Investidor terá de aportar mais dinheiro em fundo do Pátria com patrimônio negativo? Especialistas avaliam

Segundo documentos disponíveis no site da CVM, havia 76 cotistas no fundo até junho de 2023, sendo que 49 deles eram pessoas físicas

Bruna Furlani

(Getty Images)

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A venda de uma empresa do fundo Pátria Special Opportunities II Fundo de Investimento em Participações (FIP) Multiestratégia pode trazer dor de cabeça para cotistas que aportaram dinheiro nele. A carteira possuía apenas um ativo que investia exclusivamente no setor de shoppings centers.

O desinvestimento na Portfolio Centro Sul S.A. deixou o patrimônio líquido do FIP no negativo e fez o valor da cota cair 2.952%, passando de R$ 10 para R$ -301,05 no último dia 19. Como a cota inicial do fundo é de R$ 1.000, o recuo representaria uma perda de 130% para o FIP.

Via de regra, um fundo com patrimônio negativo possui dívidas e obrigações superiores ao valor dos seus ativos – ou seja, isso indica que ele está devedor. Nesses casos, de acordo com as regras atuais, o cotista poderia ser chamado a aportar mais dinheiro na carteira para cobrir a diferença.

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Tomando como base o número de cotas do FIP Pátria Special Opportunities em junho de 2023, dado mais recente disponível no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e o valor ajustado delas (R$ -301,50) no dia 19, é possível estimar que os cotistas eventualmente poderiam ser chamados a aportar cerca de R$ 16 milhões no fundo.

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Segundo documento disponíveis na CVM, havia 76 cotistas no fundo em junho de 2023, sendo que 49 deles eram pessoas físicas – percentual que correspondia a 46% das cotas subscritas. Os demais eram outros fundos de investimento (39% das cotas subscritas), além de pessoas jurídicas não financeiras e investidores não residentes. A carteira é voltada para investidores qualificados, ou seja, com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras.

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De olho na responsabilidade dos cotistas, advogados procurados pelo InfoMoney defendem que o investidor poderá ser chamado para aportar capital até o limite das suas cotas. Para que isso ocorra, o administrador – o próprio Pátria Investimentos – terá que convocá-los.

“Por enquanto, os cotistas estão devendo para o fundo. Cota positiva gera direito e cota negativa gera obrigação”, diz Guilherme Guerra, especialista em mercado de capitais do escritório de advocacia Vernalha Pereira.

Na visão de Guerra, o investidor será chamado a alocar porque o regulamento foi escrito antes da vigência da Instrução 175 da CVM, que trata de várias mudanças no regramento dos fundos de investimento e que entrará em vigor em outubro.

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Segundo a nova norma, se o patrimônio líquido do fundo ficar negativo, o investidor não será mais obrigado a fazer aportes adicionais, porque sua responsabilidade será limitada ao capital subscrito, desde que isso esteja indicado no regulamento.

Assim, em casos como o do FIP do Pátria, o cotista não ficará mais “devendo”, explica o especialista do Vernalha Pereira. Se o fundo quebrar e declarar insolvência, o investidor perderá todo o dinheiro inicialmente aportado.

Henrique Machado, ex-diretor da CVM e sócio do Warde Advogados, também argumenta que a nova regulamentação faria com que os investidores não tivessem que arcar com custos para além da cota.

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Por outro lado, há quem defenda que o regulamento do fundo do Pátria não traz informações claras sobre uma eventual responsabilização e, por isso, mais do que nunca, é preciso ler com atenção o documento antes de investir, como afirma o sócio da área de mercado de capitais do Costa Tavares Paes Advogados, Gustavo Dezouzart.

É importante os investidores lerem os regulamentos dos fundos em que pretendem investir para verificar se consta previsão expressa que trate de responsabilidade limitada ou não dos cotistas. Em um momento de crise, isso faz toda a diferença

Gustavo Dezouzart, sócio da área de mercado de capitais do Costa Tavares Paes Advogados

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O InfoMoney entrou em contato com o Pátria Investimentos para verificar se havia interesse em arcar com os valores, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a gestora está tentando negociar com os cotistas.

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Entenda o caso do fundo do Pátria

O Pátria Investimentos chamou a atenção do mercado nesta semana ao publicar um fato relevante informando que as cotas do fundo Pátria Special Opportunities II Fundo de Investimento em Participações (FIP) Multiestratégia sofreram um ajuste negativo de 2.952%.

No documento, a companhia alegou que a mudança é reflexo do “desinvestimento integral” da holding Portfolio Centro Sul S.A. e de seus quatro shoppings centers nas cidades de Taubaté (SP), Lages (SC), Varginha (MG) e Bragança Paulista (SP).

Fontes a par do assunto afirmaram ao InfoMoney que o fundo foi criado com objetivo único de tentar “salvar” a Portfolio Centro Sul, que passou por uma série de dificuldades após anos de crise econômica no Brasil e com o fechamento de serviços que não eram essenciais durante a pandemia. O FIP Pátria Special Opportunities é um fundo monoativo que se dedicava a alocar apenas em shoppings centers.

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Segundo elas, o desinvestimento ocorreu por meio do que o mercado chama de “porteira fechada”, em que o fundo vende a participação em uma empresa e o novo proprietário assume todos os ativos, passivos e obrigações da holding e dos shoppings centers.

Nos bastidores, a informação é de que os cotistas já estavam sendo avisados sobre o impacto grande que veriam nas cotas e sobre as consequências de uma tese que tinha “dado errado”, como a gestora defendia em reuniões internas.

Segundo as fontes ouvidas pelo InfoMoney, o Pátria teria admitido que os maiores problemas envolviam a parte operacional e a estrutura de capital da Portfolio Centro Sul. Segundo elas, os empreendimentos foram construídos antes da crise de 2016, mas demoraram muito para maturar com a recessão e a pandemia.

Outro fator que atrapalhou é que havia uma expectativa de que o financiamento da estrutura de capital dos shoppings ocorresse por meio de linhas de financiamento subsidiada, o que não ocorreu devido ao cenário local da época.

Segundo informações disponíveis nas demonstrações financeiras do fundo, o produto possuía 2.066 ações ordinárias da Portfolio Centro Sul em dezembro de 2022 – o que representava cerca de 41% do capital subscrito da companhia. Os documentos, porém, não informam o percentual que a alocação representava em relação ao patrimônio líquido do fundo.

Em um trecho do documento enviado pela EY, auditoria independente, no fim do ano passado, fica claro que a companhia passava por problemas.

No relatório, o auditor afirma que, como a Portfolio Centro Sul Participações não possuía imóveis a serem avaliados para a composição do ativo e determinação do valor justo da empresa, a empresa teve que considerar os seus ativos líquidos. “Ensejando um valor justo para o fundo de R$ 0 em 31 de dezembro de 2022”, observou a EY.

Os problemas com a Portfolio Centro Sul trouxeram fortes perdas para o produto, que acumulou rentabilidades negativas de -97,32% em 2022 e de -53,31% em 2021, segundo relatório apresentado nas demonstrações financeiras.

Para além do Pátria Special Opportunities II Fundo de Investimento em Participações (FIP) Multiestratégia, seis outros fundos da casa tinham exposição ao Portfolio Centro Sul.

Nesse caso, fontes ouvidas pelo InfoMoney disseram que a gestora teria utilizado o dinheiro do caixa dos outros produtos para arcar com o prejuízo referente ao desinvestimento na empresa – o que não foi possível no caso do Pátria Special Opportunities, porque não havia mais caixa.