Trimestre renova ‘seca’ de IPOs e mercado reforça coro por sinalização de baixa nos juros

Especialistas apontam que investidores seguem conservadores e dizem que queda na Selic só virá de fiscal “firme”

Rikardy Tooge

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O primeiro trimestre de 2023 confirmou as expectativas do mercado de que seria muito difícil ocorrer a realização de uma oferta inicial de ações (IPO, em inglês). A incerteza sobre a política fiscal e os juros em um patamar de dois dígitos já exerciam pressão suficiente até o Caso Americanas (AMER3) contribuir para o fechamento do mercado de crédito.

Neste sentido, a pressão por liquidez ajudou algumas emissões anunciadas neste trimestre. Recentemente, Hapvida (HAPV3) e Dasa (DASA3) divulgaram a intenção de realizar uma oferta subsequente de ações, o chamado follow-on. No entanto, o preço de tela das empresas e o momento do mercado sugerem que as transação não devem sair por apetite dos grandes investidores.

“Esses follow-ons só foram anunciados porque os controladores precisam intervir na estrutura de capital e diminuir a alavancagem”, resume Sérgio Goldman, gestor do fundo de ações da Esh Capital, com cerca de R$ 800 milhões sob gestão.

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A diretora executiva responsável pela área de mercado de ações do UBS BB, Teodora Barone, reforça que as emissões anunciadas no trimestre foram “oportunísticas”. Mas lembra que outro follow-on, este realizado pelo Casino para vender ações do Assaí (ASAI3), mostrou, sim, que há interesse do investidor.

“A operação do Assaí demonstrou que o mercado brasileiro está funcional. Conseguiu atrair apetite de institucionais brasileiros e estrangeiro – e isso após a quebra do SVB”, lembra Barone. Com participação do UBS BB, o follow-on do Assaí levantou R$ 4,06 bilhões ao Casino e foi a terceira maior transação do mercado acionário das Américas no ano.

Teodora Barone, do UBS BB (Divulgação)
Teodora Barone, do UBS BB: follow-on do Assaí mostrou que mercado acionário pode ‘andar’ (Divulgação)

Para Érico Nikaido, sócio na área de investment banking do Ártica, as incertezas vistas no fim de 2022, quando o InfoMoney mostrou que o cenário de IPOs seguiria restrito por mais tempo, pouco se alteraram. “Em termos de confiança, os investidores seguem cautelosos”.

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Para retirar a cautela do dicionário do mercado financeiro, Barone e Nikaido apontam que é necessária uma sinalização efetiva da queda de juros. O entendimento é de que a proposta do novo arcabouço fiscal, apresentando pelo governo federal na última quinta-feira (30), possa ser o “primeiro passo” para que surja um ambiente para a queda na Selic.

“Até o fim deste semestre, pode haver uma sinalização para queda dos juros, que seria um catalisador para a Bolsa. Mas isso só ocorre com um fiscal crível”, reforça Paulo Weickert, sócio da Apex Capital, que tem R$ 5 bilhões sob gestão.

Paulo Weickert, sócio da Apex Capital (Divulgação)
Paulo Weickert, sócio da Apex Capital: queda de juros seria um catalisador para a Bolsa (Divulgação)

Para Sérgio Goldman, da Esh, embora a queda nos juros seja o ponto principal, é pouco provável que uma ligeira baixa na Selic altere todo o ambiente de negócios em tão pouco tempo. “Mesmo o juro caindo, ele ainda é alto. Podemos ter momentos de euforia, mas não vejo como sustentável. Vejo situações pontuais de liquidez, mas não suficiente para mudar o estrutural”, avalia.

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No campo dos IPOs, há apenas uma oferta registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da China Three Gorges Brasil (CTG), que protocolou sua intenção de oferta inicial em novembro do ano passado.

Apetite estrangeiro

Outra alavanca citada pelos agentes de mercado é o investidor estrangeiro. Com os fundos locais mais conservadores, esperava-se que os gringos liderassem as emissões. Porém, os movimentos recentes não têm validado a tese. Em fevereiro, os estrangeiros retiraram cerca de R$ 1,6 bilhão da B3, no pior resultado desde o primeiro semestre de 2022.

“O investidor estrangeiro era uma aposta que não está se concretizando. Hoje, se olharmos o fluxo, ele está migrando para a Ásia, onde [o investidor] está enxergando mais oportunidades”, afirma Goldman.

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Sergio Goldman, da Esh Capital (Divulgação)
Sergio Goldman, da Esh Capital: capital estrangeiro ainda não deu tração à Bolsa (Divulgação)

Teodora Barone, do UBS BB, diz, por outro lado, que a entrada de capital estrangeiro vinha em ritmo expressivo desde as eleições de outubro e que seria normal um arrefecimento. “Os estrangeiros também seguraram e estão menos pessimistas que o local. Mas eles aguardam uma política econômica crível”.

Barone mantém a aposta de que o investidor estrangeiro deverá puxar a nova safra de IPOs. Ganham força nessa tese as empresas de capital intensivo como as de infraestrutura, agronegócio, saneamento e energia.

Para isso, contudo, é preciso que o sejam IPOs que ofereçam liquidez. “Estamos falando de papéis que possam rodar US$ 10 milhões em volume diário”, explica. “Operações em torno de R$ 1,5 bilhão já poderiam atrair [investidores estrangeiros], mas a transação ‘para todos os bolsos’ é a partir de R$ 3 bilhões”, avalia a executiva.

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Enquanto o IPO não sai…

Se a janela permanece fechada aos empresários que desejam estrear na Bolsa, outras operações começam a ganhar tração, aponta Érico Nikaido, do Ártica. Com o mercado de dívidas fechado, já há movimento de empresários optando pelo equity em vez de dívidas.

“O credor subiu o prêmio de risco e diminui os prazos para novas dívidas. Na conta risco/retorno do empresário, tem valido à pena ceder uma parte da empresa para se capitalizar e esperar uma oportunidade de IPO”, afirma Nikaido.

Em outra frente, também ocorrem conversas para fusões e aquisições de companhias brasileiras por empesas estrangeiras. “Talvez o fluxo financeiro do gringo esteja aqui agora. Eles estão vendo oportunidades de negócio para comprar empresas líder de segmento a um preço atrativo”, afirma.

Érico Nikaido, sócio da Ártica (Divulgação)
Érico Nikaido, sócio do Ártica: uso de equity no lugar de dívida e M&As ganharam força no trimestre (Divulgação)

Nikaido e Barone apontam ainda que os non-deal roadshows, em que os empresários apresentam suas empresas a grupos de investidores, seguiram firmes durante o trimestre, reforçando a visão de que, ao menor sinal, o mercado poderá reabrir para as empresas.

“A sugestão é que os empresários que querem abrir capital busquem esses momentos de menor competição pela atenção dos investidores para se apresentar. Façam o dever de casa na companhia e busquem conversar”, recomenda Teodora Barone.

Outra avaliação do sell side é de que se vier uma safra de balanços positiva no primeiro trimestre de 2023, os investidores poderão ganhar mais confiança para avançar no mercado acionário. Mas para Weickert, da Apex, a tese poderá ter efeito contrário. “Se vier pior, aí que o investidor se retrai mais”.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br