Mercado desafia BC e curva de juros prevê primeiros cortes na Selic a partir de maio de 2023; entenda

Movimento é fruto de números melhores de inflação, como os do IPCA-15, além de perspectivas de desinflação global, que poderão facilitar o trabalho do BC

Bruna Furlani

(GettyImages)

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Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), apresentada na última terça-feira (27), o Banco Central evitou dar qualquer tipo de previsão antecipada sobre o início do corte da taxa básica de juros. Em vez disso, a autoridade procurou reforçar uma postura cautelosa após ter mantido a Selic em 13,75% ao ano na quarta-feira passada (21), indicando que os juros permanecerão elevados por um período mais longo.

O mercado, no entanto, parece ter uma leitura na direção contrária. Ontem, a curva de juros – que representa as expectativas dos agentes financeiros para os juros nos próximos anos – demonstrava que o mercado já precificava o início dos cortes de juros a partir da reunião do Copom marcada para maio do ano que vem – o que não foi defendido em nenhum momento pelos dirigentes do Banco Central.

Não só isso. Chama atenção o fato de a curva de juros ter passado a precificar que a Selic no fim de 2023 ficará em torno de 11% ao ano. Esse patamar é menor do que o esperado na curva na semana anterior à reunião do Copom, realizada na quarta-feira passada (21) e também está abaixo dos 11,25% ao ano esperados por economistas consultados para o Relatório Focus, do Banco Central, divulgado na segunda-feira (26).

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“No pós-Copom, o mercado antecipou o ciclo. O corte agora parece que será mais rápido e maior [no ano que vem] e consequentemente, a taxa terminal também será menor no fim de 2023”, afirma Marcelo Freller, estrategista de macro da XP. “Antes do Copom de semana passada, o mercado esperava que as quedas iam começar de maneira mais intensa em junho e a taxa terminal prevista para o ano que vem também era mais alta”.

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O que explica, então, esse descompasso entre as indicações dadas por dirigentes do Banco Central – de que é prematuro pensar desde já no ciclo de cortes da Selic – e o que a curva de juros precifica atualmente?

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Freller observa que um dos fatores é o cenário externo. Ele conta que o mercado está de olho nos efeitos que uma possível recessão da economia americana poderia causar, como a desinflação global e a queda dos preços das commodities. Se o cenário se concretizar, as pressões sobre custos diminuiriam também aqui internamente, facilitando o trabalho de política monetária do Banco Central.

Já a outra parcela do movimento é fruto da conjuntura macroeconômica brasileira, segundo Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed. Ele avalia que dados de inflação melhores do que o esperado têm ajudado antecipar a expectativa de início da redução da Selic. Números divulgados ontem para o IPCA-15, considerado uma prévia da inflação oficial, por exemplo, mostraram uma composição positiva.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) registrou deflação (inflação negativa) de 0,37% em setembro na comparação mensal. A queda esperada era de -0,20% no mês. Com o resultado, o IPCA-15 reduziu a alta acumulada no ano para 4,63%. A taxa em 12 meses ficou em 7,96%, contra os 8,13% projetados.

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Além de um IPCA-15 melhor, o especialista observa que os núcleos (medida que procura captar tendência dos preços, desconsiderando distúrbios de choques temporários) da inflação apresentaram queda. Também houve recuo no índice de difusão — que mede o percentual de itens que aumentaram de preço no mês – na comparação mensal, uma melhora na inflação dos serviços e a descompressão nos preços de alimentação no domicílio.

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Os agentes também precificaram na curva a visão de que o BC encerrou o ciclo de altas da Selic na reunião da última quarta-feira (21) – quando manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano.

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Laíz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, justifica que essa postura do mercado reflete o fato de que, a partir de fevereiro do próximo ano, o horizonte da política monetária do Banco Central se concentrará ainda em 2023 e, em maior grau, em 2024. Porém, já a partir de maio, o foco estará apenas na expectativa de inflação para daqui a dois anos. E atualmente, ela está em 2,8%, segundo as projeções do Copom.

“Com o modelo do BC apontando para uma inflação abaixo da meta de 3% [em 2024] , o mercado, provavelmente, continuará precificando cortes no início do ano [que vem]”, observa.

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Embora o mercado siga desafiando a tentativa do Banco Central de frear as expectativas, Freller, da XP, pondera que a diferença entre as previsões dos agentes financeiros e da autoridade monetária já foi maior.

“Quando o BC estava mais dovish [menos inclinado ao aperto monetário] no ano passado, o mercado precificava uma subida grande dos juros. Acredito que o mercado estava ‘peitando’ mais o BC, nessa época, agora parece ser algo marginal”, pondera o profissional, ao destacar que os economistas consultados pelo Focus estão projetando uma Selic em 11,25% ao ano em 2023, enquanto a curva projeta que a taxa básica de juros encerrará o período em 11% ao ano.

Ata do Copom: cortes são prematuros

Na visão de alguns economistas consultados pelo InfoMoney, a postura cautelosa do Banco Central parece acertada ao tentar desmontar a percepção do mercado sobre a possibilidade de realizar cortes prematuros dos juros.

Um dos pontos de preocupação está na inflação de serviços, como lembra Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo Investimentos. Na ata, o BC destacou que há diversos fatores que podem afetar a trajetória de inflação do setor e que é preciso “avaliar se a manutenção da taxa de juros por um período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação”.

Também é preciso levar em conta o efeito acumulativo dos aumentos de juros. “Isso leva o BC a não querer fazer nenhum movimento no começo do ano para não antecipar muito a visão dele em relação ao efeito da política monetária”, observa Costa, que acredita que o BC deve iniciar o ciclo de cortes no segundo semestre de 2023.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, defende ainda que há muitos riscos no radar que devem ser melhor compreendidos.

Segundo ele, é preciso entender como se dará o arrefecimento nos preços de commodities, se há possibilidade de uma recessão global, se a inflação externa ficará menos pressionada, se o problema de abastecimento de gás natural na Europa será resolvido, além do hiato do produto – diferença entre o Produto Interno Bruto (PIB) efetivamente observado num período ante a estimativa do PIB potencial.

Na visão de Sung, o BC só deverá ter as informações necessárias para realizar um corte a partir do meio do ano que vem.

“O Banco Central brasileiro pode ser um dos bancos centrais do mundo a diminuir juros, dado que foi um dos primeiros a subir”, diz. “Mas ele só conseguirá baixar se as expectativas de inflação estiverem convergindo para a meta de forma sustentável e se ele tiver uma segurança muito forte para ter tal comportamento de corte”, acrescenta o economista, ao dizer que o problema é pior se o BC cortar a Selic e, em seguida, tiver de subir os juros novamente.

Mais caixa e cautela com prefixados

Diante de um cenário de grandes incertezas, a alocação deve ser pensada com cautela. Um exemplo está na performance dos títulos públicos. Desde o pico, em 20 de julho de 2022, quando o Tesouro Prefixado 2025 chegou a oferecer 13,51% ao ano, a remuneração do papel já recuou 194 pontos-base (1,94 ponto percentual), levando em conta o fechamento de ontem.

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Os ativos prefixados tendem a ser boas opções em cenários de queda da Selic, porque o investidor consegue travar a aplicação em uma taxa mais alta do que o juro que deve balizar os investimentos nos próximos anos.

Ainda que sejam um trunfo, Catherine Menezes, head de alocação da Braúna Investimentos, alerta que ativos prefixados são arriscados. Segundo ela, o momento pode ser positivo para iniciar uma alocação para quem não tem investimentos do tipo, mas ainda não é hora de aumentar a posição.

“Temos um problema grande de inflação ainda e a questão política deixa o cenário mais instável. O ponto de entrada é atraente, mas não dá para ir com muita sede ao pote”, diz. “Os juros estão altos. Não faz sentido tomar um risco extra no prefixado”.

Na visão da alocadora, a maior parte da carteira deve seguir em ativos pós-fixados atrelados à Selic, que estão com juros altos e oferecem um risco menor. Ativos atrelados à inflação também são boas opções como proteção do patrimônio, com destaque para os isentos de Imposto de Renda, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs), além de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e do Imobiliário (CRIs), além de outros.