Gestor brasileiro busca empresas com 50% de retorno em fundos de ações europeias com US$ 9,5 bilhões

Dinamarquesa Novo Nordisk, alemã SAP e holandesa Prosus se destacam entre principais posições do long biased Fidelity Europe Advisory

Lucas Bombana

(Getty Images)

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SÃO PAULO – As perspectivas que se desenham positivas para 2021 por conta das vacinas e dos estímulos fiscais e monetários fizeram a atenção dos investidores se voltar nas últimas semanas para as ações a preços atrativos que ficaram para trás na crise em detrimento às de tecnologia.

Nesse ambiente, as bolsas europeias despontaram como um dos alvos preferenciais dos grandes bolsos globais, ao unir a segurança dos países desenvolvidos com papéis de caráter mais cíclico.

Para o brasileiro Fábio Riccelli, responsável por uma estratégia de ações europeias com US$ 9,5 bilhões na Fidelity International, esse movimento recente de rotação, da tese de crescimento para de valor, passou batido.

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Isso porque o foco do especialista está em encontrar empresas que combinem as duas filosofias, de crescimento secular que independe do ciclo da atividade, mas a preços atrativos, por costumeiramente estarem fora do radar da maior parte do mercado.

“Investimos quando o valor intrínseco está bem acima do preço no mercado, com margem de segurança para controlar o risco. Mas em empresas de qualidade, com crescimento dinâmico”, afirma Riccelli, que diz que só compra uma ação se enxerga potencial de valorização de 50%, pelo menos, no longo prazo.

Após estudar na juventude em escola de origem britânica na capital paulista, Riccelli foi fazer faculdade de economia e finanças na Universidade de Manchester, na Inglaterra.

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E foi por lá que conseguiu o primeiro emprego depois de formado, já na Fidelity, em 1998, onde está desde então.

Primeiro em Londres, como analista de ações, onde assumiu, em 2008, a gestão da estratégia de ações europeias que segue sob sua responsabilidade até hoje.

Em 2011, quando a gestora decidiu abrir um escritório comercial em São Paulo, Riccelli indagou o empregador sobre a possibilidade de ficar baseado na capital paulista, o que lhe foi permitido.

Com isso, hoje ele é o único profissional de gestão de investimento da asset no Brasil. No entanto, pelo escopo de atuação, normalmente, a cada mês, uma semana ficava reservada à visita in loco de empresas no velho continente. Com a pandemia, naturalmente a rotina se alterou.

Confira a seguir os principais trechos da conversa com o gestor da Fidelity International, asset com cerca de US$ 570 bilhões em ativos. A gestora focada nos mercados europeu e asiático foi fundada em 1969 pela família Johnson, a mesma que em 1946 havia fundado a Fidelity Invesments, uma das maiores gestoras globais, com cerca de US$ 3,3 trilhões e voltada para o mercado americano.

Foco no micro

Segundo Riccelli, os fundos sob sua responsabilidade seguem uma filosofia de investimento “bottom-up”, em que o cenário macro, grosso modo, pouco importa para as posições, que ficam entre quatro a cinco anos no portfólio, em média.

“A gente praticamente ignora o macro”, diz o especialista. O aspecto micro e as vantagens competitivas são muito mais importantes para a tomada de decisão, afirma o gestor.

“Procuramos investir quando o principal fator é endógeno para o crescimento da empresa, e não exógeno.”

Até mesmo por conta dessa filosofia de investimento, a pandemia do coronavírus influenciou de maneira bastante marginal o portfólio. “Aproveitamos para aumentar a exposição na Infoma PLC, que ficou muito barata”, resume Riccelli.

A empresa sediada em Londres organiza grandes eventos e feiras de negócios ao redor do mundo, e, como é de se imaginar, viu os papéis serem um dos mais penalizados no auge da crise.

Com as vacinas e a volta à uma normalidade pré-pandemia que se espera para 2021, contudo, a empresa se mantém como uma das apostas na carteira.

Grandes temas

Historicamente, explica o gestor da Fidelity, o portfólio é dividido em quatro setores – tecnologia, saúde, consumo e industrial.

Entre os principais nomes na carteira, ele cita a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, e as alemãs SAP, fabricante de softwares de gestão empresarial, e Beiersdorf, controladora da Nivea.

A holandesa Prosus, uma das maiores acionistas do Ifood, as britânicas Experian, dona da Serasa, e British American Tobacco (BAT), bem como a francesa Edenred, controladora da Ticket Serviços, também compõem a carteira do fundo.

O foco em empresas de saúde já vem de antes da pandemia do coronavírus, e se atenta ao processo de envelhecimento global da população, acompanhado de uma maior incidência de diversas doenças.

A Novo Nordisk, exemplifica o especialista, fabrica produtos para o tratamento do diabetes, e passou a atuar mais recentemente com emagrecedores.

No setor de tecnologia, um dos temas no radar são as empresas em processo de migração do modelo de venda de licenças para o de serviço na nuvem, como a SAP, “um negócio muito mais lucrativo”, afirma Riccelli.

Ainda no campo tecnológico, o gestor também tem voltado a atenção aos negócios de meios de pagamento, como a francesa Worldline.

Aposta no tabaco

Já no setor de consumo, estão nomes como da alemã Beiersdorf, controladora da Nivea, e da holandesa Prosus, uma das principais acionistas do Ifood.

Ainda que o preço dos ativos seja um dos pilares na análise dos investimentos, e embora reconheça que o setor de e-commerce negocie a múltiplos elevados, Riccelli ressalta que é preciso levar em consideração o elevado potencial de crescimento esperado para os próximos anos.

Por isso, afirma o gestor da Fidelity, muitas vezes um papel que negocia a múltiplos mais altos não necessariamente está mais caro do que aquele com números, à primeira vista, mais em conta.

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Também devido à expansão de lucros aguardada para o médio e longo prazo, e tendo em vista os preços bastante descontados das ações, que Riccelli afirma carregar posições na British American Tobacco (BAT) e na sueca Swedish Match, ambas do setor tabagista.

“Cerca de 6% do fundo está em empresas de tabaco, e por uma razão simples: são grandes negócios”, diz o especialista, que vê os papéis sendo negociados a níveis muito atrativos, em parte, pelo aumento do apelo do filtro ESG (ambiental, social e de governança) entre alguns investidores. “As empresas estão ridiculamente baratas.”

Embora o volume total de venda de cigarros venha em queda nos últimos anos, o movimento é mais do que compensado pelo aumento dos preços, bem como pelo lançamento de novos produtos, como os vaporizadores, assinala Riccelli.

Tática do cancelamento

O fundo “Fidelity Europe LB Advisory Euro FIC FIA IE”, o primeiro disponível ao investidor brasileiro de uma das maiores gestoras do mercado internacional, segue a estratégia long biased.

Sendo assim, sua estrutura permite ao gestor assumir posições compradas (que apostam na alta) em ações correspondentes a até 130% do risco total do fundo, além de vendidas (que apostam na queda) com limite máximo de 30% da carteira.

Entre as apostas vendidas, Riccelli prefere não citar posições individuais, mas diz enxergar perspectivas desafiadoras para o setor de telecomunicações.

Em uma analogia que toca a quase todo usuário de serviços de banda larga e TV por assinatura, o gestor da Fidelity lembra que, ao ameaçar cancelar a assinatura, é muito comum que a empresa ofereça condições mais vantajosas para tentar reter o cliente.

Em outras palavras, as companhias de telecom precisam oferecer cada vez mais serviços frente à uma concorrência que não dá trégua, sem aumentar o valor cobrado de maneira proporcional, afirma.

Também por conta de uma concorrência cada vez mais acirrada, principalmente oriunda da Ásia emergente, que empresas europeias do setor de eletrodomésticos também fazem parte da carteira vendida.

Nos 12 meses encerrados em novembro, o fundo avança 5,8%, contra uma queda de 3,6% do benchmark MSCI Europa. Em 36 meses, os ganhos do fundo são de 45,7%, contra 7,3% do índice de referência.

Otimismo cauteloso

Apesar do apetite por risco em alta dos investidores observado de maneira mais aguda nas últimas semanas, embalado pelo crescimento robusto esperado para 2021, Riccelli diz que tem preferido adotar uma visão mais cautelosa.

O real efeito dos estragos causados pela pandemia, afirma, só serão conhecidos, de fato, em meados de 2021, conforme diminuírem os estímulos fiscais e monetários.

Assim como no Brasil, as consequências dos pacotes de ajuda nos balanços dos governos europeus também estão entre as maiores preocupações dos investidores dedicados à região, diz Riccelli.

E com o endividamento em patamar já tão elevado, fica muito limitado o espaço para novos investimentos estatais, de modo a reaquecer a atividade, afirma o gestor da Fidelity.

“A política monetária adotada na crise não criou inflação, mas inflacionou os ativos, e uma hora ou outra vai ter que ser retirada.”

Quando esse processo tiver início, provavelmente no momento em que a inflação começar a dar sinais mais contundentes de alta, o aumento das taxas de juros poderá ser o prenúncio de uma nova recessão, prevê o especialista.

Bola de neve

Em relação ao Brasil, o gestor da Fidelity lembra que carrega empresas com presença importante na região dentro do portfólio, como a Beiersdorf (Nivea) ou a Edenred (Ticket Serviços), mas ressalta que não acompanha as ações da Bolsa local.

De todo modo, no quadro mais macro, a dificuldade dos países da Europa em lidar com o endividamento crescente ganha ares ainda mais preocupantes no caso brasileiro, um país emergente com uma relação entre dívida e PIB que beira os 100%, diz o especialista.

“A situação fiscal é terrível, e a política não consegue as reformas necessárias para colocar a casa em ordem”, afirma Riccelli, que teme o risco de uma nova década perdida à frente para o país se nada for feito, com o dragão da inflação de volta, e, como de costume, com o maior impacto sobre a população de menor poder aquisitivo. “Se não tomar cuidado, pode virar uma bola de neve.”

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