Fundo de “impacto” rema contra maré negativa no crédito e aumenta caixa, de olho em oportunidades

Após período de forte turbulência, Daniela de La Torre conta que começou a ter "um pouco mais de esperança" e a olhar de novo para o mercado primário

Bruna Furlani

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Os abalos provocados por problemas envolvendo Americanas (AMER3) e Light (LIGT3) levaram a um forte movimento de resgates e diminuição do patrimônio líquido de fundos de crédito privado nos últimos meses — algo que agora parece perder força.

Na contramão de parcela da indústria que acumulou mais saídas do que entradas, um fundo de impacto da Vox Capital conseguiu captar e atrair investidores de plataformas de investimento. De janeiro a junho deste ano, a casa conta que o Vox Desenvolvimento Sustentável acumulou depósitos líquidos de R$ 2 milhões.

O valor pode até parecer pequeno, mas vai na direção contrária do resto do setor. Segundo dados levantados pela Comdinheiro e a gestora Legacy Capital, resgates líquidos em fundos de renda fixa crédito privado somaram R$ 6,5 bilhões em junho, contra R$ 9,6 bilhões em maio e R$ 16,7 bilhões em abril.

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Pelo levantamento, é possível perceber que o mês de maior saída líquida foi em março, no valor de R$ 21,3 bilhões.

Uma das possíveis explicações para o fundo da Vox ter conseguido driblar a maré negativa está nos investidores desse tipo de produto, que tendem a ser mais engajados e resilientes, como explica a gestora Daniela de La Torre.

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“É um público que questiona, pergunta o porquê de uma empresa estar ali. Foi um passivo bem resiliente em um momento de crise”, destaca a executiva. Atualmente, o número de cotistas que vieram de plataformas é de 207 – o que representa mais de 90% do total.

Nada de Americanas e Light na carteira

Embora seja um produto jovem – acabou de completar um ano —, a casa conta que uma das vantagens é que a gestora também não possuía títulos ligados à Americanas ou Light. A razão é que ambas não tinham sido totalmente aprovadas na metodologia utilizada pela Vox, que tem como base os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Vimos problemas com fornecedores e em uma frequência mais elevada, no caso da Americanas. Encontramos também muitos processos trabalhistas”, observa a profissional.

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Já no caso de Light, a maior questão estava na parte financeira. A gestora diz que analisou o balanço e que percebeu que a eficiência operacional da companhia “deixava a desejar” em relação aos pares do setor.

Antes de entrar na carteira, a Vox também costuma realizar uma análise das “controvérsias” em torno de uma empresa, como foi o caso de Americanas.

Para isso, Daniela conta que a gestora busca notícias que envolvem a companhia e que abordam alguns tópicos, como: problemas com gestão hídrica, gestão ambiental, condições de trabalho e relacionamento com o entorno, além de fraudes e questões mais ligadas à competição, como se há um monopólio ou não etc.

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“São critérios que avaliamos. Vamos colocando palavras e usamos uma ferramenta que busca o nome da empresa e as palavras que mapeamos”, diz.

A gestora conta que toda semana são feitas discussões sobre os resultados mostrados pela ferramenta e que ao fim de cada semestre, um comitê se reúne para discutir o histórico e criar um consenso sobre determinada empresa.

De olho no portfólio

Entre as companhias investidas atualmente estão nomes como Aegea e Ambipar (AMBP3). No primeiro caso, Daniela diz que a empresa está na carteira porque presta um serviço que está relacionado ao objetivo número seis da ONU, que envolve garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos.

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Para ela, o grande destaque é a empresa possuir um “serviço de qualidade” no setor de saneamento, que vai desde a coleta até o tratamento.

Já com relação à Ambipar, que opera no setor de valorização de resíduos, Daniela avalia que o grande chamariz está na sua capacidade de gestão de resíduos e na produção de filtros para casos de vazamentos.

Além de debêntures, o fundo investe em letras financeiras. Como exemplo, a gestora cita o caso do Sicredi, instituição financeira cooperativa.

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O papel está ligado a dois objetivos da ONU: dois e sete. O primeiro, porque a instituição trabalha com financiamento de crédito rural – o que ajuda a erradicar a fome e a alcançar uma agricultura mais sustentável. Já o segundo, porque oferece financiamento para projetos que envolvem energia renovável.

Atenção a oportunidades

Após um período de forte turbulência no mercado, Daniela conta que começou a ter um “pouco mais de esperança” com a diminuição dos resgates e com o reaquecimento do mercado primário, que ficou praticamente fechado durante boa parte do ano.

O mês de junho, por exemplo, foi o de maior captação de debêntures no ano, com as ofertas somando R$ 25,3 bilhões. Mas, ao olhar a janela semestral, é possível perceber que o mercado ficou bastante restrito. O volume emitido nos seis primeiros meses do ano chegou a R$ 78,1 bilhões – uma queda de 42% em relação ao mesmo período do ano passado.

A executiva afirma que tem acompanhado as últimas ofertas do mercado primário, mas que ainda não participou de nenhuma. O olhar tem sido mais apurado para debêntures de setores mais resilientes como energia elétrica, saneamento e serviços hospitalares.

Atualmente, a casa possui posição também em companhias como Sabesp, Rede D’Or, Energias do Brasil e AES, por exemplo.

De olho em novas oportunidades, a Vox está com o caixa mais elevado após reduzir uma alocação em Rede D’Or e Delboni em maio deste ano. “Temos que ficar de olho para ver se tem algum fluxo que valha a pena”, destaca Daniela.

Mesmo com o retorno de 5,33% no ano até junho, ou seja, abaixo do CDI (taxa de referência da renda fixa) durante o mesmo período, ela acredita que o segundo semestre será melhor. “Entendemos que o BC terá que tomar uma decisão técnica e que deve ter uma redução de juros no segundo semestre”, diz.

Outra fonte de esperança está na normalização das captações. Para ela, a expectativa de volta dos depósitos líquidos, juntamente com a redução dos juros, poderiam fazer com que o mercado entrasse em um ciclo mais virtuoso.

“Está fraco ainda em termos de emissão. Tem a questão de humor do mercado, a discussão do Fed [banco central americano] sobre os juros. Mas acho que as emissões vão voltando e quando o BC cortar, isso será um incentivo a mais”, conclui.