Medidas para baixar preço dos combustíveis podem forçar BC a postergar redução da Selic

Embora tenha potencial para reduzir a inflação no curto prazo, proposta do governo pode pressionar os preços em 2023, dizem gestores e economistas
Edifício-Sede do Banco Central, em Brasília (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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As propostas anunciadas pelo governo na segunda-feira (6) para tentar reduzir o preço dos combustíveis e a inflação deste ano poderiam pressionar ainda mais os juros e forçar o Banco Central a postergar o ciclo de cortes da taxa básica de juros (Selic) em 2023. Essa é a avaliação feita por especialistas ouvidos pelo InfoMoney.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou que o governo apresentará uma proposta emenda à constituição (PEC) que vai compensar os estados que aceitarem zerar o ICMS sobre diesel e gás de cozinha. A medida, que vale até dezembro de 2022, ficaria condicionada à aprovação pelo Senado do Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que já passou pela Câmara há duas semanas e estabelece teto de 17% para o ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, entre outros itens.

Para gestores e economistas, a PEC teria um custo fiscal alto, já que seria muito difícil que um novo governante conseguisse reverter os benefícios no próximo ano. E para reduzir a inflação em 2022, também acabaria pressionando a inflação de 2023.

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“Se houver a aprovação da PEC e do PLP 18, o impacto poderia chegar a 230 bps [2,30 ponto percentual] na inflação deste ano. Mas no ano que vem, 90 bps [0,90 ponto percentual] deveriam ser revertidos de volta”, diz Juliano Ferreira, estrategista-chefe da BGC Liquidez. Os cálculos são preliminares e englobam a intenção do governo de zerar impostos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre o etanol e gasolina neste ano, também anunciada ontem.

De olho em 2023

Para Ferreira, o grande problema da proposta é que o governo agora está tirando uma inflação de um ano que está “perdido”, para fins de política monetária, e adicionando em 2023, período em que “o BC está mirando” neste momento.

A opinião é compartilhada por Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Renascença DTVM e ex-chefe do Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab) do Banco Central.

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Para ele, as medidas não devem afetar as projeções que a casa possui para a Selic neste ano. A Renascença manteve a visão de que o BC deve elevar os juros em 0,50 ponto percentual na reunião deste mês, para 13,25% ao ano.

Na sua avaliação, o foco está mesmo no ano que vem, no que ele chama de “deslocamento” da inflação, com parte da inflação de 2022 passando para 2023. Goldenstein avalia que isso poderia levar o ciclo de cortes que a autoridade monetária terá que fazer no ano que vem a ser “mais tardio e gradual”.

“Nossa única âncora fiscal é o teto de gastos, que já tinha perdido credibilidade com a PEC dos Precatórios e, agora, pode novamente ser flexibilizado por uma medida oportunista”, observa o economista da Renascença.

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José Alberto Tovar, sócio-fundador da Truxt Investimentos, também fez críticas à proposta apresentada pelo governo. “É uma violência o que está sendo feito na reta final da corrida eleitoral. É um gol de mão”, afirma. “Se o governo não conseguir, vai ter um discurso de culpar os governadores ou o Supremo, de não serem favoráveis à população. É uma disputa de narrativas”, completa.

Nos cálculos da casa, o IPCA de 2022 – atualmente projetado em 9,3% – poderia ficar em 7,7%. Já o IPCA de 2023 passaria de 4,7% para 5,5%. Na conta, foi considerado um repasse de 35% da redução dos impostos na ponta.

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A visão de Tovar é de que as medidas anunciadas são negativas, mas o gestor não mudou sua visão para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para semana que vem.

“O que acontece é que desde a última reunião, as coletas de inflação têm sido todas mais altas, a inflação continua resistente. Acreditamos que 50 bps [0,50 ponto percentual] adicionais à Selic sejam necessários e que o Copom deverá deixar em aberto o que fará mais para frente, não dirá que vai parar agora”, avaliou Tovar.

Mas a tarefa do Banco Central não será fácil. “Estamos efetivamente combatendo inflação com a política monetária, mas a política fiscal não para de ficar mais frouxa. Tenho receio de que o descontrole fiscal pegue no dólar. Não está pegando agora por causa do carrego e das commodities”, argumentou o executivo.

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Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total Master, também chama a atenção para os gastos que a PEC do governo deve provocar, que podem ficar em torno de R$ 35 bilhões e de R$ 40 bilhões, nos cálculos da casa. Nas contas do governo, as perdas de arrecadação e as renúncias fiscais de impostos federais devem ficar acima de R$ 25 bilhões e abaixo de R$ 50 bilhões, segundo declarou o ministro da Economia Paulo Guedes.

Para Mollica, o projeto gera um custo alto para um benefício que é transitório. Isso sem contar que a medida coloca um risco a mais sobre o petróleo. “Se a commodity não cair, eles terão que subir de novo os preços, só que politicamente isso é difícil”, defende.

Para o gestor da Opportunity, a piora no cenário reforçou a visão de que o BC deve elevar os juros mais duas vezes neste ano, até 13,75% ao ano, e diminuiu o espaço para cortes dos juros no ano que vem, a depender do que ocorrer nas eleições. “Antes, eu achava que tinha chance de corte [da Selic] no segundo semestre de 2023. Agora, acho que não há espaço”, observou Mollica, com base na leitura do momento atual.

Isso porque, explica Mollica, se o candidato vencedor defender que não haverá mais subsídio, que as reformas vão ocorrer e que não haverá mais “bagunça fiscal”, os juros podem despencar e alterar a visão do gestor.

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