Investidores perdem tudo em pirâmide cripto: “Aprendi a pensar 3 vezes antes de confiar em alguém”

Nos últimos cinco anos, golpes financeiros com criptoativos causaram perdas de pelo menos R$ 40 bilhões no Brasil

Lucas Gabriel Marins

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A publicitária Letícia Torina, 26 anos, e o Pedro* moram cerca de 400 km um do outro e nunca se viram na vida. Os dois, no entanto, têm algo em comum: ambos perderam dinheiro em pirâmides financeiras que usam criptomoedas como isca para atrair vítimas.

Nos últimos cinco anos, segundo levantamento feito pelo InfoMoney em março deste ano, golpes financeiros com criptoativos causaram perdas de pelo menos R$ 40 bilhões, deixando cerca de 4 milhões de brasileiros no prejuízo.

Leticia foi vítima da Rental Coins, negócio fraudulento criado por Francisley Valdevino da Silva, conhecido como o “Sheik das Criptomoedas”, que dizia trabalhar com locação de criptomoeda, prometendo lucro de 9%, 13% e até mais ao mês em alguns casos.

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Silva foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) em novembro do ano passado, acusado de operar um esquema ilegal de R$ 4 bilhões, mas solto no final de junho. Ele foi um dos convocados a depor na CPI das pirâmides financeiras, instalada na Câmara dos Deputados no mês passado.

“De início, investi R$ 5 mil na empresa. Depois, coloquei mais e mais, até que a soma deu R$ 86 mil. Só consegui resgatar R$ 3 mil antes de a pirâmide quebrar”, disse ela, que conheceu o negócio por meio de uma agência.

A publicitária falou também que, além de depositar o próprio dinheiro, chamou outras pessoas para aplicar no negócio fraudulento, como pai, mãe e amigos, e até trabalhou para a Rental Coins, ganhando comissão em cima de indicações.

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“Parecia um negócio sério. E no começo eles pagavam mesmo. Em um dos meus contratos eu recebia 9% ao mês. Mas no final de 2021 eu pedi um saque e eles não liberaram. Então as coisas começam a desandar, e entramos com um processo”.

Ricardo Kassin, advogado especializado em crimes envolvendo o uso de criptoativos, disse que as pirâmides conseguem pagar quando estão no início porque usam recursos dos próprios investidores. “Ou seja, quando uma pessoa entra no negócio e faz um investimento, parte deste montante pode ser utilizado para pagar os primeiros que aderiram ao esquema”, falou.

No início, para conseguir atingir um número grande de pessoas, os administradores do esquema também costumam oferecer altas porcentagens para pessoas buscarem novos investidores, falou.

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“Meu maior aprendizado com tudo isso é pensar três vezes antes de confiar em alguém. Outro aprendizado é não deixar dinheiro parado, porque quando o dinheiro está parado você acaba colocando onde não deve. Toda minha poupança está na Rental Coins”, disse Letícia.

“Não existe milagre”

Pedro foi fisgado em 2019 pela Genbit (antiga Zero10 Club), que também está na mira da CPI das pirâmides. A empresa é acusada de enganar 45 mil pessoas ao vender falsos pacotes de investimentos com promessas de 15% de lucro ao mês. O prejuízo estimado é de R$ 1 bilhão.

“Entrei no negócio porque um colega de trabalho já tinha entrado, já tinha recebido sete meses, e estava tendo lucro. Ele me apresentou, mas dei azar, porque dois meses depois travou tudo e a empresa deixar de pagar”, contou.

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No total, Pedro chegou a ter R$ 100 mil dentro da plataforma falsa criada pelo esquema. Ele conseguiu reaver uma parte por meio de um processo judicial, mas ainda saiu perdendo R$ 18 mil.

“Ficou o aprendizado de que não existe milagre. A promessa que eles faziam era muito alta. Até há no mercado opções de investimento que pagam um valor interessante, mas existem riscos e não há promessa de garantia”, falou.

Cuidados para não cair em pirâmides

A criação de pirâmides financeiras configura crime contra a economia popular no Brasil, segundo a Lei 1.521/51. Esses esquemas, no entanto, são antigos e fazem parte da história do país. Se hoje usam cripto como isca, no passado utilizavam bois, ouro, selos postais e até avestruz. As características, no entanto, são as mesmas, segundo Kassin.

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Esses esquemas geralmente fazem promessas de retorno rápido e alto. Existe um foco excessivo no recrutamento de pessoas que buscam investidores, disse. Além disso, falou, há ausência de informações claras e precisas sobre o negócio, bem como promessa de zero de risco.

“Para não cair em uma, é fundamental fazer um estudo da empresa, vendo o histórico dos sócios e quantos anos de mercado tem a empresa. Caso haja a formação de grupo econômico, valer pesquisar todas as empresas e sócios que fazem parte de grupo econômico”, falou ele.

Segundo o advogado, é importante também buscar se as empresas têm processos contra elas, e pesquisar por informações no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde o investidor pode procurar pareceres e memorandos de forma gratuita sobre participantes do mercado.

*Nome fictício, pois a vítima pediu para não ter o nome revelado