De Mercado Livre a Vale: a visão por trás dos investimentos da Dynamo, uma das gestoras mais tradicionais (e bem-sucedidas) do país

“A inovação acelerada que está tomando conta do mundo dos negócios está provocando uma mudança na maneira de investir"

Giuliana Napolitano Thiago Salomão

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SÃO PAULO – Fundos mal geridos, ou que cobram altas taxas, corroem o patrimônio dos investidores. Mas os destaques do mercado são capazes de produzir milionários. Um desses destaques é o Dynamo Cougar.

Esse fundo de ações, da gestora Dynamo, é um dos mais antigos – foi lançado em setembro de 1993 –, maiores – tem um patrimônio aproximado de R$ 5 bilhões – e mais rentáveis do mercado.

Desde que foi criado, rendeu cerca de 24.000% em termos reais, descontada a inflação medida pelo IPCA no período. Isso significa que quem investiu no Cougar lá atrás tem hoje R$ 2,4 milhões.

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No mesmo período, o Ibovespa rendeu 520% em termos reais.

A Dynamo surgiu numa época em que investir em ações no Brasil era quase um jogo de azar. Sua filosofia sempre foi a do value investing – em resumo, investir em ações de empresas com bons fundamentos, bem geridas, e que sejam negociadas a preços atrativos, com um horizonte de longo prazo.

Nesta entrevista, uma das poucas concedidas pela gestora, os sócios da Dynamo falam sobre os desafios do value investing no cenário atual, em que a inovação acelerada no mundo dos negócios torna mais difícil medir o valor das empresas ao longo do tempo.

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Falam também sobre o desafio que foi gerir recursos em 2020. O Dynamo Cougar chegou a cair 41% em março, pouco mais que a baixa de 39% do Ibovespa.

No meio da crise, os gestores “voltaram para a prancheta”, e o resultado nos meses seguintes foi uma valorização de 110%, enquanto o Ibovespa subiu 68%.

O Dynamo Cougar é um dos finalistas do ranking InfoMoney-Ibmec de melhores fundos do mercado, que analisa as carteiras em termos de retorno ajustado ao risco.

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Veja abaixo os principais trechos da entrevista. Não há um gestor destacado na entrevista, e é proposital. A Dynamo diz que essa é a visão da gestora, e não de alguém em particular.

Retorno ajustado ao risco

“Nossa atuação em 2020, um ano bastante complicado, mostra pontos importantes do nosso jeito de pensar e investir.

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Começamos 2020 razoavelmente otimistas por algumas razões. Em 2015 e 2016, havíamos passado por um período de recessão no Brasil. Por conta disso, as melhores companhias, mais bem preparadas, fizeram um baita dever de casa interno, de redução de custos e melhoria operacional.

Ao longo de 2019, começamos a ver um ambiente de negócios mais favorável no Brasil. Os juros estavam caindo e havia uma menor instabilidade política – sem entrar no mérito se o governo era bom ou não.

Olhando para as companhias, que é como analisamos o mercado para tomar decisões, acreditávamos que era possível que houvesse novos investimentos. Além disso, a queda dos juros poderia trazer uma demanda que nunca havíamos experimentado.

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Olhando pelo retrovisor, cometemos um erro na partida – erro que provavelmente vamos cometer outras vezes. Demoramos para ver a pandemia chegar, fomos perceber lá para março.

Quando percebemos que o impacto seria relevante, algumas coisas ficaram clara. Não tínhamos a menor ideia de quanto tempo a pandemia iria durar, e precisávamos readequar o portfólio em função disso.

Dependendo da profundidade da crise, as empresas, por melhor que fossem, se estivessem na estrutura de capital errada, teriam problemas e os acionistas seriam espremidos. Tudo caminhava para haver um problema de liquidez.

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Voltamos para a prancheta e passamos a avaliar todos os negócios do ponto de vista da estrutura de capital e do modelo de negócios.

Tínhamos posição relevante em BR Malls (administradora de shoppings), e reduzimos bastante. A pandemia acelera um processo que já estava em curso, de expansão do e-commerce.

Antes das mudanças provocadas pelo coronavírus, esse processo seria longo e demorado, e o preço das ações refletia isso. Depois, o risco aumentou, porque a digitalização passou a acontecer de forma acelerada, então reduzimos a exposição.

Tínhamos ainda uma posição em Intermédica, empresa de planos de saúde que admiramos muito. Mas vimos, na Inglaterra, um governo superliberal fazer a estatização do sistema de saúde porque precisava atender a sociedade.

Passamos a ter receio dos impactos de medidas do governo nas empresas de saúde aqui. Achamos que não fazia sentido investir dado que existia um risco que não conseguíamos mensurar.

Visto hoje, erramos, mas não no processo. As ações da Intermédica caíram e voltaram a performar, chegamos a comprar depois. Mas a decisão mostra o nosso jeito de pensar.

Pensamos sempre em retorno ajustado ao risco. Não gostamos de investir quando não conseguimos mensurar o risco que estamos correndo.

Num ano com tanta variação de preços – num primeiro momento, as ações caíram de forma parecida, apesar das diferenças setoriais –, surgiu espaço para fazer um rebalanceamento da carteira.

Mas é interessante ressaltar que a maioria das companhias do portfólio continuou. O mais difícil, naquele auge da pandemia, não era mudar de posição, mas continuar na posição. E tínhamos confiança nas empresas da nossa carteira.

“O tempo corrige as distorções”

“Temos dificuldade de analisar o mercado como um todo. O que fazemos é avaliar os negócios. É óbvio que um ambiente de juros baixos por tanto tempo direciona os investidores para classes de ativos mais arriscadas.

Depois de anos de muita liquidez global, há setores e empresas muito povoados, o que não quer dizer que haja uma bolha prestes a estourar. Às vezes, as bolhas demoram muito para estourar, e os investidores morrem apostando contra.

Há ativos específicos sendo acelerados por essa liquidez global, mas já vimos isso acontecer outras vezes ao longo dos últimos 25 anos. Acontece e há vencedores no processo. Nosso trabalho é procurar os vencedores, pagando o preço certo.

Nossa obsessão com a análise de risco nos ajuda muito em muitos de crise, quando os gestores são testados o tempo todo em suas convicções. Se negócio é bom, gerido por pessoas competentes e não tem um preço absurdo, o tempo corrige as distorções.

Vemos as distorções como oportunidades dado que não estamos preocupados com a variação da cota em um ou dois meses. Procuramos fazer bons investimentos num horizonte de cinco a dez anos.”

A mudança no jeito de investir

“A inovação acelerada que está tomando conta do mundo dos negócios está provocando uma mudança na maneira de investir. Nossos princípios não mudam, mas muda a cabeça.

No passado, ficávamos de olho no fluxo de caixa das companhias e era mais fácil fazer uma avaliação financeira dos negócios e estimar seu valor. Nesse mundo de inovação e tecnologia, é preciso olhar para a frente e considerar outras premissas.

A maioria dessas empresas ainda está no momento de conquistar espaço. E faz sentido esse jogo de ganhar participação de mercado, sem dar lucro. É preciso olhar o filme, não apenas a fotografia.

Ao mesmo tempo, é mais difícil estimar o valor de um negócio ao longo do tempo. Dependendo das premissas e de como cada um enxerga o futuro, o valor pode variar muito.

Há dois pontos muito relevantes no value investing: margem de segurança e perpetuidade de um negócio. No passado, quando olhávamos a Ambev, por exemplo, com cerca de 80% de participação de mercado, considerávamos que o risco de perpetuidade era baixo.

Mas esse modelo de inovação atual – e não é só tecnológica, mas cultural, na maneira de se relacionar com os clientes – faz com que a perpetuidade seja mais questionável.

O tempo de vida das empresas talvez seja mais curto, então é preciso mudar a cabeça na hora de pensar a margem de segurança.

O que não muda é o fato de que é muito importante analisar a qualidade do negócio e das pessoas por trás dele. Isso é fundamental na avaliação de qualquer companhia.

O valuation está ligado ao tamanho da oportunidade e à expectativa de que aquele grupo de executivos ou empreendedoras consiga capturar as oportunidades.

Um mercado bipolar

“Estamos num momento em que é mais fácil ficar pessimista e também otimista com as coisas. É fácil olhar para a evolução tecnológica e digital e afirmar que o shopping vai acabar.

Também é e fácil olhar para o banco digital e a plataforma de ecommerce e dizer que esses negócios vão dominar o mundo.

Ficou mais difícil fazer value investing porque ficou mais difícil prever o desempenho dos negócios. Há quem argumente que esse ambiente, na verdade, abre oportunidades para o value investing, na medida em que mais pessoas estão se concentrando em negócios inovadores e que podem crescer muito, deixando de lado empresas tradicionais e fortes.

Não mudamos nossa cabeça a ponto de acreditar que as empresas de tecnologia vão dominar o mundo. Assim como temos Mercado Livre (MELI34), XP e Enjoei (ENJU3), por exemplo, na carteira, temos Vale (VALE3), que está num dos negócios mais antigos do planeta, que é extrair minério do solo.

Olhamos a qualidade dos negócios, a qualidade da gestão e o preço versus a oportunidade. Assim, podemos ir aos extremos. As oportunidades aparecem quando os investidores ficam maníaco-depressivos.

O novo mercado financeiro

O mercado financeiro está passando por uma transformação muito relevante. O modelo de negócio dos grandes bancos, que sempre foi bem-sucedido – a escala conferia a eles um poder de mercado muito forte –, hoje está sub judice.

Os bancos estão se mexendo para se adaptar. Mas não se trata apenas de ter vontade de mudar e capital para fazer isso. Existe também uma questão cultural de como fazer negócios.

Naturalmente, alguns pools de lucro vão continuar com os bancos, pelo posicionamento deles. Mas temos muitas dúvidas se os bancos vão conseguir se adaptar para ter a força e o poder de mercado que tinham no passado.

Há cerca de cincos anos, os bancos passaram a ser atacados em segmentos como adquirência e investimentos e, agora, virou um esporte coletivo bater nessas instituições. Hoje os bancos estão sendo atacados em várias frentes, e o cenário é bastante desafiador.

A tese de bancos como um investimento de longo prazo não morreu ainda. Mas, diante do que estamos vendo, neste momento, não estamos confortáveis em correr esse tipo de risco.

Há dez anos, as melhores mentes que quisessem ir para o mercado financeiro iriam para os grandes bancos. A capacidade de atrair talentos era muito diferenciada. Não é o caso hoje. Pelo contrário.

A forma de trabalhar, o home office, a autonomia, a maneira de interagir com os clientes, tudo isso mudou as preferências do capital humano. Os bancos, para não perder talentos, precisam se ajustar.

Mas será que, se fizeram esse ajuste, conseguem funcionar bem? Toda a gestão foi desenvolvida de forma que a cultura e a meritocracia funcionam dentro de um modelo mental. Mudar isso é muito difícil.

Se os bancos perderem a capacidade de atrair os melhores talentos, o impacto disso vai aparecer no médio prazo.

Um novo desafio para os reguladores

Temos uma postura de acionista com as empresas em que investimos. Não pensamos como analistas ou investidores quem pode vender o papel em seis meses. Se não pudéssemos vender a ação, o que estaríamos fazendo para defender os interesses das companhias no médio prazo?

Sempre gostamos de ter esse engajamento. Além disso, faz parte da nossa atividade estudar as leis e ajudar a pensar sobre como o mercado poderia funcionar melhor.

O grande desafio de regulação hoje é qual será o papel da CVM, da SEC, das Bolsas etc. nesse mundo mais inovador. O caso Gamestop é um grande exemplo. É interessantíssimo e, ao mesmo tempo, dificílimo de ter uma opinião fundamentada sobre ele.

De forma geral, foi um conluio de investidores que se juntaram e manipularam o peço. Mas também havia, ali no meio, investidores que não estavam no conluio e compraram as ações.

Como regular isso? É manipulação ou um sinal de bom funcionamento do mercado?

Uma coisa que começou lá atrás com os movimentos sociais de rua passou pelas eleições nos Estados Unidos e agora chegou ao mercado de capitais. É uma luta de classes com uma rápida organização das minorias.

É um desafio dos próximos semestres para os reguladores e também algo que pode mudar completamente a formação de preços dos ativos.

ESG: processo inevitável e sadio

A questão de fundo, no caso dos investimentos que seguem os princípios ESG, é quanto as empresas e os investidores querem maximizar o curto prazo versus o longo prazo.

Exagerando, se todos quiserem consumir todos os recursos naturais o mais rápido possível, provavelmente não teremos mais o planeta daqui a alguns anos.

O mesmo dilema existe quando se fala de transição digital. Vamos imaginar uma empresa incumbente, forte, que esteja avaliando fazer um grande investimento em transição digital.

No curto prazo, esse investimento, em geral, significa reduzir o lucro e incorrer em custos adicionais para explorar novos mercados. Mas pode gerar retornos de longo prazo.

É parecido com a decisão de uma empresa de olhar mais para a comunidade à sua volta. Há benefícios de longo prazo, já as pessoas que podem vir a trabalhar nessa empresa serão mais qualificadas. Por outro lado, existe um custo inicial. O mesmo vale para a questão ambiental.

É verdade que, muitas vezes, as ações são precificadas com base nos resultados de curto prazo e no que é mais visível. A remuneração dos executivos também costuma estar atrelada a métricas mais imediatistas.

Mas o ponto central é que os investidores e os consumidores mudaram demais, e estão demandando cada vez mais essa mentalidade das companhias. É um processo inexorável e muito relevante para o futuro dos investimentos.

E é um movimento sadio porque faz com que as empresas sejam, de certa forma, obrigadas a pensar dessa forma e se preocupar com sustentabilidade.

Giuliana Napolitano

Editora-chefe do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre finanças e negócios. É co-autora do livro Fora da Curva, que reúne as histórias de alguns dos principais investidores do país.