Legacy “tateia” Bolsa diante de medidas fiscais que afetam parte das empresas: “Lucro cai 30% se tirar JCP”

Em entrevista ao InfoMoney, CIO Felipe Guerra avalia que perspectiva de queda dos juros não deve ser suficiente para segurar preços das ações

Mariana Segala

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A perspectiva de queda dos juros é, como se sabe, um tradicional indutor para o desempenho das ações na Bolsa. Mas a necessidade do governo de ampliar a arrecadação para dar conta de metas fiscais autoimpostas tende a minar o desempenho dos papéis – e diminuir o apetite ao risco de gestoras como a Legacy.

Com R$ 28 bilhões sob gestão em fundos multimercados, de crédito e de previdência, a Legacy voltou a ter uma pequena posição comprada na Bolsa brasileira – apostando na alta – em junho, depois de ter mantido uma exposição vendida (na expectativa de queda das ações) nos meses anteriores.

Felipe Guerra, CIO da Legacy, reconhece que a perspectiva de redução da Selic – o ciclo de queda começou no mês passado, quando o Banco Central reduziu a taxa básica para 13,25% ao ano – embute um viés positivo para a renda variável. “Numa análise histórica dos últimos ciclos [de queda da Selic], de seis a oito meses depois do primeiro corte de juros, a bolsa em geral sobe CDI mais 10%”, explicou, em entrevista ao InfoMoney (confira os principais trechos no player acima).

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Mas esse conjunto de ativos que, na média, pode parecer um investimento interessante, é visto com cautela na Legacy. “Com as discussões do ajuste fiscal ser feito pelo lado da arrecadação, há um pipeline de notícias ruins para as empresas”.

Dentre as potenciais más notícias para as companhias listadas, Guerra inclui a extinção dos juros sobre capital próprio (JCP), instrumento de remuneração dos acionistas que permite às empresas deduzir o valor distribuído do lucro tributável; o chamado “voto de qualidade” a favor do governo nos processos que correm no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), espécie de “tribunal” para solucionar impasses entre a Receita Federal e os contribuintes; e mudanças na tributação relacionada a incentivos fiscais e subvenções de ICMS.

Há empresas na Bolsa cujo lucro cai 30% se você tirar o JCP. Se você está comprado nessas ações, pode ter uma perda muito grande. Por isso, estamos tateando com uma posição cinicamente otimista

Felipe Guerra, CIO da Legacy

Além disso, no raciocínio sobre quanto alocar em renda variável brasileira, a relação entre risco e retorno dos ativos locais tem um peso elevado. Mesmo após o Banco Central ter dado a largada no ciclo de corte dos juros, as taxas praticadas no mercado ainda são consideradas elevadas.

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Guerra destaca que sendo possível obter retornos na casa de inflação mais 7%, isento de Imposto de Renda, em papéis de crédito como as debêntures incentivadas, ou de CDI mais 3% num fundo de crédito tradicional, enfrentar um nível muito maior de volatilidade na Bolsa para – talvez – ganhar CDI mais 10% não soa tão vantajoso assim.

“Por isso preferimos carregar um portfólio mais equilibrado nesse sentido, com bem mais disposição ao crédito do que a Bolsa nesse momento”, afirma.

No acumulado deste ano, os fundos da Legacy têm desempenhos entre 4,99% e 8,97%, abaixo da taxa do CDI, de 9,03% no período.

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Preferência pela renda fixa, no Brasil e no mundo

Não é apenas a renda fixa brasileira que atrai o CIO da Legacy no momento atual. Desde que os indicadores econômicos dos Estados Unidos passaram a dar sinais mais claros de que uma desaceleração se aproxima, a visão sobre a política monetária no país – que interfere no andamento dos juros no restante do mundo – se consolidou para Guerra.

O aumento recente da taxa de desemprego e a destruição de vagas no mercado de trabalho americano estão entre os fatores que podem levar o Fed (Federal Reserve, banco central americano) a segurar novas elevações dos juros nos EUA. Guerra acredita que não deve haver alta nas reuniões de setembro e novembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) – após um avanço de 0,25 ponto percentual no encontro de julho.

Para o gestor, se não houver novas altas de juros nos EUA, crescem as chances de que os bancos centrais de outras economias mantenham o ritmo de queda das suas próprias taxas – ou, pelo menos, que considerem parar de aumentá-las. Nesse grupo entram desde países como Brasil, Chile e México até Coreia do Sul, Canadá e Nova Zelândia.

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Por aqui, a expectativa de Guerra é de que a próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), neste mês, termine com uma redução de meio ponto percentual. O ritmo, no entanto, deve acelerar nos últimos dois encontros do ano, para 0,75 a 1 ponto em cada um.

Com as expectativas para a inflação brasileira estabilizadas em torno de 3,5% neste ano, o avanço dos preços já não é mais uma preocupação tão grande, avalia o gestor. “Então, o que vai definir se vai ter aceleração ou não [do ritmo de queda da Selic] vai ser a atividade econômica”, diz.

No segundo trimestre, o PIB brasileiro cresceu 0,9% em relação ao trimestre imediatamente anterior, o que foi uma surpresa para os agentes financeiros, que esperavam uma alta menor. Para Guerra, no entanto, isso não deve se repetir nos próximos períodos. “Nosso cenário é de que estamos em um pico do crescimento. Vemos um terceiro trimestre um pouco mais morno e um quarto trimestre bem mais frio”.

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Como, na visão do gestor, o Comitê atual – e, principalmente, sua formação futura, quando mais diretores indicados pelo governo do presidente Lula estarão na sua composição – tende a privilegiar a atividade econômica (e não a inflação) em sua análise, a perspectiva de desaceleração deve levá-lo a privilegiar cortes maiores.

Por causa do potencial de ganho com a marcação a mercado quando esse cenário se concretizar, a renda fixa brasileira está entre os ativos de destaque na carteira atual da Legacy – mas não apenas. Segundo Guerra, as melhores oportunidades na renda fixa estão em países em que os juros permanecem muito elevados, embora a inflação já esteja dando sinais de melhora; ou naqueles cujos bancos centrais ainda não finalizaram o ajuste monetário para cima.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney