Os bastidores e os desafios da possível compra do TikTok pela Microsoft

Com a possibilidade de ser banida por Trump dos EUA até setembro, a rede social chinesa estuda vender suas operações no país

Pablo Santana

(Getty Images)

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SÃO PAULO — A tensão geopolítica histórica entre China e EUA ganha mais um capítulo, desta vez protagonizado por um dos aplicativos mais populares da atualidade, o TikTok, plataforma de vídeos curtos criada em 2016 pela chinesa ByteDance.

Com a pandemia isolando boa parte da população mundial em casa, o TikTok se tornou sensação na internet com seus vídeos, onde os usuários participam de desafios virais, compartilham suas rotinas e opiniões ou dublam memes e trechos de vídeos famosos.

No final de abril, o aplicativo chinês ultrapassou a marca de 2 bilhões de downloads em dispositivos móveis, segundo dados da consultoria Sensor Tower

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Porém, sua ascensão despertou a preocupação de diversos líderes mundiais, sobretudo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em torno da política de moderação de conteúdo e privacidade dos usuários da plataforma, por causa da suspeita de influência do governo chinês sobre esses dados.

O TikTok já foi acusado de espionagem pelo grupo de hackers Anonymous, que pediu às pessoas para se protegerem excluindo o aplicativo.

Com as restrições e as crescentes investidas, o TikTok nomeou o ex-executivo da Disney, Kevin Mayer, como CEO, em uma tentativa de mostrar ao mundo a independência dos seus negócios em relação à China.

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Apesar disso, o cerco sobre o TikTok – que foi baixado 315 milhões de vezes no primeiro trimestre do ano e se tornou o app mais baixado da história no período, de acordo com a Sensor Tower -, se fecha a cada dia.

No final de junho, ele foi banido da Índia, junto com mais 58 aplicativos chineses, sob a justificativa de evitar o compartilhamento de informações sensíveis de cidadãos e preservar a segurança e integridade nacional, conforme apontou o governo indiano. Mas, sabe-se também que a reação é fruto da tensão política que tem origem nos conflitos entre tropas indianas e chinesas que aconteceram em junho, no Vale do Galwan, localizado na fronteira do Himalaia, região disputada pelos países há quase um século.

Nas últimas semanas, o governo Trump também intensificou suas ameaças de proibir o TikTok nos EUA, onde o aplicativo possui uma base de milhões de usuários mensais.

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Venda para Microsoft

Para evitar a proibição, a ByteDance revelou estar negociando com a Microsoft a venda de parte das operações mundiais do TikTok. A Microsoft confirmou a intenção e disse que discutiu com o presidente Trump suas preocupações em relação às questões de segurança nacional e possíveis restrições da aquisição.

“A Microsoft entende totalmente a importância de abordar as preocupações do presidente. Ela está comprometida em adquirir o TikTok, permitindo uma revisão completa da segurança, e concorda em fornecer benefícios econômicos adequados aos Estados Unidos, incluindo o Tesouro dos Estados Unidos”, disse a Microsoft em comunicado.

Em entrevista a jornalistas na última segunda-feira (3), o presidente americano sugeriu que o Tesouro Nacional deveria ficar com uma parte das receitas provenientes do acordo se os negócios do TikTok no país forem adquiridos totalmente, ou parcialmente, por uma empresa americana. “Os EUA devem receber uma porcentagem muito grande desse preço, porque estamos possibilitando isso”, disse.

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A Casa Branca não disse como o governo poderia forçar uma das partes a pagar ao Tesouro ou como esse mecanismo funcioná. Essa imposição dificulta ainda mais as negociações.

Os termos da proposta apresentada pela Microsoft permitiria que o TikTok funcionasse de forma independente, como acontece com o LinkedIn, comprado pela companhia em 2016, segundo informações do Jornal Financial Times.

O acordo entre as multinacionais colocaria nas mãos da empresa fundada por Bill Gates as operações do TikTok nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. A Microsoft espera concluir as negociações até 15 de setembro, prazo dado também pelo presidente americano para que a empresa, ou qualquer outra, compre o aplicativo antes de ele ser banido dos EUA.

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Os usuários dos quatro países ainda teriam acesso ao conteúdo global da rede social através de um acordo de compartilhamento com a ByteDance.

Diante do cenário, o fundador da ByteDance, Zhang Yiming, escreveu uma mensagem para seus funcionários, divulgada pela agência de notícias de tecnologia Pandaily, revelando que a empresa está trabalhando duro para evitar uma “venda forçada dos negócios do TikTok nos EUA ou uma ordem executiva que proíba o aplicativo”.

“Enquanto enfrentamos complexidades crescentes em todo o panorama geopolítico e uma pressão externa significativa, nossas equipes estão trabalhando 24 horas por dia e renunciando aos seus finais de semana nas últimas semanas para garantir a melhor saída possível”, afirmou o executivo.

O governo chinês também foi a público se posicionar contra os EUA, o Ministério das Relações Exteriores do país criticou a pressão feita por Trump e classificou como hipócrita a exigência da venda do TikTok.

“Os EUA estão usando de forma abusiva o conceito de segurança nacional e, sem apresentar nenhuma evidência, estão fazendo presunções de culpa e ameaças a empresas importantes”, disse o porta-voz da pasta, Wang Wenbin. “Isso vai contra o princípio da economia de mercado e mostra a hipocrisia e padrões dúbios típicos dos Estados Unidos em defesa da justiça e liberdade”, acrescentou.

Quem mais pode entrar na jogada?

A Microsoft já deixou claro que pode convidar outros investidores norte-americanos, como a General Atlantic e a Kohlberg Kravis Roberts, empresa de private equity americana, para ter participações minoritárias.

Embora os rumores de que outras empresas possam entrar na negociação, grandes players do mercado, como o Facebook e o Google, iriam se expor ainda mais (caso entrassem na disputa) e enfrentariam acusações sobre monopólio – em um cenário onde as big techs seguem sendo investigadas por possíveis práticas antitruste.

Apple e Walt Disney também figuram como potenciais compradores, uma vez que ambas as empresas não conseguiram avanços nos seus negócios no segmento de mídias sociais, mas a questão política em torno da situação pode superar o desejo de expansão das empresas.

“A mídia antiga simplesmente não está disposta, estratégica ou financeiramente, a olhar para uma aquisição transformadora com o TikTok, talvez a história de crescimento mais emocionante da mídia no momento”, escreveram analistas do LightShed Partners em nota.

Para os analistas, o melhores compradores da plataforma seriam o Google ou o Facebook, já que o TikTok é uma ameaça direta ao YouTube e a rede social de Mark Zuckerberg. No relatório, a equipe diz ainda estar surpresa que o Snapchat não esteja tentando adquirir ou se fundir ao seu rival – uma vez que a fusão as tornariam um concorrente em potencial para as gigantes da indústria.

“A Microsoft não seria uma dona ‘ruim’ do TikTok, mas simplesmente não a vemos aumentando a ameaça do TikTok ao Snapchat, Facebook e Twitter que já existia no ByteDance”, escreveram.

Tensão geopolítica

A questão do TikTok é mais um episódio da extensa ação americana de repressão às empresas chinesas, usando a segurança nacional como plano de fundo.

As multinacionais chinesas de telecomunicações Huawei e ZTE sofreram as restrições impostas pelos EUA, intensificadas no governo de Trump, que ordenou a interrupção da compra de equipamentos desses fornecedores para serem utilizadas nas redes americanas.

O presidente americano tenta também afastar seus aliados da Huawei por preocupações de que o governo chinês tenha acesso aos seus dados.

No Brasil, a implantação da rede de telefonia móvel 5G deixa em situação de constrangimento o presidente Jair Bolsonaro, aliado declarado de Trump, que terá que optar ou não, em se alinhar aos EUA ou continuar promovendo o desenvolvimento da rede com a chinesa Huawei, presente há mais de 20 anos no país.

Em território americano, o TikTok é alvo de investigação e já foi multado por violar as leis americanas. Em maio, diversas organizações enviaram uma queixa ao Federal Trade Comission (FTC), órgão americano responsável pela defesa econômica e do consumidor no país, alegando que a rede social descumpriu um acordo e uma lei que protege a privacidade de crianças e adolescentes na internet.

De acordo com o FTC, o TikTok prometeu excluir os dados existentes sobre usuários menores de idade e mudar suas práticas para aderir à lei local, após receber uma multa de US$ 5,7 milhões, em 2009, por manter os vídeos de menores de 13 anos em sua plataforma.

A empresa também é alvo de investigação do Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos, que revisa se a aquisição da Musical.ly pela ByteDance em 2017, viola alguma lei antitruste local.

Pablo Santana

Repórter do InfoMoney. Cobre tecnologia, finanças pessoais, carreiras e negócios