Mesmo cercado de questões políticas, 5G no país promete muito mais que aumento da velocidade

Tecnologia deve acelerar a digitalização da economia, mas a politização sobre o tema, envolvendo China e EUA, pode atrasar a expansão do 5G no Brasil

Pablo Santana

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SÃO PAULO – O Brasil caminha para entrar de vez na rota do 5G com as recentes ativações da rede de internet móvel de quinta geração feitas pela Claro e a Telefônica Brasil, dona da Vivo. A cobertura, ainda restrita a algumas capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, promete uma conexão com velocidade 12 vezes superior à do 4G.

As operadoras utilizarão a tecnologia DSS (do inglês Dynamic Spectrum Sharing, ou Compartilhamento Dinâmico de Espectro), que permite o compartilhamento do espectro das frequências já licenciadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para o 4 e o 4.5G. O mesmo movimento foi feito por outras operadoras que anteciparam a cobertura em, a exemplo da Alemanha, Estados Unidos e Suíça.

Através do DSS, a Telefônica vai destinar para o 5G as frequências de 2.600 Mhz, 1.800 Mhz e 700 Mhz utilizadas no 4G, com auxílio dos equipamentos da Ericsson e da Huawei, enquanto a Claro vai empregar a tecnologia desenvolvida pela Ericsson para compartilhar o 5G nas suas frequências.

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“A frequência é como uma via pela qual passam ‘carros 4G’ e, com a habilitação da tecnologia DSS, dois tráfegos são criados– um para o 4G e outro para 5G. Isso é feito por meio de software e é uma das formas de se trazer a tecnologia para o país aproveitando o investimento já feito pelas operadoras em suas redes”, explica Marcelo Motta, diretor global de cibersegurança e soluções da Huawei.

Mas o uso do DSS é somente uma prévia do que o 5G pode proporcionar por meio das suas três principais características: velocidade, capacidade e latência.

O desenvolvimento da nova geração de rede móvel, que deve aumentar a velocidade de conexão, permitirá também maior cobertura de sinal, envio de dados e capacidade de dispositivos conectados, acelerando o processo de digitalização da sociedade projetado para os próximos anos, quando tudo e todos se comunicarão pela rede de internet sem fio.

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Para que isso seja possível, é fundamental que a conexão entre os milhões de dispositivos ocorra em baixa latência – tempo de resposta em que os dados são transmitidos entre a rede e os aparelhos conectados -, o que possibilitará, por exemplo, o controle de objetos remotos, como carros e drones autônomos.

“O 5G é a ferramenta que vai permitir que as coisas dialoguem entre si, através do IoT (Internet das Coisas). É uma possibilidade de tornar o mundo digital e isso tem implicações inimagináveis, porque irá mudar a forma como dialogamos com o mundo. É uma nova revolução tecnológica”, diz Leonardo Trevisan, economista e professor de relações internacionais da ESPM-SP.

Para Michele Liguoro, diretor comercial da Engineering, consultoria global especializada em transformação digital, o grande diferencial do 5G em relação às tecnologias móveis passadas é que ela foi pensada com o objetivo de atender as demandas de uma sociedade hiperconectada e uma economia digital.

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No passado, o 2G possibilitou o envio de mensagens de texto (SMS) e e-mails pelo celular, sem a necessidade de um computador e o 3G impulsionou o compartilhamento de fotos e vídeos. Com o 4G, a velocidade de dados maior permitiu o avanço de atividades online e downloads mais rápidos. Porém, as projeções são ainda mais animadoras, com o 5G, que irá criar modelos de negócios e moldar as relações entre as pessoas e o espaço através da tecnologia.

“É um mundo que vai se abrir e com ele novas oportunidades vão surgir. O 5G vai fomentar a oferta de serviços aos clientes. Nesse cenário de inovação, empresas novas vão surgir, novas soluções serão lançadas no mercado e até novos perfis de usuários serão formados”, pontua Liguoro.

Diante das vastas possibilidades que o 5G pode permitir, Marcelo Motta, da Huawei, sinaliza que as suas aplicações serão feitas em fases, sendo o primeiro momento destinado a prover melhorias na qualidade da velocidade ofertada na rede.

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“No atual momento, quando falamos de 5G estamos falando de banda larga em alta velocidade. Os serviços de baixa latência, mais apropriados para o uso da tecnologia na área de saúde, por exemplo, virão com o 3GPP Release-16, um organismo que está padronizando o 5G ao redor do mundo e essa padronização será lançada em breve”, diz Motta.

O Release-16 será responsável por traçar o funcionamento da internet das coisas dentro do ambiente 5G. Ele contará com normas que estabelecem uma URLCC (do inglês, ultra-reliable and low latency communications, ou comunicação ultra-confiável e de baixa latência) para sensores, direção autônoma e remota e aplicações industriais.

O documento também estabelece questões estruturais que podem impactar o mercado das operadoras de telecomunicação, como os protocolos com especificações sobre uso de espectro não licenciado para incremento da tecnologia 5G, uso de satélites para redes, fatiamento de rede e a interoperação, ou seja, a capacidade de comunicação transparente entre redes móveis em uma mesma região.

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Desafios

A expansão do 5G também depende do leilão das faixas de frequências, que está sendo organizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O certame, previsto para acontecer neste ano, foi adiado para 2021, ainda sem data definida.

Nele serão leiloadas as faixas na qual o sinal do 5G vai operar em todo o país, sendo a principal delas a de 3.500 Mhz. Especialistas dizem que as ondas de frequência do 5G podem enfrentar algum empecilho com o sinal de parabólicas, que também usam as frequências mais baixas. Essa seria a justificativa da Anatel para a demora do certame.

Porém, o debate em torno da tecnologia ganhou dimensões geopolíticas encabeçadas por China e Estados Unidos, que também vêm interferindo no desenvolvimento do 5G.

A Huawei, junto com a ZTE, Nokia, Samsung e Ericsson são detentoras do hardware de rádio e dos sistemas 5G para operadoras. A atuação da chinesa no mercado de equipamentos para as futuras linhas da telefonia de quinta geração sofre grandes interferências dos Estados Unidos, que acusam a companhia espionagem.

Na última semana, o Reino Unido proibiu do uso de equipamentos da Huawei nas suas redes 5G. Canadá, Austrália e Nova Zelândia também tomaram medidas para restringir a atuação da chinesa em seu mercado.

No Brasil, apesar de nenhum movimento oficial, o receio existe por conta do alinhamento político do presidente Jair Bolsonaro com os EUA. Segundo Leonardo Trevisan, da ESPM-SP, esse debate político é prejudicial porque afeta diretamente a capacidade de desenvolvimento do parque industrial do país e a competitividade.

“Nós estamos adiando demais o leilão e a polarização política brasileira está presente nisso. Quanto mais adiarmos essa questão, mais perderemos nosso poder de negociação. Estamos caminhando para escolher se ficamos com os EUA e recebemos o que eles querem nos dar ou ficamos com a proteção chinesa. E não é esse o caminho que a Europa e outros países estão sinalizando, criando alternativas para essa briga dual”, reforça Trevisan.

Sobre um possível bloqueio da Huawei, que atua há 22 anos no Brasil, o diretor da companhia garante que as expectativas são positivas e que o papel da empresa é trazer melhorias para o mercado de telecomunicação brasileiro.

“Essas acusações que pesam contra nós não possuem nenhum fundamento e nos acompanham à medida que começamos a crescer no mercado internacional. Nossos clientes e governos que testam as nossas soluções confiam em nós, então, com o market share e histórico que temos no país, estamos muito confiantes de que vai prevalecer a racionalidade aqui no Brasil”, diz Marcelo Motta.

Pablo Santana

Repórter do InfoMoney. Cobre tecnologia, finanças pessoais, carreiras e negócios