O que impede investidores estrangeiros de aumentarem a exposição ao mercado brasileiro

Investidor internacional tem retirado recursos da Bolsa brasileira desde fevereiro; piora da pandemia é o principal fator de atenção

Beatriz Cutait Lucas Bombana

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SÃO PAULO – Com a saída líquida da ordem de R$ 4 bilhões em recursos estrangeiros da bolsa brasileira em fevereiro (incluídos valores referentes a operações de abertura de capital e ofertas de follow- on) e outros R$ 512 milhões em março até o dia 10, o investidor internacional mostrou uma reação bastante negativa ao imbróglio da Petrobras e deixou claro que não está para brincadeira no país.

A ingerência governamental na empresa teve grande repercussão, em um contexto de economia já bastante combalida pela crise gerada pela epidemia de coronavírus.

As perspectivas favoráveis para as commodities puxadas pela retomada chinesa têm sido apontadas, nos últimos meses, como um fator de propulsão para os mercados emergentes. E o Brasil tem se beneficiado disso, com a vinda de R$ 20,1 bilhões de capital para a B3 no ano, fruto do desempenho de janeiro. Mas a dinâmica própria do país tem atuado como um elemento contra para os investidores escolherem o país como destino de seus recursos.

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Gestores de casas como UBS, Western Asset, Franklin Templeton, Martin Currie e AXA apontam a piora da pandemia no Brasil como uma das principais causas para a reticência do estrangeiro, ao lado do contexto fiscal e, em menor escala, da aceleração da inflação.

Para Ronaldo Patah, estrategista de investimentos da gestora de patrimônio UBS Consenso, há apenas um fator por trás da maior preocupação dos investidores internacionais com Brasil: “pandemia, pandemia e pandemia”. Segundo ele, diferentemente do investidor local, o estrangeiro não está tão preocupado com o aspecto fiscal, tido como um fator secundário de monitoramento.

“A situação fiscal do Brasil não está muito ruim em comparação a outros países do mundo, o país está acelerando gastos para não deixar a economia afundar. O Brasil não está fazendo nada muito errado, mas tem que botar um limite nos gastos senão a economia sai de controle”, pontua.

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Sem uma recomendação específica de alocação em Brasil para o estrangeiro, o UBS tem posição “overweight” (acima da média do mercado, equivalente à compra) em bolsas da América Latina dentro de mercados emergentes.

O grupo dos emergentes ainda conta com uma avaliação favorável sobre China, o que reforça a prioridade do estrangeiro pelo país asiático, em detrimento ao mercado brasileiro, assinala Patah.

Para o investidor local, a equipe do UBS tem preferência hoje por ativos como ações, fundos imobiliários, multimercados e ativos globais. A gestora está evitando exposições à renda fixa.

“Hoje eu acho ser sócio de empresas muito mais conservador do que ser sócio do Tesouro Nacional”, afirma Patah. “Em termos de preço, o Brasil está mais barato que nossos principais concorrentes dentro do mundo emergente. Os países latinos têm ficado para trás nos últimos meses principalmente por conta de desvalorização cambial.”

Sem perspectiva de melhora

Baseado em Nova York, Rafael Tovar, diretor responsável pela distribuição dos fundos offshore da AXA nas Américas, gestora de origem francesa com cerca de US$ 1 trilhão em ativos, também destaca que o combate à pandemia é o principal ponto que tem sido monitorado em relação ao mercado brasileiro entre os investidores fora do país.

“O câmbio deveria estar mais perto de R$ 5, mas, com a pressão de curto prazo com o avanço da Covid-19 em todas as regiões do país, e com a volatilidade política, as forças que estão enfraquecendo o real continuam”, diz Tovar.

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Mesmo em um horizonte um pouco mais dilatado, a avaliação da AXA é de que não há nenhum catalisador que possa contribuir para uma normalização do nível do câmbio, como reflexo de uma melhora nas perspectivas para o mercado brasileiro.

Em relatório enviado nesta semana, a equipe do Bank of America (BofA) ressaltou que os fluxos para ações no mercado brasileiro estão voltando, porém em um ritmo lento. E destacou que a volatilidade e o aumento das taxas de juros podem impedir que a demanda retome níveis anteriores à pandemia.

“Os estrangeiros estão em modo ‘risk off’ no Brasil – o sentimento é negativo devido às perspectivas de inflação, à grande incerteza fiscal e à volatilidade cambial, apesar dos fluxos recordes para fundos de mercados emergentes”, diz o BofA.

Brasil sem privilégio

“Comparando a trajetória dos últimos 12 meses com a de outros países, o Brasil não tem um lugar privilegiado”, afirma Kim Catechis, gestor dedicado há mais de duas décadas aos mercados emergentes e diretor da área de investimentos estratégicos da Martin Currie. A gestora, baseada na Escócia, tem cerca de US$ 20 bilhões em ativos sob gestão e é a mais antiga do grupo Franklin Templeton, fundada em 1881.

A avaliação do especialista, que fala apenas em nome da Martin Currie, e não do grupo como um todo, é a de que a “política confusa” do governo brasileiro se mostrou ineficaz para enfrentar a pandemia e, por isso, o país está pagando o preço tanto com mortes que poderiam ter sido evitadas como pela piora nas perspectivas de crescimento da economia.

Sob a ótica estrita do mercado de capitais, afirma Catechis, o Brasil, pelo número e qualidade de suas empresas, até desponta como uma região com potencial interessante na comparação com os pares emergentes.

“No entanto, quando o investidor não tem confiança na eficiência do governo para salvar vidas, ele logicamente também tem pouca confiança com todo resto”, diz o gestor, que acrescenta ainda que se soma à expectativa dos estrangeiros de redução nos números de contágio no país, o avanço de reformas estruturais para enderençar o delicado quadro fiscal.

Caso Petrobras

Catechis diz ainda que a intervenção de Jair Bolsonaro na Petrobras naturalmente não contribui em nada para melhorar a percepção do investidor estrangeiro em relação às oportunidades no país.

“O que se passou na Petrobras é uma luz vermelha para todos os investidores estrangeiros”, afirma Kim Catechis, gestor da Martin Currie.

A intromissão do governo em uma empresa de capital misto com ações na Bolsa, prossegue o especialista, não é consistente com um mercado de capitais que deve se desenvolver de maneira positiva.

“Esse evento é um problema para a Petrobras, e também para o Brasil, pelo papel emblemático da empresa, e porque é representativo da política que o governo acha que é razoável”, diz o gestor da Martin Currie, acrescentando ainda que a falta de resposta da CVM no caso também não foi enxergada como um bom sinal.

Entre os setores que vê com bons olhos na região, Catechis cita o dos grandes bancos, que ele entende estar com preços atrativos, e o de commodities, que se beneficia do ciclo de recuperação da economia global.

Pelo déficit habitacional e educacional do país, os setores de construção civil e de educação também foram citados pelo gestor entre os destaques no radar dentro do país.

Muito grande para ser ignorado

Marcus Vinicius Gonçalves, diretor responsável pelas operações da Franklin Templeton no Brasil, ressalta que, pelo tamanho do mercado brasileiro, é muito difícil que as oportunidades na região fiquem completamente de fora do radar de grandes investidores globais em busca de retornos diferenciados nos países emergentes. “O Brasil é grande demais para ser ignorado”, afirma o executivo.

De toda forma, é preciso também que o país esteja atento às grandes tendências globais, como os investimentos sustentáveis, assinala o executivo. “O tema ESG é cada vez mais importante no exterior, então é preciso ficar preocupado porque é algo que levanta muita dúvida lá fora.”

Ele diz ainda que, pela baixa exposição aos ativos brasileiros nos grandes benchmarks globais, o investidor internacional está confortável em manter uma alocação pequena no país neste momento, ao menos até ver algum avanço concreto na agenda de reformas. “Ninguém vai se jogar no lago sem saber a profundidade”, diz o executivo da Franklin Templeton.

O Brasil respondia em fevereiro por apenas 4,3% do índice MSCI Emerging Markets, que acompanha o desempenho das bolsas de valores de 27 países emergentes.

Para Gonçalves, o dinheiro de caráter mais oportunístico até pode se valer do câmbio depreciado para fazer alguma alocação pontual na região, mas o investidor de longo prazo, com visão mais fundamentalista, ainda deve seguir em compasso de espera. “Hoje é muito difícil mensurar o risco, sobretudo pelo cenário fiscal e político”, diz o executivo.

Falta de previsibilidade

Marc Forster, CEO da Western Asset no Brasil, vê no respeito ao teto de gastos a grande preocupação do estrangeiro para voltar ao Brasil com maior consistência, desde o fim de 2020. Uma segunda onda de contaminações por Covid-19 não estava no radar, assinala, e veio a reforçar as preocupações com um descontrole de gastos públicos.

“A segunda onda trouxe um motivo bem forte para o não cumprimento do teto de gastos”, diz, ressaltando a preocupação estrangeira com a falta de previsibilidade no país e também com a aceleração da inflação, problema que não é exclusivo do Brasil.

De toda forma, com uma atuação no mercado local de pouco mais de 15 anos, Forster assinala que o foco da casa está sempre no longo prazo, e que a volatilidade é inerente ao negócio.

Hoje são 15 grandes estratégias ofertadas pela Western no Brasil, sendo que o país também marca presença nos portfólios globais da gestora, atualmente com papéis com retornos prefixados. Essas carteiras só compram renda fixa.

Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.