Juros em alta atraem investidores para fundos de crédito privado; gestores ajustam carteiras com piora fiscal e eleições

Algumas casas aproveitaram o momento para reduzir determinadas posições que detinham em ativos de crédito do setor imobiliário e de varejo

Bruna Furlani

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – A elevação da taxa básica de juros, a Selic, para patamares que podem chegar a 11,25% até o ano que vem, segundo o último Relatório Focus do Banco Central, reacendeu o otimismo de gestores de fundos de crédito privado, que investem em papéis de renda fixa emitidos por empresas e instituições financeiras – como debêntures e CDBs, por exemplo.

O interesse dos investidores aumentou. Neste ano, entre janeiro e outubro, as dez gestoras de fundos de crédito privado que mais atraíram recursos tiveram depósitos de R$ 223,5 bilhões, quatro vezes mais do que o verificado no mesmo período de 2020, quando os aportes dos investidores somaram R$ 54,5 bilhões. Os dados são de levantamento feito pela Economatica com exclusividade para o InfoMoney.

“Tivemos o segundo mês de maior dificuldade da Bolsa em outubro e isso ajudou os fundos de crédito privado”, diz Isaac Marcovistz, head de produtos, comunicação e marketing da BB DTVM. “Estamos vendo a mesma dinâmica que vimos no passado se repetir, com as pessoas voltando a migrar para a renda fixa”.

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As captações cresceram exponencialmente, especialmente nos últimos meses, acompanhando o salto da Selic – que passou de 2% em janeiro para 7,75% ao ano em outubro, tornando os investimentos de renda fixa muito mais atraentes. A aproximação do ano eleitoral, porém, exigiu mudanças nas carteiras.

Algumas casas aproveitaram para reduzir investimentos em papéis de renda fixa do setor imobiliário e de varejo, que podem ser mais negativamente afetados em um cenário de juro altos e menor crescimento da economia. Ao mesmo tempo, gestores ouvidos pelo InfoMoney priorizaram os títulos de empresas que trabalham com concessões públicas, como transporte, energia e saneamento, que, de modo geral, oferecem maior previsibilidade de caixa.

Além disso, entraram no radar os títulos emitidos por empresas de aluguel de carro e caminhão, pelo segmento financeiro e pelo logístico.

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Daniela Gamboa, head de crédito privado da SulAmérica Investimentos, que acaba de lançar um fundo de crédito privado atrelado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), afirma que tem privilegiado companhias menos endividadas e com comportamento menos cíclico – ou seja, que dependem menos do ciclo econômico para obter resultado.

Temos evitado serviços, varejo e incorporadoras, porque são empresas mais suscetíveis à subida dos juros. Se no começo de 2021, elas pagavam juros de cerca de 4%, agora essa despesa financeira pode ser que triplique [o que pioraria seus balanços]. É preciso ter mais cuidado

Daniela Gamboa, head de crédito privado da SulAmérica Investimentos

Além disso, as gestoras aumentaram a posição mantida em “stand-by” – ou seja, em caixa. Normalmente, esses valores são aplicados nos papéis mais conservadores disponíveis no mercado, como títulos públicos pós-fixados.

Mais dinheiro nos fundos, mais emissões de crédito

Não foram só os fundos de crédito privado que cresceram nos últimos meses. Também aumentou o número de novos papéis emitidos pelas empresas em ofertas primárias, especialmente no segundo semestre, como debêntures, Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e do Imobiliário (CRIs), por exemplo.

Ulisses Nehmi, CEO da gestora Sparta, explica que o volume alto de emissões nessa janela está ligado a alguns fatores: no início do ano, embora a Selic estivesse em patamares menores, o custo para as empresas levantarem recursos no mercado era considerado relativamente alto porque não se tinha uma dimensão ampla do estrago que a pandemia ainda poderia provocar. Muitas optaram por não emitir papéis nesse período.

Agora, com o interesse dos investidores pela renda fixa renovado, a busca pelos papéis das empresas aumentou. Com a aproximação das eleições presidenciais de 2022 e a turbulência que elas devem causar no mercado, as companhias têm preferido fazer emissões antes do fim do ano.

“Está meio que juntando tudo isso agora: alta da Selic, fundos captando bem e empresas disputando o dinheiro dos investidores. Há muitas ofertas nessa janela entre outubro e dezembro e agora talvez estejamos numa situação mais confortável de escolher de fato em quais queremos entrar”, pondera Nehmi.

Spreads menores ao longo do ano

Com o crescimento das ofertas, as opções de títulos de crédito privado disponíveis aumentaram – mas isso não significa que o retorno de todas elas esteja suficientemente atraente. Para Ricardo Espindola, gestor de crédito privado na Porto Seguro Investimentos, em muitos casos o cenário econômico adverso – com inflação alta e problemas fiscais no País – não está refletido nos spreads, como são chamados os juros a mais que o investidor recebe por aplicar nos papéis (e não em opções mais conservadoras).

“As emissões primárias estão vindo com prazos mais longos, só que os spreads estão muito abaixo do início do ano”, diz Espindola. “A Selic saltou de 2% ao ano e pode chegar a 12,5% em 2022. As coisas mudaram rapidamente, e o investidor precisa exigir spreads mais altos”.

Segundo o gestor da Porto Seguro Investimentos, isso acontece porque muitas novas emissões foram precificadas há cerca de dois ou três meses, quando o risco fiscal não considerado tão alto como é atualmente. Com isso, diz, algumas ofertas passaram a oferecer deságio – ou seja, desconto.

Um exemplo: de acordo com Espindola, uma emissão de debêntures da Multiplan (MULT3), do setor de shopping centers, previa inicialmente uma remuneração equivalente à taxa do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) mais 1,45% ao ano aos investidores.

Ao final do processo de precificação, o retorno efetivamente oferecido foi menor, de CDI mais 1,30% ao ano. Um spread nesse nível não foi considerado atrativo, diz o gestor, e a Porto Seguro Investimentos acabou preferindo não comprar as debêntures.

De olho em um cenário econômico mais nebuloso, Carlos Messa, gestor na Quasar, afirma que a estratégia é permanecer com papéis de prazo mais curto. “Nos últimos meses, vendemos alguns títulos e agora estamos com papéis de, no máximo, três anos, em que há liquidez maior”, analisa.

Ao comentar sobre as emissões, Messa avalia que selecionou bastante antes de entrar em algumas ofertas. Entre as razões está o fato de que o mercado teria “pesado a mão” nas operações mais longas, com prazos entre sete a dez anos, oferecendo uma remuneração muito baixa. “Eram prazos muito longos e o spread não acompanhava o risco, que é maior”, diz.

Apesar de o cenário de aumento de juros ser positivo para os retornos dos fundos de crédito privado, que costumam oferecer rentabilidades atreladas ao Certificado de Depósito Interbancário (CDI), a euforia dos gestores está de certa forma dividida, na opinião de Daniel Celano, diretor-presidente da Schoders Brasil. “Olhamos cerca de 20 ofertas e entramos em apenas cinco, porque houve uma diminuição considerável dos spreads“, pondera o executivo.

Quais foram as mudanças nas carteiras?

Com a redução dos spreads oferecidos, especialmente em ofertas de prazo maior, alguns gestores têm aproveitado para girar a carteira. Daniel Palaia, head de crédito privado na Schroders Brasil, conta que, dentro do crédito corporativo, têm dado preferência para papéis do setor de concessões públicas, como energia e saneamento, além de outros setores, como aluguéis de carro e de caminhão e financeiro. “Olhamos também uma empresa de papel e celulose recentemente. Achamos que esse setor é mais volátil, mas há companhias que são muito bem geridas, com custo de produção mais baixo”, destaca.

Também houve ajustes na carteira de crédito bancário, papéis que, segundo o executivo, estão com o spread mais atrativo do que as operações de crédito corporativo.

Já para Messa, da Quasar, embora os spreads das debêntures tenham diminuído, há oportunidades em setores como infraestrutura, por exemplo, além do segmento de logística e bancário.

“A inadimplência pode até aumentar no ano que vem, mas uma ligeira alta não deve afetar as instituições financeiras. Os maiores bancos brasileiros são bem conservadores. Ao ver uma piora, eles já começam a fazer provisões mais agressivas, como ocorreu agora na pandemia”, diz Messa.

Montagem de agências de bancos (Crédito: Reprodução)

De olho no desempenho melhor que alguns setores podem ter no ano que vem, Nehmi, da Sparta, conta que aproveitou o momento para se desfazer de papéis de empresas de varejo e do segmento imobiliário, com os quais a gestora estava menos confortável. “Outra mudança é que alongamos mais os prazos da carteira com emissores de melhor qualidade (AAA ou AA)”, disse, fazendo referência a investimentos em empresas com estrutura financeira mais sólida.

A gestora também preferiu aumentar o peso de emissões com prazo superior a cinco anos, no lugar das mais curtas, que predominavam até algum tempo atrás. O caixa também ganhou maior participação nas carteiras da Sparta, diz Nehmi.

Resgates e cenário conturbado

Se os fundos de crédito privado ficaram mais atrativos com a elevação dos juros, um ponto que os investidores devem levar em consideração antes de investir neles são os prazos de resgate.

Ao contrário dos fundos tradicionais de renda fixa, que costumam pagar os resgates um ou dois dias depois que são solicitados pelos investidores, é comum que os fundos de crédito privado exijam prazos maiores. Segundo levantamento feito pelo InfoMoney com dados da Economatica, um em cada dez fundos da categoria tem prazo de resgate superior a 30 dias atualmente. O universo considerado envolve mais de 10 mil carteiras. O resultado, contudo, pode ter apresentado dupla contagem.

O ponto é que prazos de resgate alongados costumam ser vistos pelos investidores como uma desvantagem. Para os gestores dos fundos, no entanto, eles são uma ferramenta importante. Quanto mais curto é o prazo de resgate, maior é a dificuldade que o gestor tem para se desfazer dos títulos que compõem a carteira a bons preços – o que pode comprometer a rentabilidade.

Palaia, da Schoders Brasil, diz que não vê um cenário de resgates no momento. “O que está ocorrendo é uma reprecificação normal dos spreads, especialmente de debêntures. Os gestores já tem todo o histórico e vão aproveitar para tirar um pouco o pé do acelerador nesse momento”, avalia.

E nem mesmo o cenário mais conturbado do ponto de vista político deve atrapalhar a direção positiva para os fundos de crédito.

Acredito que não afeta a direção, mas, sim, a velocidade. A projeção de um PIB menor ou de recessão não é necessariamente um desastre. As empresas estão menos alavancadas [endividadas]. Não vemos crise bancária ou empresas dando default [calote]

Daniel Celano, diretor-presidente da Schoders Brasil

Uma das razões para isso, segundo Daniela, da SulAmérica Investimentos, é que as companhias aproveitaram a pandemia para alongar as dívidas e melhorar a qualidade de crédito, com reforço do caixa. Agora, diz, do lado do investidor, é preciso ser mais cuidadoso com o prazo médio dos ativos dos fundos, porque as emissões ficaram mais longas.

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