”, declarou Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.

A entidade estará presente na COP, no dia 09 de novembro, para divulgar casos de sucesso. A ideia é apresentar também o Instituto Amazônia+21, criado pela entidade para fazer uma ponte entre investidores e projetos nos nove estados da Amazônia Legal.

Presidente executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Thiago Falda ressalta que o mercado de carbono pode ajudar a viabilizar comercialmente produtos sustentáveis que têm custos de produção mais altos que os tradicionais e, consequentemente, chegam mais caros aos consumidores.

Com o mercado de carbono, a redução de emissões resultante da produção de uma mercadoria sustentável pode ser convertida em crédito que, comercializado, subsidia a própria empresa fabricante. “Eu compenso a diferença de preço [com o crédito] e dou competitividade a este produto”, destacou Falda. Ele citou como exemplo biopolímeros, plásticos feitos a partir do etanol.

3) Decisões de financiamento que considerem questão climática serão debatidas

Na seara do financiamento climático, na COP15, realizada em Copenhague, na Dinamarca, em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a destinar recursos anuais ao combate às mudanças climáticas em nações em desenvolvimento, chegando a US$ 100 bilhões em 2020. Isso não ocorreu.

Em 2019, o total atingiu US$ 79,6 bilhões, de acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo os organizadores da COP26, a meta fixada em Copenhague só será realidade em 2023.

“Eu acredito que ao menos esse compromisso passará a ser cumprido”, disse Schalka. “Esse montante deveria ser até maior, levando em consideração os US$ 17 trilhões que foram propostos em auxílios emergenciais durante a pandemia. Obviamente, os US$ 100 bilhões em nada refletem a emergência climática que estamos vivenciando”, acrescentou.

Nesse sentido, a COP pretende mobilizar instituições financeiras públicas e privadas para “destravar” recursos com vistas a zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050. A ideia é que toda decisão de investimento ou financiamento leve o clima em consideração, inclusive a liberação de pacotes de recuperação econômica pós-Covid. A União Europeia já está fazendo isso com seu “European Green Deal”, ou Pacto Ecológico Europeu.

E o Brasil com isso?

Embora o Brasil tenha potencial parta ser protagonista na transição para uma economia de baixo carbono, o País precisará provar que está fazendo sua parte e demonstrar como pretende cumprir suas metas, principalmente com o aumento da degradação ambiental no governo Bolsonaro. O desmatamento é o principal vilão das emissões no Brasil.

O governo se comprometeu a dobrar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Em entrevista coletiva recente, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse que a duplicação das verbas foi realizada e que “espera” que a meta de zerar a devastação seja atingida antes de 2030. “O grande desafio do Brasil não vem das atividades econômicas, mas do desmatamento ilegal”, declarou Leite, que vai chefiar a delegação brasileira na COP.

Os especialistas afirmam que em outras áreas, como geração de energia, transportes e indústria, o Brasil leva vantagem, pelo amplo uso de fontes renováveis como biocombustíveis, hidrelétricas, eólica e outras. Nações europeias, por exemplo, terão que realizar grandes investimentos para chegar no nível brasileiro atual.

O país se comprometeu a reduzir suas emissões em 43% até 2030 e antecipou sua meta de neutralidade climática de 2060 para 2050. Os analistas avaliam que os compromissos poderiam ser mais ambiciosos. “O Brasil está mais proativo, mas precisa mostrar resultados práticos. O respeito internacional não vem só do discurso, mas de ações comprovadas”, destacou Bittencourt, da WayCarbon.

Nas negociações da COP, em especial do Artigo 6, o Itamaraty diz que o Brasil tem sinalizado “flexibilidade e disposição para discutir soluções de compromisso, de modo a permitir um desfecho positivo nas negociações”. “Faremos concessões, desde que os demais países também estejam dispostos a fazê-las”, informou o Ministério das Relações Exteriores.

Bomtempo, da CNI, acrescenta que mostrar serviço ambiental e climático é importante também para o Brasil ter sucesso em outras ambições diplomáticas, como a adesão à OCDE e a assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE.

Alexandre Rocha

Jornalista colaborador do InfoMoney