Interesse por ativos de risco cresce, mas investimento ainda é baixo; está na hora de rebalancear a carteira?

Melhora do cenário local favorece exposição a ativos de risco, com seletividade; queda da Selic põe small caps e empresas sensíveis a juros em evidência

Bruna Furlani

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A possibilidade de queda de juros no curto prazo e o tom mais otimista com os mercados locais impulsionaram um desejo de volta dos investidores para ativos de risco nas últimas semanas, após meses de bonança em aplicações de renda fixa.

É o que mostra levantamento da XP com assessores de investimento entre os dias 7 e 14 de junho. O percentual de clientes que pretendem aumentar a alocação em renda variável cresceu de apenas 9% em maio para 49% em junho.

Apesar do aumento do interesse, os investidores ainda demonstram cautela para assumir uma posição maior em renda variável local. De acordo com o estudo, 76% dos clientes possuem entre 0% e 25% de alocação em ativos de maior risco.

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Mesmo com a melhora do humor na Bolsa no segundo trimestre e a mudança no tom adotada por gestores de recursos renomadas – que até poucos meses atrás se mostravam pessimistas com os ativos locais, a grande dúvida dos investidores é se agora é o momento de aumentar a exposição ao risco.

Para a maior parte dos especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o cenário atual é favorável para colocar um pouco de “pimenta” das carteiras, sem retirar completamente a renda fixa do portfólio.

Na visão do estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, um dos maiores impulsos para a volta ao risco é a queda da Selic. “Está bem sinalizado que vai ter corte de juros em breve. Vai ficar cada vez mais atrativo voltar para a renda variável”, avalia.

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Na ata divulgada nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central disse que houve uma divergência entre os membros do colegiado. Apesar disso, a autoridade informou que a posição predominante foi de que a continuação da desinflação daria mais confiança para o início do ciclo de corte de juros, com parcimônia, a partir da próxima reunião, em agosto.

Para quem possui um perfil mais propenso ao risco, o estrategista da RB destaca que houve um fechamento expressivo da curva de juros, e os investidores podem aproveitar o momento para realizar a venda antecipada de alguns títulos públicos e aumentar a parcela da alocação em renda variável – sempre com cautela.

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Isso porque quem comprou títulos no ano passado, por exemplo, o fez com preços mais baixos. Agora, com a queda dos juros, a tendência é de que a remuneração oferecida pelos papéis recue e os preços subam, o que proporcionaria ganho com a venda antes do vencimento.

Embora defenda que o corte de juros aumenta a atratividade da renda variável, a chefe de economia na Rico Investimentos, Rachel Sá, pondera que os investimentos de renda fixa não perderam totalmente o prestígio.

Em relatório, ela observa que uma eventual queda da Selic é positiva para títulos atrelados à inflação e prefixados, especialmente de prazo alongado. Para Rachel, o recuo dos juros no curto prazo tende a aumentar atratividade dos papéis de longo prazo comparativamente – afinal, quanto maior o vencimento, maior tende a ser o retorno exigido pelo investidor.

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Outro fator que mantém a atratividade é que não há espaço para uma queda brusca da Selic até patamares abaixo de dois dígitos tão cedo. “Esperamos que a Selic alcance 11,00% no primeiro trimestre de 2024, e siga nesse patamar até ao menos o fim do ano”, disse Rachel.

A queda gradual da Selic deve fazer com que o processo de volta para o risco também seja mais demorado. Rodrigo Melo, da ASA Investments, lembra que ainda é possível verificar resgates em fundos de ações e multimercados, o que ajuda a gerar um fluxo contrário.

Números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que os fundos de ações e multimercados já registraram R$ 37,6 bilhões e R$ 55,7 bilhões em saques líquidos no acumulado deste ano até dia 23 de junho.

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“À medida que as pessoas forem notando que estão recebendo um CDI de 11% ou 9% é que elas vão começar a se deslocar para o risco. Tem um fluxo que tende a acontecer ao longo do tempo”, diz o estrategista.

Rali da Bolsa e oportunidades à vista

Embora a Bolsa brasileira tenha registrado um rali nos últimos meses, Melo defende que ainda há espaço para alta, porque o prêmio de risco está “barato” comparado ao histórico.

Em um cenário de recuo da Selic, o profissional lembra que as ações que mais devem ser beneficiadas são as mais sensíveis a juros, com fluxo de caixa mais longo, além de small caps (empresas de menor valor de mercado).

“Primeiro, os investidores vão nas companhias mais líquidas, ou seja, nas blue chips. À medida que o cenário vai clareando, esse movimento vai se espalhando para empresas que ficaram para trás e que são menos líquidas, como as small caps“, avalia Melo.

A carteira recomendada da Rico Investimentos para o mês de julho, por exemplo, possui duas companhias de menor valor de mercado: Mills (MILS3) e Vulcabras (VULC3). Ambas entraram agora na carteira, juntamente com os papéis do Itaú Unibanco (ITUB4) e da Alupar (ALUP11).

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Estrangeiro mais positivo

O maior otimismo com a Bolsa não é exclusividade de casas brasileiras. Em evento nesta semana, a BlackRock defendeu que o momento atual pode ser favorável para a renda variável local. Atualmente, a preferência da gestora dentro do mercado acionário está em países emergentes em detrimento de nações desenvolvidas.

Na ocasião, o estrategista-chefe de investimentos para a América Latina da gestora, Axel Christensen, lembrou que o país saiu na frente ao começar o aperto monetário e que agora está se preparando para cortar os juros. A casa acredita que o Copom deve iniciar o ciclo de afrouxamento monetário, a partir de agosto, de forma gradual com um corte de 0,25 ponto.

Apesar de defender que taticamente o fluxo estrangeiro para emergentes está mais positivo para Brasil, a BlackRock admite que há competição e o maior adversário hoje é o México.

Ao comentar sobre as oportunidades, a CEO da gestora no Brasil, Karina Saade, disse que o Brasil possui “maior profundidade”, mas que o México está mais próximo dos Estados Unidos e isso leva o investidor americano a se sentir mais confortável em alocar por lá.

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Embora a posição geográfica ajude os mexicanos, a executiva disse que muitos estrangeiros estão alocando aqui como uma forma de apostar indiretamente na reabertura da China, já que há uma tensão geopolítica no ar entre americanos e chineses.

Cautela com companhias alavancadas

A XP também tem uma visão mais positiva para a Bolsa, mas diz que é preciso adicionar risco ao portfólio de forma seletiva.

Em documento enviado a clientes, os especialistas Fernando Ferreira, Jennie Li, Julia Aquino e Rebecca Nossig destacaram que as taxas de juros ficarão em dois dígitos por um tempo, o que significa cautela com empresas altamente endividadas. Além disso, o cenário local e internacional ainda inspira cuidados.

“O ruído político continua no radar, com a reforma tributária potencialmente sendo discutida em breve. E, é claro, ainda existe o risco de recessão no exterior, com o crescimento econômico dos Estados Unidos desacelerando”, acrescentaram.

De olho no stock picking, os especialistas rodaram alguns estudos e perceberam que ações dos setores de papel e celulose, mineração e siderurgia, além de varejo, transporte e bens de capital tendem a se sair melhor em ciclos de corte de juros.

Nesse sentido, alguns dos papéis que poderiam apresentar melhor desempenho são os da Cury (CURY3), Cyrela (CYRE3), Grupo Soma (SOMA3), Hidrovias do Brasil (HBSA3), Locaweb (LWSA3) etc.

Fundos multimercados

O maior otimismo com o Brasil também engloba fundos multimercados. Após um começo de ano mais complicado, com parte da indústria perdendo para o CDI, as perspectivas para os próximos meses são um pouco melhores, com uma “onda mais positiva para ativos domésticos”, diz Melo, da ASA Investments.

Para o especialista, um dos grandes problemas do desempenho dos multimercados no primeiro semestre é que havia uma expectativa de uma recessão global, o que não se concretizou.

João Arthur Almeida, CIO da Suno Wealth, diz que os gestores estavam com uma posição muito pessimista no exterior, mas o bull market (alta forte) das bolsas americanas “desafiou a lógica”.

Outro fator que pode ter pesado para os multimercados foi o atraso em montar posições em Bolsa local. “Foi um ‘cavalo selado’ que pouca gente aproveitou”, diz Almeida.

Apesar dos erros, o executivo acredita que as ações brasileiras são os ativos que possuem maior espaço para valorização agora, já que a Bolsa está descontada e os juros futuros já precificaram boa parte da queda da Selic.