FIIs com poucos cotistas negociam imóveis e amortizam cotas; movimento antecipa tributação de dividendos?

Analistas são cautelosos e, por enquanto, relacionam os negócios à necessidade de liquidez e oportunidades de mercado

Wellington Carvalho

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A consolidação observada no mercado de FIIs pode ter ganhado recentemente novos protagonistas. Pelo menos três fundos imobiliários negociaram nas últimas semanas a venda do portfólio ou a amortização das cotas – devolução de patrimônio.

Embora a liquidação de fundos não seja exatamente uma novidade em um segmento cada vez mais concentrado, um ponto em comum chama a atenção nas recentes transações: a pequena base de cotistas destes FIIs, tema que ganhou destaque nos últimos meses com a medida provisória (MP) dos fundos exclusivos.

O texto elevava de 50 para 500 o número mínimo de cotistas que um fundo imobiliário deveria contar para oferecer dividendos isentos. Mais tarde, o substitutivo apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) – que ficou conhecido como projeto de lei das “offshores” – reduziu o piso para 300.

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Na avaliação de Arthur Losnak, head de FIIs do TC, ainda é cedo para relacionar a possível liquidação de alguns fundos com a nova regra que sequer foi aprovada. O especialista reconhece, porém, que a discussão pode influenciar nos próximos passos das carteiras.

“Eu acho precipitado tomar uma decisão antes de ter a lei escrita”, pondera. “[Mas pode ser] um momento de decisão se a tese [do fundo já] é difícil e agora tem o debate sobre a regulação”, reflete o especialista.

Foi o que sinalizou o FII Inter Títulos Imobiliários (BICR11). Com dificuldades para a expansão do fundo, a gestão anunciou no final do mês passado uma amortização parcial no valor de R$ 18 milhões.

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Entre as justificativas para a medida, os gestores citaram a baixa liquidez – volume de negociação – da carteira e a atual base de cotistas.

“O fundo está listado desde dezembro de 2019 e verifica-se um baixo volume de negociações de suas cotas no mercado secundário”, confirma o documento, que inclui o número de investidores também como um desafio para o fundo. “Atualmente possui pouco mais de 500 cotistas”, destacava o texto.

O BICR11 tem hoje precisamente 526 cotistas e o fato relevante sobre a amortização das cotas foi divulgado antes do substitutivo do deputado Pedro Paulo.

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O que explica as recentes transações?

Levantamento recente do InfoMoney com dados do StatusInvest – plataforma de informações financeiras – aponta que dividendos de pelo menos 159 fundos seriam tributados, mesmo com a redução de 500 para 300 cotistas.

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Neste novo recorte, o rendimento do FII Legatus Shoppings (LASC11) se manteria isento com seus atuais 390 investidores. No entanto, a carteira analisa atualmente propostas para a venda das frações dos dois empreendimentos que possui.

O FII tem 49% de participação no Parque Shopping Belém (PA) e 25% do Boulevard Campos (RJ). A venda das frações poderá significar o fim do fundo.

Caio Araújo, analista da Empiricus, também evita relacionar a transação com a mudança na regulação dos fundos imobiliários, mas não descarta que as discussões atuais podem colaborar com a consolidação do mercado.

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“Pode acontecer, mas eu não vejo como um efeito perceptível”, pontua. “O movimento (recentes negociações) está mais associado à necessidade de liquidez de alguns gestores, além da oportunidade de fundo maiores adquirirem portfólios menores com desconto”, explica.

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Entrave aos novos segmentos

Com mais de 2,3 milhões de investidores, os fundos imobiliários têm entre seus principais atrativos a distribuição de dividendos isentos de Imposto de Renda.

Mas para garantir a isenção do IR para a pessoa física o fundo precisa cumprir três regras atualmente:

O texto da MP 1.184/2023 e o substitutivo do deputado Pedro Paulo alteram exatamente a terceira regra, da quantidade de cotistas – previstas na Lei 11.033, de 2004.

Araújo reconhece que, por um lado, a atualização da regra livra a maior parte do mercado da tributação – já que os principais FIIs da Bolsa operam com muito mais investidores. No entanto, ele vê prejuízo para o desenvolvimento de novos segmentos.

“Muitos destes fundos hoje com menos de 50 cotistas são estratégias específicas”, explica. “[Com o aumento do piso de cotistas], eleva a barreira de entrada para essas novas estratégias”, prevê.

Losnak concorda e lembra que, normalmente, um fundo leva um bom tempo para crescer em número de cotistas e, consequentemente, consolidar um novo segmento. São exceções os fundos ou setores que cresceram rápido, diz.

O analista do TC cita o exemplo do residencial para renda, bastante difundido em mercados como o dos Estados Unidos, mas que no Brasil ainda não decolou.

E além de não avançar, o segmento de FIIs residenciais ainda sofreu uma baixa nas últimas semanas. O CSHG Residencial (HGRS11) finalizou a venda do portfólio do fundo, composto por 43 apartamentos do edifício JML 747 e 67 apartamentos do FL 125 – ambos imóveis na capital paulista.

Pelos espaços, o fundo – que contava apenas com 6 cotistas – recebeu o montante de R$ 233 milhões, valor 42,9% superior ao total investido pela carteira e 14,4% acima do laudo de avaliação dos empreendimentos.

De acordo com a equipe de gestão do HGRS11, o negócio gerou um ganho de capital de quase R$ 70 milhões, equivalente a aproximadamente R$ 46,85 por cota.

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Wellington Carvalho

Repórter de fundos imobiliários do InfoMoney. Acompanha as principais informações que influenciam no desempenho dos FIIs e do índice Ifix.