Kapitalo, Mauá, Garde e AF Invest apostam em fundos quantitativos, em cenário de juros baixos e alta volatilidade

Estratégias têm se destacado na crise, com fundos que acumulam ganhos de até 17% em 2020; gestoras tradicionais veem espaço para crescer no segmento

Lucas Bombana

SÃO PAULO – Após o tombo histórico de março, aos poucos, os fundos multimercados, de portfólio balanceado entre ações, moedas, juros e commodities, estão se recompondo.

O Índice de Hedge Funds da Anbima (IHFA), o principal benchmark do mercado brasileiro, com cerca de 200 fundos multiativos das mais diferentes vertentes, sobe 1,8% em 2020, até 19 de agosto. No piso do ano, em 23 de março, o referencial chegou a acumular queda de quase 10%.

Apesar da recuperação recente, contudo, o desempenho do IHFA no ano segue abaixo dos 2,05% entregues pelo CDI no período, ainda que seja bem melhor do que a desvalorização de 12,8% do Ibovespa.

Com ganhos de 2,6% em 2020, o multimercado D’Artagnan, da gestora Garde, é um dos que têm conseguido superar a média. Além da expertise dos sócios para nortear as operações do fundo, a gestora contou com um apoio que veio bem a calhar neste ano tão volátil para os mercados: a racionalidade da máquina.

Desde outubro do ano passado, a casa acrescentou à gestão dos multimercados o modelo sistemático, no qual programas de software previamente programados pelos gestores, com base em dados macroeconômicos de dezenas de anos, operam o mercado no dia a dia com uma frieza siberiana, diferentemente do viés emocional inerente ao ser humano.

Fundos quantitativos tomam as decisões de compra e venda dos ativos baseados em complexos modelos matemáticos. As informações podem ser processadas em maior volume com base em algoritmos, que conseguem identificar padrões de alta ou baixa e assim definir o ativo que deve ser comprado ou vendido e o peso de cada um deles na carteira.

No inédito cenário de juros baixos no país e busca por novas alternativas por parte dos investidores, uma das saídas encontradas pelos gestores tem sido oferecer, como opção adicional à gestão fundamentalista, os produtos guiados pela tenacidade cibernética. É o caso de gestoras como Mauá Capital, Kapitalo e AF Invest, que recentemente lançaram fundos dedicados à estratégia sistemática.

O interesse das assets por incluir o produto na grade já vinha desde meados do ano passado, com a taxa Selic cada vez mais baixa. E a crise do coronavírus serviu como uma prova final para os fundos quantitativos, que conseguiram mostrar seu valor.

Os fundos Giant Zarathustra e Kadima High Vol, que compõem o IHFA, sobem cerca de 8% em 2020, até 19 de agosto, em grande medida devido à forte alta de 38,2% do dólar no período. E há carteiras fora do índice que sobem até 17% no ano.

Confira a seguir o desempenho dos principais fundos “quant” da indústria desde o início da crise, no acumulado do ano e em 12 meses, assim como o comportamento dos principais indicadores do mercado.

Segundo Marcelo Giufrida, CEO da Garde, ainda em 2017, já começaram as primeiras conversas internas sobre como complementar a gestão macro fundamentalista com uma abordagem guiada pela racionalidade dos computadores.

Estudando o tema desde então, no segundo semestre de 2019, a gestora destacou um time para desenvolver as estratégias sistemáticas. Até o momento, a gestora conta com cinco modelos matemáticos, que atuam nos mercados de juros (com o foco tanto no curto como no médio prazo), de moedas e ações, locais e globais.

Giufrida destaca que uma diferença importante em relação aos fundos quantitativos mais tradicionais é que a abordagem adotada não faz operações de alta frequência. Pelo modelo desenvolvido, diz ele, é possível tirar proveito da eficácia da máquina, mas com uma clareza maior do por que de cada posição.

Devido ao bom resultado da estratégia para os fundos nos últimos meses, em pouco menos de um ano, ela já responde por uma faixa entre 15% a 25% do risco e do retorno dos multimercados da casa.

O CEO da Garde diz que está nos planos criar nos próximos meses um fundo segregado, que seguirá apenas a estratégia sistemática hoje adotada pelos multimercados macro da gestora.

Ampliação da grade

Um pouco mais adiantada no processo, a Kapitalo lançou no último mês de junho o fundo multimercado Gaia, que segue integralmente a estratégia sistemática e voltado apenas para o investidor qualificado, com ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras.

Tal abordagem, contudo, não se trata de uma novidade na casa, diz o sócio-fundador João Carlos Pinho. Desde 2015, afirma, os fundos multimercados Kapa e Zeta já têm uma parcela da carteira que segue a linha de raciocínio.

“São estratégias de elevada diversificação e muita liquidez”, diz Pinho. Diante da descorrelação com o restante da carteira dos multimercados e do alfa que a estratégia agregou, em 2018, a Kapitalo contratou Frederic Brown, que fazia a gestão de fundos quantitativos na Itaú Asset, para criar uma segunda mesa sistemática para os multimercados da casa.

Segundo Pinho, com quase cem ativos diferentes, 90% deles globais, o portfólio sistemático modelado por Brown se assemelha ao de um fundo inteiro. Por essa característica, e pelos resultados entregues nos últimos dois anos, a Kapitalo lançou o multimercado Gaia.

“O fundo tem uma volatilidade relativamente alta, de 10%, ou seja, chacoalha bastante, não é para qualquer um.” Segundo Pinho, a segregação em fundos de estratégias que se destacam nos multimercados é algo comum na gestora – também foi o caso do fundo de ações Tarkus, e do K10, de commodities.

O bom filho a casa torna

Também reconhecida pela gestão de multimercados macro, a Mauá Capital estreou no campo das estratégias sistemáticas em novembro de 2019, com o lançamento do multimercado Machine-D.

Para liderar a empreitada, a gestora trouxe de volta um velho conhecido – Alessandro Del Drago, que foi economista-chefe da Mauá de 2013 a 2014, e que estava à frente da mesa proprietária de fundos quantitativos no Itaú BBA.

A grande diferença do sistemático para o macro tradicional, diz o gestor, é que o primeiro expurga o medo, o ego, e todas demais emoções que qualquer pessoa carrega consigo.

“Os modelos são capazes de analisar milhares de informações em qualquer situação. O gestor não faz o mesmo, ainda mais em um dia de pânico, em que ele não consegue analisar os dados friamente.” Em 2020, até 19 de agosto, o Machine-D sobe 2,5%.

“Black box” uma ova

Assim como a Mauá, a gestora mineira AF Invest lançou em agosto de 2020 o fundo quantitativo Aconcágua, também com vistas à ampliação do leque de alternativas aos clientes frente à Selic nas mínimas.

Para desenvolver o negócio, a asset contratou André Tavares, cientista da computação pela UFMG. Ele esteve nos últimos dez anos na área de finanças corporativas do grupo de shopping centers Tenco, e vinha desenvolvendo modelos matemáticos por conta própria, que agora dão as diretrizes do novo multimercado.

Apesar das incertezas sobre a pandemia e quanto ao seu impacto na economia, Tavares avalia que o momento é propício para a estreia do multimercado, já que se trata de uma estratégia que tende a se beneficiar dos momentos de maior estresse.

“O ambiente de alta volatilidade tem de ser visto como risco, mas também como oportunidade, desde que com as devidas seguranças”, afirma o especialista, que faz referência à brasileira Leda Braga, CEO da gestora Systematica Investments, para refutar uma critica relativamente comum sobre uma suposta dificuldade de investidores para entender o que se passa dentro dos fundos quantitativos.

“A própria Leda Braga já disse que os fundos sistemáticos não têm nada de black box”, diz Tavares. O novo fundo da AF Invest tem aplicação mínima de R$ 5 mil, e é destinado ao público em geral, tendo como objetivo de retorno 8% ao ano além do CDI.

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