Atraídos por nova leva de IPOs, investidores compartilham aprendizados e arrependimentos na estreia em Bolsa

Embora familiaridade com as empresas possa gerar atração, especialistas alertam que é preciso separar o investidor do consumidor ao avaliar uma oferta

Mariana Zonta d'Ávila

(Getty Images)

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SÃO PAULO – A chegada de novas empresas na Bolsa brasileira, de variados setores, tem atraído a pessoa física e levado investidores, com atuação por muito tempo restrita à renda fixa, a entrarem no universo de renda variável.

Seja de olho em ganhos no curto prazo, por vezes apenas no dia da estreia, como também com o foco no longo prazo, para carregar ações na carteira, esses investidores têm buscado os novos segmentos para apostar em ideias inovadoras e diferentes das já apresentadas na B3.

Desde o começo do ano, a Bolsa brasileira já soma 15 empresas que abriram o capital – o que representa quatro vezes o registrado no mesmo período de 2020, sendo que, no início de 2019, nenhuma empresa fez IPO no país. Diante do maior apetite ao risco por parte dos investidores, e da maior necessidade de capital por parte das empresas, vieram a mercado companhias de segmentos como pet, saúde e tecnologia.

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O médico capixaba Paulo Casotti, 42, conta que abriu uma conta em corretora em 2018, quando passou a pensar em investimentos com foco no longo prazo. A princípio, seu perfil conservador sugeria apenas aplicações em produtos de renda fixa.

Em 2019, contudo, atento à queda dos juros básicos brasileiros, Casotti começou a se aprofundar em outras opções de investimento e, com a ajuda de um assessor, passou a incluir no portfólio ativos de renda variável.

O primeiro IPO do qual participou foi o da Locaweb, no início de 2020, com o objetivo de ganhar com a alta das ações no dia da estreia. Os papéis tiveram valorização de quase 20% na data.

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“Hoje, olhando para trás, vejo que, se tivesse segurado o papel, teria sido melhor”, diz, lembrando que as ações subiram cerca de 260% no ano passado.

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Depois de Locaweb, o médico conta ter participado de outras ofertas públicas iniciais. As mais recentes foram Bemobi e Mosaico, sendo que os papéis da última ainda estão na carteira.

O investidor diz gostar de empresas novas dado que vêm com propostas distintas das existentes, fazendo uma aposta no potencial de valorização. A escolha dos ativos, por sua vez, é feita em parceria com o assessor de investimentos, somada ainda à leitura de relatórios de casas de análise e ao monitoramento da demanda dos papéis no mercado.

A história é semelhante à do advogado gaúcho Leopoldo Lara, 37, que também costuma participar de IPOs com auxílio de um assessor de investimentos. A estratégia tem sempre viés especulativo, conta, buscando comprar e vender os papéis no dia de estreia na B3.

Entre os primeiros IPOs, Lara lembra das posições em Anhanguera, MRV Engenharia e OGX, na época uma das maiores ofertas na Bolsa. “Entrei por indicação da corretora, comecei a gostar da classe, fui participando e atuo, até hoje, nesse tipo de operação”, diz.

Em paralelo, o advogado foca no longo prazo com uma carteira de ações que conta com seis a oito papéis e é atualizada mensalmente de acordo com a orientação da assessoria. O investidor tem ainda uma parcela do patrimônio em renda fixa e em ativos como fundos multimercados e fundos imobiliários.

Consumidor ou investidor?

Ainda que o maior interesse da pessoa física por ações seja bem-vindo e necessário em um contexto de juros tão baixos, a euforia com ganhar dinheiro no curto prazo, buscando oportunidades em estreias de ações na B3, preocupa especialistas.

Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP e professora de carreira na Fundação Getulio Vargas, avalia que a maior proximidade entre empresa e investidor faz com que as pessoas conheçam mais de perto os serviços e os produtos oferecidos pelas companhias, aumentando o interesse pelas ações em Bolsa.

É preciso tomar cuidado, contudo, com a confusão entre ser um consumidor e um investidor. Isso porque uma empresa que oferece bons produtos ou serviços não necessariamente se traduz em um bom investimento, diz Claudia.

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A avaliação é compartilhada por Bruno Mori, planejador financeiro certificado CFP. “Não é porque o investidor conhece a marca ou porque gosta da empresa que ela é lucrativa. Ela pode estar abrindo capital por conta da saída de sócios, o que não tem nada de errado, mas pode ser que o investidor não tenha isso claro ao investir”, diz.

Segundo a coordenadora, é mais prudente para a pessoa física que não acompanha o mercado de perto esperar a abertura de capital de uma empresa, acompanhar seu desempenho por um ou dois trimestres e então, se seguir confiante, investir.

Felipe Kronic, administrador paulistano de 38, conta que tinha dinheiro apenas na poupança e em produtos de alta liquidez, atrelados ao CDI, quando surgiu a oportunidade de investir, em 2019, no IPO da empresa em que trabalhava, a educacional Afya, que abriu capital na Nasdaq. Em sua estreia na bolsa americana, as ações subiram cerca de 21%.

“Era uma empresa que eu conhecia o processo, a parte financeira e o projeto para o futuro, visto que estava participando dele”, conta Kronic, que foi assessorado pela própria companhia para a compra das ações no exterior.

Desde então, o administrador passou a estudar o mercado americano e diz preferi-lo hoje ao brasileiro, por conta da maior variedade de empresas e por contar com companhias mais maduras.

Atualmente, o investidor mantém os recursos nos Estados Unidos, onde investe em diferentes setores na Bolsa, buscando empresas que paguem bons dividendos.

Como avaliar IPOs

Em fevereiro, algumas empresas chamaram a atenção no mercado, após suas ações apresentarem ganhos elevados no primeiro dia de negociação na Bolsa, com altas que chegaram a 97%, no caso dos papéis da empresa de tecnologia Mosaico. Não cabe, entretanto, ao investidor comprar uma ação à espera de tamanha apreciação em tão curto prazo.

“Os IPOs merecem uma análise mais aprofundada, que é diferente daquela feita em uma empresa já listada há anos. A quantidade de informações conhecida é pequena, tanto em relação a dados quanto à gestão da companhia, o que requer mais estudo”, diz Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities.

No caso de empresas de setores novos na Bolsa brasileira, Rudge alerta que a análise é ainda mais minuciosa. Dada a ausência de pares domésticos para comparação, o gestor busca companhias com modelos parecidos em outros mercados, como o dos EUA e da Europa, para ter referência.

Entre os IPOs recentes dos quais a Leblon participou, Rudge cita o da Rede D’Or, em 2020, e os de Bemobi, OceanPact e Intelbras neste ano, que foram, segundo ele, oportunidades de empresas com potencial de crescimento e que foram a mercado com preços adequados.

“É preciso entender o potencial de crescimento da empresa, conhecer quem está por trás da administração, se o preço da oferta está adequado e qual o objetivo da captação, ou seja, se é para crescer, fazer novas aquisições ou apostar em estratégias que até então não eram possíveis pela falta de capital. Existe sempre o risco de execução que os investidores precisam tentar estimar”, aconselha Rudge.

Ele ressalta que, com a tecnologia, o processo de análise tem ficado mais amigável, com road shows virtuais que ficam gravados e acessíveis a qualquer investidor, permitindo uma visão dos pontos principais da companhia. É fundamental, ainda, a leitura do prospecto, que vai detalhar todos os objetivos da oferta, diz.

Mori, por sua vez, chama atenção para o nível de governança da companhia, isto é, se a companhia vai ser listada no mercado tradicional ou no Novo Mercado da B3, que exige das empresas os mais altos níveis de governança corporativa – além daqueles exigidos por lei e, por isso, considerado mais “seguro”.