TikTok: como app mais popular da quarentena virou símbolo da tensão entre EUA e China

Como o maior hit global da web já lançado por uma companhia chinesa tornou-se o foco da disputa tecnológica entre a China e o Ocidente

Sérgio Teixeira Jr.

(Chesnot/Getty Images)

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NOVA YORK – Para centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro, o TikTok é a garantia de um momento de leveza no dia.

A pandemia do noticiário, as brigas políticas do Facebook e do Twitter, a vaidade desenfreada do Instagram – não tem nada disso no TikTok. Pelo contrário: os tiktokers não se levam a sério.

Os vídeos de maior sucesso em geral envolvem adolescentes e pré-adolescentes dançando em casa, dublando artistas famosos, fazendo brincadeiras com os pais e avós, mostrando seus bichos de estimação.

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O TikTok é a alienação perfeita para esses tempos sombrios que vivemos.

Mas, para alguns políticos americanos, e também para a concorrência ocidental, o TikTok é um perigo porque seus donos são chineses.

Um senador americano chamou o aplicativo de “cavalo de Troia”. Em uma entrevista recente, Mike Pompeo, secretário de Estado americano, afirmou que o governo dos Estados Unidos estuda proibir o app.

Na tarde desta sexta (31), circulou a notícia de que o presidente Donald Trump poderia determinar a venda do TikTok pela ByteDance, empresa chinesa dona do serviço (a companhia também tem uma rede social idêntica no mercado chinês).

“Estamos olhando o TikTok, talvez proibamos o TikTok”, afirmou Trump. “Podemos fazer outras coisas. Há algumas opções. Estamos olhando para várias possibilidades.”

Segundo a Bloomberg e o New York Times, a Microsoft estaria negociando a compra do aplicativo.

Caso o serviço continue nas mãos dos chineses, uma proibição não está descartada.

Foi o que fez a Índia no final de junho. Foram proibidos o TikTok e outros 58 aplicativos chineses que supostamente ameaçavam “a segurança nacional e a defesa da Índia, o que vai ao encontro da soberania e a integridade” do país.

A Austrália também estaria considerando banir o aplicativo.

A rede social aparentemente inofensiva e divertida, o maior hit global já lançado por uma companhia chinesa, tornou-se o foco da guerra fria tecnológica entre a China e o Ocidente.

Segundo os críticos do TikTok, o temor é que o aplicativo seja apenas uma ferramenta para coletar informações em massa de cidadãos de outros países, particularmente os americanos.

Esses dados poderiam ser usados para identificar possíveis alvos em operações de espionagem.

Em março deste ano, a empresa chinesa Beijing Kunlun vendeu o aplicativo de relacionamentos gay Grindr para a americana San Vicente Acquisition Partners. A venda ocorreu depois de pressão do governo americano.

Os usuários do Grindr podem indicar em seus perfis se são HIV-positivo, por exemplo. Em 2018, uma empresa norueguesa descobriu que o aplicativo estava passando esses dados adiante para companhias que fazem consultorias de qualidade de apps.

Esse tipo de informação poderia potencialmente ser usado pelos chineses para chantagear americanos com acesso a informações confidenciais.

A versão analógica dessa técnica foi muito utilizada nos tempos da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética.

O que o TikTok sabe dos usuários?

As informações recolhidas pelo TikTok não são muito diferentes daquelas coletadas pela maioria dos aplicativos mais populares do mundo.

O TikTok sabe a localização, o endereço de internet, o tipo de celular utilizado para acessar o serviço, o histórico de navegação do usuário e as mensagens trocadas dentro do aplicativo.

Além disso, os algoritmos do TikTok analisam constantemente o tipo de conteúdo que você assiste, curte e compartilha, para oferecer uma seleção de vídeos personalizada. Mas isso também é verdade para inúmeros outros aplicativos.

A filial brasileira da ByteDance disse ao InfoMoney que o TikTok “não compartilha informações de nossos usuários com nenhum governo estrangeiro, incluindo o governo chinês, e não o faria se solicitado”.

“Damos a maior importância à privacidade e integridade do usuário.”

Mas as Forças Armadas dos Estados Unidos determinaram em dezembro que seus integrantes não podem ter o app instalado em celulares fornecidos pelo governo.

A TSA, agência responsável pela segurança dos aeroportos, também orientou seus funcionários a apagar o app de seus telefones.

O banco Wells Fargo e a direção dos partidos Republicano e Democrata também anunciaram medidas semelhantes.

No começo de julho, a Amazon enviou um e-mail para todos os funcionários com a mesma diretriz, mas horas depois voltou atrás, afirmando que a mensagem fora disparada “por engano”.

A história do TikTok, de febre global a cabeça-de-ponte do governo chinês, começou em 2014, quando os empreendedores Alex Zhu e Luyu Yang, ambos chineses, lançaram o Musical.ly.

O app é muito parecido com o TikTok que conhecemos hoje. O nome pertencia à ByteDance, que adquiriu o Musical.ly há quase três anos, por US$ 1 bilhão.

A ByteDance tinha um concorrente na China, o Douyin, e há dois anos os apps foram unificados.

A rede social começou a ganhar terreno no Ocidente há cerca de dois anos. Algumas celebridades entraram logo na onda, como o apresentador de talk shows Jimmy Fallon e a rapper Cardi B.

Mas o sucesso do TikTok – como de todas as redes sociais de sucesso – se construiu de baixo para cima. O app virou mania entre os pré-adolescentes, adolescentes e jovens de 20 e poucos anos americanos.

Em termos de formato, o TikTok também não é exatamente inovador. Os clipes de vídeo são curtos, como no Snapchat (e no clone Stories, do Instagram).

A diferença essencial do TikTok é a leveza dos vídeos e os memes que se alastram mais rápido que fogo na floresta. O desafio do “eu nunca, eu já”, sucesso entre os usuários brasileiros, já soma quase 270 milhões de visualizações.

Essa combinação de alto astral, comédia e simplicidade é responsável pelo crescimento explosivo do app.

O TikTok já foi baixado mais de 2 bilhões de vezes, segundo um levantamento divulgado em abril pela empresa de pesquisas Insight Tower.

A popularidade do TikTok continua crescendo em mercados importantes para redes sociais, como o Brasil (a empresa não revela os números de usuários no país).

Uma das celebridades “nativas” da plataforma, @lucianoDVS tem 5,7 milhões de seguidores. Entre os famosos da TV, a líder nacional é a apresentadora Maísa, com 8,4 milhões de seguidores.

Em segundo lugar está o comediante Whindersson Nunes, seguido por 8,2 milhões de tiktokers (além de 40 milhões de youtubers e quase 42 milhões de instagrammers).

O fenômeno TikTok transformou a ByteDance (que é privada) no maior unicórnio do mundo, com um valor de mercado superior a 100 bilhões de dólares, de acordo estimativas de analistas.

Segundo um relatório da Bloomberg, a empresa faturou US$ 17 bilhões no ano passado, dos quais 3 bilhões foram lucro. A receita de 2019 mais que dobrou em relação a 2018.

Segundo a agência Reuters, a ByteDance estaria estudando fazer o IPO do negócio chinês na bolsa de Hong Kong ou de Xangai.

Zuckerberg preocupado

Enquanto as ameaças de proibição não se concretizam, a companhia vem fazendo um esforço de lobby e de marketing para assegurar os usuários de que não há segundas intenções por trás do app.

Kevin Mayer, que era responsável pelos negócios diretos com o consumidor da Disney, incluindo o serviço de streaming Disney+, assumiu o comando da operação americana da ByteDance em junho.

Mayer era considerado um dos favoritos para assumir o lugar de Bob Iger no cargo de CEO da empresa de entretenimento mais famosa do mundo.

Preterido, ele tornou-se um dos executivos de mais renome a aceitar trabalhar para uma companhia chinesa.

Uma das vantagens de ter um nome de tamanho peso é que Mayer é ouvido. Na última quarta-feira, ele foi à ofensiva contra o Facebook, afirmando que a maior rede social do mundo está difamando o TikTok.

“Vamos concentrar nossas energias na competição justa e aberta, não em ataques difamatórios de nosso concorrente – o Facebook – disfarçados de patriotismo e cujo objetivo é impedir nossa presença nos Estados Unidos”, escreveu Mayer num post publicado no site da empresa.

Naquele mesmo dia, depondo ao Congresso, Mark Zuckerberg, afirmou: “A China está criando sua própria versão da internet, focada em ideias muito diferentes, e eles estão exportando sua visão para outros países”.

Embora não tenha mencionado o TikTok pelo nome, estava claro a quem o fundador e CEO do Facebook estava se referindo.

A reação natural do Facebook diante da concorrência é comprar (caso do Instagram e do WhatsApp) ou copiar (como a função Stories). Agora, tudo indica que Zuckerberg optou pela segunda alternativa.

Uma nova funcionalidade do Instagram chamada “Reels” está sendo testada em alguns mercados. Mas não bastam as ferramentas – também é necessário o conteúdo.

Para isso, o Facebook estaria oferecendo dinheiro para trazer para sua plataforma as celebridades do TikTok, segundo uma reportagem publicada recentemente pelo Wall Street Journal.

A resposta do TikTok diante da ameaça real representada pelo Instagram foi anunciar um fundo de US$ 200 milhões para remunerar os criadores de conteúdo.

A guerra fria tecnológica do Ocidente com os chineses está apenas começando.

Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York