Com Selic a 12,75%, ainda há espaço para investir em crédito privado? Especialistas apontam oportunidades

Após período de janela fechada, mercado primário volta a atrair e casas aproveitam para incrementar um pouco o risco, com seletividade

Bruna Furlani

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Passados meses de uma avalanche que abalou o mercado de crédito privado e com chance de novos recuos da taxa de juros, gestoras aproveitam o momento para girar a carteira de olho no mercado primário, para dar uma pitada de risco com títulos que possuem qualidade, mas ainda estão pagando alto.

O movimento ocorre com a volta das emissões no mercado primário após meses de janela fechada, e com o recuo dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação ao dos títulos públicos, considerados de baixo risco) nos últimos meses, após disparada no começo do ano na esteira de eventos como Lojas Americanas e Light.

A queda, no entanto, foi mais forte em títulos com melhor classificação de risco de crédito, caso de debêntures AAA, ainda deixando na mesa oportunidades em papéis com rating AA e A.

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“Os fundos estavam com muita liquidez porque esperavam uma continuação dos resgates. Logo, o gestor acaba gastando todo esse recurso nos ativos de melhor risco e isso faz com que os spreads comprimam primeiro nos AAA”, explica Daniel Palaia, diretor de fundos de crédito da Schroders Brasil.

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Dados da JGP apontam que entre abril e setembro deste ano, houve um fechamento (recuo) de 82 pontos-base nos spreads oferecidos por debêntures atreladas ao CDI, com rating AAA, enquanto os spreads entregues por papéis AA caíram 33 pontos-base no mesmo período.

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“O AAA está num nível muito próximo ao que era pré-Americanas. Agora, todo mundo está olhando AA, que esperamos que volte para um nível entre o pico e patamar visto antes do evento Americanas”, pondera Palaia.

A situação foi diferente, no entanto, no caso de debêntures atreladas à inflação: títulos AA tiveram um fechamento maior, de 66 pontos-base, ao passo em que papéis do tipo AAA viram uma queda de 51 pontos-base nos spreads na mesma janela.

Odilon Costa, head de renda fixa da SWM, também argumenta que começa a ficar mais construtivo em incrementar risco da carteira por meio de ativos mais high yield (maior retorno e risco) com rating até A – em meio a uma compressão mais rápida dos spreads de títulos mais high grade (menor risco e retorno).

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Embora esteja um pouco mais otimista, o profissional destaca que é necessário fazer a mudança com cautela. “É preciso olhar high yield com muita parcimônia, selecionar nomes que sejam mais estruturados. Rating é um bom indicador, assim como olhar a perspectiva e a própria empresa”, avalia.

Onde estão as oportunidades?

Com a volta de ofertas no mercado primário, o executivo conta que tem olhado para emissões recentes de empresas como Taesa (TAEE11) e Eletrobras (ELET3, ELET6) e para outras não tão óbvias, caso da Enauta (ENAT3), companhia de exploração de petróleo.

“A retomada do mercado primário de high yield veio do mês passado para cá e a Enauta marca essa volta. É um papel que não possui rating e está num setor diferente. Vemos deals (negócios) menores vindo à tona daqui pra frente”, avalia.

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A Schroders é outra casa que tem olhado com especial atenção para o mercado primário, porque tem encontrado oportunidades melhores. Na avaliação de Palaia, o primário tem vindo com emissores novos ou mais antigos e com prêmio em relação ao secundário.

Um exemplo é a emissão de debêntures da Tim que veio a CDI+2,3%, nível considerado elevado pelo executivo da Schroders para um ativo com rating AAA. “Entramos porque é uma empresa de um setor regulado e mais defensivo em termos de crédito”, diz.

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Ao contrário de Odilon, Palaia defende que o mercado primário deve seguir com uma preferência por empresas mais sólidas, porque os gestores estão seletivos.

“Se vier uma oferta de uma empresa mais high yield, ou de uma companhia não muito conhecida, provavelmente será um book sem sucesso. O mercado não vai ter demanda para essas porque há empresas como Eletrobras e Tim captando”, avalia o gestor.

Para além de papéis mais ligados a concessões públicas, outro setor que a Schroders também gosta é o de logística, com destaque para empresas consideradas “sólidas” por Palaia, caso do Grupo JSL, Localiza e Grupo Unidas.

O profissional defende que a vantagem de tais empresas é que elas possuem ativos para vender e gerar liquidez, como frotas de carro, caminhões e máquinas, caso seja preciso reduzir o nível de endividamento, ao contrário de outros setores, como o varejo.

Tomar dívida em vez de emitir ações

E a expectativa é que as ofertas no mercado primário sigam em ritmo mais intenso, ainda que não igual ao visto no ano passado. Uma parte da explicação está nas medidas que podem ser apresentadas pelo Governo para aumentar a arrecadação.

Em meio a discussões sobre a possibilidade de taxar dividendos de empresas ou de exterminar o pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JCP), Palaia avalia que tais mudanças podem impulsionar a preferência de companhias por emitir debêntures, e não ações.

O executivo explica que, ao pagar menos dividendo, a empresa mantém um valor maior em caixa no balanço e que uma forma de reduzir esse imposto é emitindo dívida.

“Gera-se uma despesa financeira e reduz a base tributável, o que é positivo para a empresa. Tem uma tendência de que as companhias tenham uma posição de caixa maior agora e tomem mais dívida para pagar menos imposto”, avalia o profissional da Schroders.

Ofertas em infraestrutura

Outro fator que pode impulsionar as ofertas são os investimentos governamentais para ampliar a infraestrutura do País.

No começo de agosto, o Governo Federal lançou a terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê R$ 371 bilhões de investimento com recursos públicos, em quatro anos.

Segundo o governo, o programa vai investir um total de R$ 1,7 trilhão, considerando também os recursos de estatais, iniciativa privada e financiamentos. Desse total, R$ 1,4 trilhão será investido até o final do governo Lula 3 e o restante após 2026.

A JGP Financial Advisory, por exemplo, que auxilia empresas na captação de recursos via títulos de dívida, diz que está com um pipeline “robusto” na área de infraestrutura, de olho nos anúncios feitos pelo Governo.

Fernando Kunzel, sócio-fundador da JGP Financial Advisory, braço da gestora JGP, diz que a cadeia de infraestrutura como um todo deve se beneficiar, com destaque para a construção de rodovias e  linhas de transmissão.

“Infra é a bola da vez. Vamos focar nossos esforços para operações de infra no segundo semestre”, destaca Kunzel. O otimismo envolve tanto o lançamento de fundos do tipo FI-Infra como o de emissão de debêntures incentivadas.