Baseados em algorítimos, fundos quantitativos se destacam em meio à turbulência

Modalidade costuma ter melhor desempenho em períodos de alta volatilidade

Ana Paula Ribeiro

SÃO PAULO – A pandemia do coronavírus, e a incerteza econômica a ela atrelada, abalou mercados em todo o mundo e causou perdas expressivas aos investidores. Nesse momento em que os nervos estão à flor da pele, alguns fundos de investimentos se destacam. São os quantitativos, que tomam as decisões de compra e venda dos ativos baseados em complexos modelos matemáticos.

Esse tipo de fundo, que ainda engatinha no Brasil, faz parte da categoria de multimercados, ou seja, podem investir em diferentes ativos (juros, índices de bolsa locais ou estrangeiros, moedas, commodities).

Em sua maioria, os multimercados registram rentabilidade negativa no acumulado do ano, segundo dados Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Entre os que se salvam, estão justamente os quantitativos, que costumam ter melhores desempenhos em períodos de alta volatilidade – uma dessas carteiras está com ganhos em torno de 24% no ano.

Fundos quantitativos Retorno desde 21/02/20* Retorno em 2020* Retorno em 12 meses*
Seival FGS Agressivo 29,08% 23,87% 21,34%
Murano FIC FIM 1,89% -1,10% -18,59%
Giant Darius -0,05% 2,82% 11,18%
Giant Zarathustra II -0,06% 4,32% 18,15%
Kadima II -1,55% 0,71% 4,12%
Pandhora Master -8,11% -5,34% 5,51%
CDI 0,33% 0,95% 5,48%
Ibovespa -34,07% -35,18% -19,97%

*Até o dia 25/03/2020

Fonte: Economatica

Em um fundo tradicional, os gestores recebem as informações, avaliam e tomam a decisão. Nos quantitativos, essas informações podem ser processadas em maior volume com base em fórmulas matemáticas e estatísticas preestabelecidas (também conhecidas como algoritmos). Um algoritmo consegue identificar padrões de alta ou baixa e assim definir o ativo que deve ser comprado ou vendido e o peso de cada um deles na carteira.

“Cada fundo quantitativo tem o seu modelo matemático. Ao longo do tempo, ele vai recebendo mais informações e tendo uma evolução constante”, explica Marcelo Lara Nogueira, planejador financeiro com certificação CFP.

Nogueira lembra, no entanto, que a escolha de um fundo quantitativo não pode ficar restrita à sua rentabilidade. “O investidor deve colocar nesses fundos uma parte dos seus recursos destinado a investimentos de maior risco”, diz, acrescentando que é preciso que o investidor avalie com quais ativos esse fundo opera (alguns possuem maior exposição ao exterior, o que pode aumentar o risco).

Na avaliação de Guilherme Anversa, sócio e gestor da XP Advisory, esse tipo de fundo deve ser levado em conta na hora de fazer a diversificação do patrimônio. Nesse caso, uma fatia entre 7,5% a 10% do total de recursos pode ser alocada em carteiras quantitativas.

“Quando o cenário está mais estável, os quantitativos não costumam ter muita variação. Mas é bom lembrar que um fundo desse não se compra pensando em um período de 12 meses. Tem que ter um horizonte mínimo de três a cinco anos. Aí, sim, o investidor vai colher o benefício da diversificação”, observa.

Em sua avaliação, esses fundos tendem a ganhar maior relevância no mercado brasileiro. Atualmente, cerca de uma dezena de gestoras oferece carteiras puramente quantitativas e os volumes não são expressivos.

Mercado mais desenvolvido nos EUA

Nos Estados Unidos, por sua vez, os maiores multimercados já são baseados em algoritmos. “No mundo do ‘big data’, fica difícil o ser humano absorver tanta informação. As máquinas tiram o efeito comportamental e, por isso, a tendência é que essa estratégia cresça no Brasil”, aponta Anversa.

Entre os fundos quantitativos que apresentam destaque nesse ano está o Seival FGS Agressivo, da Seival Investimentos, e que aplica em moedas, índices de ações, commodities e taxas de juros. A carteira acumula rentabilidade de 24% no ano. Desde a intensificação da turbulência causada pelo coronavírus, no dia 21 de fevereiro, os ganhos são de 29%.

“Nossos algoritmos buscam identificar tendências. No fim de janeiro, nosso modelo percebeu que os preços do petróleo e de índices de ações começariam a cair. Conseguimos surfar nessa janela. Aceitamos a volatilidade elevada como algo normal no nosso processo”, explicou Carlos Chaves, sócio da Seival Investimentos.

Chaves, no entanto, explica que o fato de operar com base em algoritmos não garante que o fundo sempre dará um bom resultado. Em 2019, quando as ações ficaram entre os destaques de alta, o Seival FGS não teve um desempenho tão bom, com queda da ordem de 5%.

“É um fundo para uma estratégia de diversificação, para ter um investimento que possa estar descorrelacionado de outros índices e evitar perdas maiores na carteira total”, diz.

Rodrigo Terni, sócio fundador da gestora Giant Steps, avalia que os fundos quantitativos são uma evolução do mercado, uma vez que os modelos matemáticos podem dar maior eficiência às decisões.

“Há uma quantidade enorme de dados disponíveis e não há razão para não utilizá-los. No Brasil, isso ainda é visto com certa resistência, uma vez que há certo culto ao papel do gestor. Nos Estados Unidos, as maiores gestoras já possuem fundos inteiramente baseados em modelos matemáticos”, afirma Terni.

Um dos maiores multimercados dos Estados Unidos é o Medallion, com mais de US$ 20 bilhões de patrimônio líquido. Ele pertence à gestora Renaissance e foi um dos pioneiros no uso de algoritmos para a tomada de decisões. No Brasil, dificilmente um fundo quantitativo passa do patrimônio de R$ 1 bilhão.

No caso da Giant Steps, o Zarathustra II acumula, no ano, uma rentabilidade de 4,3% e de 18,15%, no acumulado de 12 meses. O fundo investe em juros, moedas, ações e commodities. Outra carteira quantitativa da gestora é a Darius, que tem maior exposição ao mercado externo e acumula ganhos de, respectivamente, 2,8% e 11,2%, nos períodos mencionados.

Segundo Terni, em dezembro os modelos criados na gestora já apontavam para um cenário mais pessimista para o Brasil e, por isso, os fundos zeraram a exposição em ações. Isso foi feito no momento em que o Ibovespa, principal índice de ações local, caminhava para patamares recordes.

“Nosso algoritmo é testado em uma espécie de laboratório. É quase um teste de air bag para ver se a carteira sobrevive em diferentes cenários. Não questionamos essas escolhas [do algoritmo], porque elas foram feitas com base em modelos que nós desenvolvemos”, explica.

Outros fundos quantitativos também apresentam desempenho positivo no ano, embora de forma menos expressiva, caso do Kadima 2, com alta de 0,71%. O Murano, por sua vez, cai 1,1% em 2020, mas com uma alta de 1,9% desde a intensificação das turbulências. Já o Pandhora perde 5,3% no ano.

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Ana Paula Ribeiro

Jornalista colaboradora do InfoMoney