Golpes com criptomoedas causam perda de R$ 40 bi a 4 milhões de brasileiros em 5 anos; quem ainda cai?

Conheça os casos com mais vítimas no país e saiba o que fazer para identificar uma possível fraude

Lucas Gabriel Marins

Publicidade

Virou rotina. Quase toda semana, golpes financeiros ganham espaço no noticiário brasileiro. O último caso envolveu os jogadores brasileiros Gustavo Scarpa, Mayke Rocha Oliveira e Willian Gomes de Siqueira. Juntos, os atletas alegam ter perdido quase R$ 30 milhões em um suposto esquema fraudulento que usava criptomoedas como isca. O valor parece alto, mas é discreto perto das perdas registradas na história recente do País.

Não há estimativas oficiais, mas um levantamento feito pelo InfoMoney mostra que, nos últimos cinco anos, pelo menos 23 empresas acusadas de serem pirâmides financeiras envolvendo o suposto investimento em criptoativos deixaram um rastro de prejuízo de cerca de R$ 40 bilhões no Brasil. O número estimado de vítimas é de quase 4 milhões.

Só entre janeiro e setembro de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) enviou 112 comunicações de indícios de crimes financeiros aos ministérios públicos estaduais e federais, segundo o último Relatório de Atividade Sancionadora, divulgado em dezembro. As pirâmides (de cripto e outros ativos) foram os tipos de delitos que mais apareceram. Em 2021, foram 215 e, em 2020, o pior ano da série, o total foi de 325.

Aula Gratuita

Os Princípios da Riqueza

Thiago Godoy, o Papai Financeiro, desvenda os segredos dos maiores investidores do mundo nesta aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Além das comunicações, o órgão regulador do mercado de capitais também emitiu 12 stop orders para empresas nos primeiros três trimestres de 2022. Essas ordens são medidas cautelares que visam prevenir ou corrigir possíveis ofertas públicas irregulares.

“O que a gente vê em análise histórica é que esses tipos de crimes financeiros envolvendo oferecimento de vantagens insustentáveis são antigos e, em comum, trabalham com algo que não é materialmente tangível, como os criptoativos”, disse o Procurador da República Thiago Bueno, integrante do Grupo de Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal (MPF).

Na década de 1920, por exemplo, o italiano Charles Ponzi (precursor dos esquemas ponzi) prometia pagar juros de 50% em 45 dias ou de 100% em 90 dias em um negócio de cupons de selos postais. Na década de 1980, no Brasil, as Fazendas Reunidas Boi Gordo se valeram de promessas de ganhos financeiros em cima da criação e engorda de bois para atrair vítimas.

Continua depois da publicidade

As criptos são a bola da vez, segundo Bueno, por causa de algumas características desses ativos digitais, como imaterialidade, falta de conjunto de normas e práticas para negociação (como as do mercado financeiro), o fato de serem novas e ainda pouco compreendidas por parte da população, e o poder de suas valorizações estratosféricas. “Quando o valor do criptoativo está subindo, é o momento adequado para quem quer aplicar golpe poder ganhar fôlego”.

Entre 2019 e 2023, período em que o Bitcoin (BTC) disparou e chamou atenção de investidores institucionais, o Brasil e o mundo foram inundados de fraudes associadas a ativos digitais. Um dos casos a ganhar destaque nacional foi a Unick Forex, uma fraude com criptomoedas que prometia de 1,5% a 3% ao dia – é isso mesmo que você leu, ao dia.

O esquema, criado no Vale dos Sinos (RS) por Leidimar Bernardo Lopes, colapsou em 2019. De acordo com a Polícia Federal, o golpe deixou um rastro de perdas de R$ 12 bilhões para milhares de pessoas.

Outro caso que repercutiu no Brasil todo foi o Grupo Bitcoin Banco, uma fraude orquestrada em Curitiba (PR) por Claudio Oliveira, conhecido no Brasil como “Rei do Bitcoin”. Condenado por estelionato e crimes contra o sistema financeiro, Oliveira construiu um falso império cripto na capital paranaense, localizado em um dos prédios comerciais mais badalados da cidade.

Assim como na Unick Forex, também havia promessa de ganho fixo no esquema. Pessoas chegaram a vender apartamentos para entrar no negócio. A estimativa é de que 7 mil indivíduos tenham sido prejudicados, em um rombo de R$ 1,5 bilhão, segundo a PF.

As empresas acusadas de operar esquemas com criptomoedas no Brasil

Nome Prejuízo (estimativa) Número de vítimas (estimativa)
A2 Trader R$ 7,5 milhões 20 mil
Investimento Bitcoin R$ 10 milhões 10 mil
G44 R$ 30 milhões 5 mil (Só no DF)
Thiago Troncoso R$ 30 milhões *
Xland R$ 30 milhões** *
Midas Trend R$ 55 milhões 60 mil
Binary Bit R$ 80 milhões 50 mil
Airbit Club R$ 100 milhões 2 milhões
Wish Money R$ 100 milhões *
YouWallet R$ 200 milhões *
D9 Clube R$ 200 milhões *
18k Ronaldinho R$ 300 milhões  *
BWA R$ 300 milhões 1.897
Braiscompany R$ 600 milhões 10 mil
Indeal R$ 850 milhões 55 mil
Genbit R$ 1 bilhão 45 mil
Rental Coins R$ 1,15 bilhão 15 mil
Kripton Unite R$ 1,5 bilhão *
Grupo Bitcoin Banco R$ 1,5 bilhão 7 mil
DD Corporation/DreamsDigger R$ 2 bilhões 44 mil
Atlas Quantum R$ 7 bilhões 200 mil
GAS Consultoria R$ 9,3 bilhões 127 mil
Unick Forex R$ 12 bilhões 1 milhão
Total R$ 38,4 bilhões 3,64 milhões

Levantamento baseado em dados divulgados em matérias jornalísticas e comunicados de órgãos como Ministério Público e Polícia Federal.

*Informações não localizadas

**O caso é recente e o número de vítimas e do prejuízo total ainda não são conhecidos

Confiança e ganância

Jurandir Sell Macedo Junior, professor da Universidade de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Finanças Comportamentais, acredita que investimentos suspeitos com garantia de retorno alto continuam surgindo no Brasil porque existe um público facilmente influenciado, levado pela ganância, medo de perder uma oportunidade e tendência em confiar em figuras de autoridade.

“Os golpistas conseguem atrair vítimas porque trabalham com um lado psicológico muito forte, a confiança, que vem desde a época que vivíamos nas savanas. Depois de estabelecerem a confiança, eles prometem um retorno garantido, e se aproveitam da ganância natural do ser humano”, disse ele.

Segundo o especialista, vítimas normalmente alocam recursos nos investimentos suspeitos sem fazer a devida pesquisa, após recomendações de amigos, celebridades ou mesmo líderes religiosos. Glaidson dos Santos, conhecido como “Faraó do Bitcoin” e a mente por trás de um esquema com criptos que movimentou bilhões de reais, já foi pastor. Já Francisley Valdevino da Silva, conhecido como “Sheik das Criptomoedas”, era ligado à comunidade gospel brasileira.

Na segunda-feira (20), o marceneiro Carlos Eduardo César, 34, contou ao InfoMoney que, após a indicação de um grande amigo, investiu na Xland, mesma empresa que deve R$ 30 milhões aos jogadores Mayke, Scarpa e William “Bigode”, e que é investigada pelo Ministério Público do Acre por suposta prática de crime contra a economia popular. A vítima entrou com um processo contra o negócio e está tentando recuperar R$ 120 mil.

“Infelizmente como é algo muito novo, tem muito golpe, gente querendo enganar todo mundo. E acabou que eu caí nessa, e investi a maior parte do meu dinheiro”, comentou. “Eu vendi um bem para poder investir e conseguir respirar um pouco, mas acabei me enrolando mais ainda”.

Macedo Junior, da UFSC, listou alguns sinais que permitem identificar um golpe financeiro. São eles:

Quanto é aceitável?

No mercado de renda variável, principalmente no setor de criptomoedas, conhecido por suas oscilações extremas, nenhuma promessa de lucro fixo e garantido é aceitável, segundo Bruno Musa, sócio e consultor de investimentos da Acqua Vero.

“Se alguém prometer qualquer rendimento fixo para você, duvide, porque essa pessoa provavelmente está mentindo. Como é possível conseguir garantir o retorno de um ativo que é extremamente volátil, e que você não sabe se pode subir 80% no dia ou cair 80% no outro?”

De acordo com Musa, muita gente no Brasil e no mundo acaba caindo em golpe financeiro por causa da falta de educação financeira.

“Ninguém faz a lógica do raciocínio. Se alguém paga 5% ao mês, essa pessoa que está te remunerando precisa ganhar mais para ter o lucro dela. Ninguém vai te dar 5% ao mês como instituição filantrópica. Estude, pergunte e tire dúvidas. Vai dar trabalho, mas isso evita que você caia em uma cilada”, falou.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney