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O trabalho dignifica o homem, dizia Max Weber, sociólogo do século XIX. Mas com o passar do tempo, a labuta acaba fortalecendo a vontade de viver da renda do dinheiro economizado anos a fio com o suor do rosto. Agora, passada a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2023, realizada na quarta-feira (1), pode ser uma oportunidade para dar uma olhada no valor do que já poupou até aqui.
A decisão de manter a taxa básica de juros – a Selic – em 13,75% ao ano já era esperada no mercado financeiro. Mas os sinais cada vez mais evidentes de que o Banco Central pretende segurá-la nesse patamar por mais um bom tempo é quase um convite para pensar nos investimentos.
Alcançar o primeiro milhão de reais sempre foi visto como um símbolo de independência financeira. Se você já conseguiu juntar esse valor, parabéns. Atualmente, ele ainda é o sonho dourado de muitos investidores. Mas será que dá para viver com os juros de um investimento de R$ 1 milhão?
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Vamos às contas. De acordo com Fernando Zetune Marrocco, CFP da Braúna Investimentos, há dois caminhos para fazer as contas e concluir se é possível viver com R$ 1 milhão: consumindo parte desse valor a cada mês ou gastando apenas os rendimentos por ele gerado.
Contar apenas com os rendimentos, sem mexer no principal (o milhão de reais em si), tem a vantagem de permitir que este seja uma espécie de “contrato perpétuo”, proporcionando uma renda mensal até quando a pessoa precisar.
A contrapartida é uma renda mais baixa do que a obtida por quem conta, além dos rendimentos, também com uma pequena parcela do principal a cada mês. Nesse segundo caso, no entanto, o investidor em algum momento terminaria sem dinheiro nenhum, consumindo o R$ 1 milhão inteiro (e não apenas os juros).
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Mas qual é o tamanho da diferença em termos práticos? Marrocco calcula que uma taxa anual de 13,75% corresponde a um rendimento mensal nominal de 1,08% – arredondando, 1,10%. Cálculos desse tipo, no entanto, demandam descontar a inflação, pois ela corrói o poder de compra ao longo do tempo – e deixar de considerar esse efeito pode induzir o investidor a erro.
Assim, nos patamares atuais, um investimento atrelado à Selic oferece um rendimento real em torno de 0,69% ao mês, descontando uma inflação de 5% ao ano. Aplicado sobre R$ 1 milhão, isso resultaria em uma renda mensal perpétua de R$ 6.898.
Por outro lado, se decidisse consumir todo o valor principal ao longo de cinco anos, o investidor obteria uma renda mensal de R$ 20.409. Se a opção fosse por gastar todo o dinheiro em 20 anos, a renda mensal alcançaria R$ 8.538.
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Essa conta considera que o investidor obteria um retorno equivalente ao da Selic atual durante todo o período. Isso, porém, pode não acontecer. Se só conseguisse aplicações com um rendimento nominal de 0,60% ao mês (ou real de 0,19% mensais), a renda sem consumir o principal seria de R$ 1.918 por mês. Gastando a cada mês uma pequena parte do R$ 1 milhão, a renda chegaria a R$ 17.660 por mês durante cinco anos ou R$ 5.203 por mês durante 20 anos.
“Se o investidor não mexer no montante inicial, a renda mensal é menor, mas o dinheiro não acaba. É muito importante ficar atento a esse tipo de informação, para os recursos durarem o tempo que a pessoa acha que vão durar”, destaca Marrocco.
Confira quanto seria possível receber vivendo de renda a partir de uma economia de R$ 1 milhão:
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Rentabilidade nominal (ao mês) | 0,50% | 0,60% | 0,70% | 0,80% | 0,90% | 1% | 1,10% | 1,20% | 1,30% |
Rentabilidade real* (ao mês) | 0,09% | 0,19% | 0,29% | 0,39% | 0,49% | 0,59% | 0,69% | 0,79% | 0,89% |
Renda mensal sem consumir o principal (perpétua) | R$ 922,11 | R$ 1.918,05 | R$ 2.913,99 | R$ 3.909,94 | R$ 4.905,88 | R$ 5.901,82 | R$ 6.897,76 | R$ 7.893,71 | R$ 8.889,65 |
Renda mensal consumindo o principal em 5 anos | R$ 17.139,66 | R$ 17.660,05 | R$ 18.190,31 | R$ 18.730,42 | R$ 19.280,33 | R$ 19.840,00 | R$ 20.409,38 | R$ 20.988,41 | R$ 21.577,01 |
Renda mensal consumindo o principal em 10 anos | R$ 8.806,73 | R$ 9.337,08 | R$ 9.887,09 | R$ 10.456,61 | R$ 11.045,42 | R$ 11.653,26 | R$ 12.279,80 | R$ 12.924,68 | R$ 13.587,51 |
Renda mensal consumindo o principal em 15 anos | R$ 6.031,92 | R$ 6.574,94 | R$ 7.147,26 | R$ 7.748,39 | R$ 8.377,68 | R$ 9.034,30 | R$ 9.717,31 | R$ 10.425,63 | R$ 11.158,11 |
Renda mensal consumindo o principal em 20 anos | R$ 4.646,63 | R$ 5.202,94 | R$ 5.797,96 | R$ 6.430,57 | R$ 7.099,31 | R$ 7.802,41 | R$ 8.537,82 | R$ 9.303,33 | R$ 10.096,63 |
Renda mensal consumindo o principal em 25 anos | R$ 3.817,15 | R$ 4.386,94 | R$ 5.004,52 | R$ 5.667,83 | R$ 6.374,16 | R$ 7.120,31 | R$ 7.902,77 | R$ 8.717,83 | R$ 9.561,76 |
Renda mensal consumindo o principal em 30 anos | R$ 3.265,57 | R$ 3.848,87 | R$ 4.488,66 | R$ 5.181,53 | R$ 5.923,09 | R$ 6.708,32 | R$ 7.531,89 | R$ 8.388,46 | R$ 9.272,92 |
Renda mensal consumindo o principal em 35 anos | R$ 2.872,78 | R$ 3.469,54 | R$ 4.131,06 | R$ 4.852,13 | R$ 5.626,26 | R$ 6.446,28 | R$ 7.304,93 | R$ 8.195,28 | R$ 9.111,08 |
Renda mensal consumindo o principal em 40 anos | R$ 2.579,24 | R$ 3.189,35 | R$ 3.871,99 | R$ 4.619,74 | R$ 5.423,62 | R$ 6.274,11 | R$ 7.162,05 | R$ 8.079,19 | R$ 9.018,54 |
Renda mensal consumindo o principal em 45 anos | R$ 2.351,85 | R$ 2.975,17 | R$ 3.678,28 | R$ 4.451,07 | R$ 5.281,79 | R$ 6.158,55 | R$ 7.070,49 | R$ 8.008,42 | R$ 8.964,99 |
Renda mensal consumindo o principal em 50 anos | R$ 2.170,78 | R$ 2.807,14 | R$ 3.529,96 | R$ 4.326,09 | R$ 5.180,78 | R$ 6.079,88 | R$ 7.011,16 | R$ 7.964,89 | R$ 8.933,80 |
- Descontando inflação estimada de 5% ao ano
Fonte: Fernando Zetune Marrocco
“Síndrome” de Jorginho Guinle
“Se o investidor fizer a conta, vai viver com qualidade. Não adianta fazer o plano para até 60 anos, gastar o dinheiro e viver até os 90 anos com problemas financeiros. Não é para viver com a síndrome do Jorginho Guinle”, detalha Clayton Calixto, especialista de portfólio da Santander Asset, lembrando a história do playboy que morreu pobre no Copacabana Palace, hotel no Rio de Janeiro que já havia sido de sua propriedade.
Pouco antes de morrer, aos 88 anos, Guinle disse, numa entrevista, que o dinheiro havia acabado porque tinha planejado viver só até os 75 anos.
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Calixto ressalta que o melhor é optar por ativos atrelados à inflação, com vencimentos na casa dos cinco anos. Desta forma, seria possível diversificar, levando em conta as “novidades” da economia brasileira.
Ele dá uma dica: com um controle orçamentário rígido, o investidor pode conseguir viver com apenas uma parte do rendimento mensal, reaplicando o restante, que fica rendendo e ajuda a garantir um futuro promissor financeiramente.
Não vale o quanto pesa
Considerando o IPCA dos últimos anos, R$ 1 milhão atualmente têm o mesmo poder de compra de aproximadamente R$ 500 mil no início de 2011. “Para se comparar a um milionário daquela época, a pessoa teria que ter pouco mais de R$ 2 milhões nos dias de hoje”, afirma Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa para pessoa física do Itaú BBA. “Este fato serve para nos lembrar que valores nominais não podem ser comparados ao longo dos anos, assim como o status de milionário também precisa ser ajustado a depender do período de comparação”.
O especialista lembra os pontos que devem ser levados em conta na hora de se perguntar se a vida estaria resolvida só com os juros de uma aplicação de R$ 1 milhão: depende do tamanho dos custos, do montante necessário como renda e do horizonte de tempo em que se pretende usufruir do recurso.
Queiroz considerou uma renda entendida como ideal de R$ 60 mil por ano, ou R$ 5 mil por mês. Levando em conta que os recursos estejam investidos em um instrumento que renda anualmente inflação mais 4%, já líquido de imposto, o montante poderia ser usufruído em um período de aproximadamente 26 anos. Contudo, esse horizonte se encurta para algo como dez anos se a renda mensal necessária for de R$ 10 mil (ou R$ 120 mil por ano).
“Em ambos os casos o recurso seria totalmente consumido em um determinado período. A lógica é simples: a simulação previa que o recurso crescia 4% em termos reais, mas a retirada era de 6% (R$ 60 mil é 6% de R$ 1 milhão) e 12% (R$ 120 mil é 12% de R$ 1 milhão) em termos reais”, explica.
Mantendo a taxa de juros real do exemplo, o investidor conseguiria ter um horizonte infinito – em que o dinheiro nunca seria consumido integralmente – se as retiradas fossem inferiores à rentabilidade obtida. “Neste caso, seria possível manter de forma perpétua uma renda de R$ 3 mil por mês, corrigindo todo ano este valor pela inflação”, diz. “Se o investimento for a única fonte de renda ou a mais relevante, é necessário conservadorismo. O posicionamento, neste caso, é bastante diferente de um investidor que está construindo seu patrimônio para usufruir apenas no futuro”.
O especialista do Itaú BBA indica que uma composição entre títulos públicos atrelados à inflação e à taxa de juros é uma das alternativas para o investidor, respeitando as necessidades de liquidez.
Sigrid Guimarães, planejadora financeira e sócia-fundadora da Alocc Gestão Patrimonial, faz coro com Queiroz. “Para viver do rendimento de R$ 1 milhão, o custo de vida não pode ultrapassar o rendimento desta aplicação, descontada a inflação. O ideal é separar um colchão de segurança equivalente a três anos do custo de vida do investidor e alocar em títulos com liquidez imediata e baixo risco de crédito, como títulos públicos federais, fundos DI sem risco de crédito, CDBs de primeira linha, entre outros. O excedente pode e deve ser diversificado para maior eficiência”, ressalta.
Para quem teme os riscos que aumentam com prazos longos de investimento, Sigrid diz que, se as carteiras com alta concentração em risco de crédito e baixa liquidez forem evitadas, “um evento como o da Americanas torna-se pouco relevante na parcela de renda fixa”.
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