O pesadelo do megashopping American Dream

Um dos maiores empreendimentos comerciais da história, na região de Nova York, estava com tudo pronto para abrir em março. Aí veio a pandemia

Sérgio Teixeira Jr.

(Gary Hershorn/Getty Images)

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NOVA YORK – O plano da Triple Five, empresa canadense que é uma das maiores donas de imóveis comerciais dos Estados Unidos, era grandioso e inovador: construir o segundo maior shopping center americano, mas com mais de metade do espaço dedicado ao entretenimento, não a lojas.

O consumidor americano da era do smartphone não quer – ou não precisa – ir ao shopping para comprar. Mas, se as opções de diversão forem atrativas o suficiente, quem sabe ele não se convence a pelo menos dar uma olhadinha nas vitrines?

Para chamar a atenção para a cidade de East Rutherford (Nova Jersey), a menos de 15 quilômetros de Manhattan, a Triple Five ergueu um complexo de 280.000 metros quadrados que conta com dois parques de diversões, a maior pista de esqui indoor da América do Norte, um parque aquático, mini golfe e aquário, além dos tradicionais cinemas e restaurantes. E lojas, claro.

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Ou pelo menos este era o plano. O projeto, que custou US$ 5 bilhões e levou 15 anos para ser concluído (o negócio trocou de mãos duas vezes neste período), teve um soft opening no final de outubro do ano passado, com a inauguração do rinque de patinação e do parque temático do canal de televisão infantil Nickelodeon. Em dezembro, a pista de esqui abriu suas portas ao público.

A abertura das cerca de 300 lojas estava prevista para meados de março – justamente quando a pandemia do coronavírus chegou à região de Nova York. Quando foi decretado o isolamento, apenas 8% do espaço havia sido aberto ao público.

Embora os shoppings de Nova Jersey estejam abertos desde o final de junho, ainda não há data prevista para que o American Dream seja inaugurado em sua totalidade — não sabe nem mesmo se isso vai acontecer tão cedo.

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O grupo Triple Five (que também é dono do maior shopping dos Estados Unidos, o Mall of America, no estado de Minnesota), deu calote em três pagamentos consecutivos da hipoteca, e inquilinos estão rompendo contratos de aluguel.

Antes mesmo do fechamento por causa da Covid-19, duas tradicionais lojas de departamento de Nova York, Barney’s e Lord & Taylor, abandonaram os planos de abrirem unidades no American Dream.

Segundo o site NJ.com, que cobre o estado, marcas como Forever 21 e Victoria’s Secret estariam estudando fazer o mesmo.

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A rede de suplementos alimentares GNC, que teria uma loja no shopping, decretou falência e também não será uma das inquilinas da Triple Five.

O pesadelo do American Dream é o sinal mais marcante de uma mudança profunda no setor de varejo, particularmente nos shopping centers, uma verdadeira instituição americana.

As grandes lojas de departamento sempre foram as grandes âncoras desse tipo de empreendimento e correspondem a cerca de 30% do espaço dos shoppings pelo país.

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Mas esse tipo de loja já passava por uma das crises mais graves de sua história antes mesmo da pandemia: as vendas de março deste ano foram 23% menores em comparação com o mesmo período do ano passado.

Incapaz de competirem com o comércio eletrônico na diversidade de ofertas e também com as lojas especializadas em qualidade de serviço e experiência do cliente, nomes tradicionais como Neiman Marcus e JC Penney entraram em concordata.

A Macy’s, talvez a loja de departamento mais conhecida do mundo, anunciou em fevereiro o fechamento de 125 lojas.

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No trimestre encerrado em 2 de maio, que inclui o impacto da pandemia, a empresa teve uma queda de 45% nas vendas, em relação ao mesmo período de 2019.

Muitos lojistas de menor porte têm o direito a reduções no aluguel ou até mesmo a isenção de multas por quebra de contrato, caso os grandes nomes não estejam mais presentes nos shoppings.

Além disso, a pandemia acelerou a adoção do comércio eletrônico, que seria um dos motivos para o “apocalipse do varejo”.

Com a pandemia ainda fora de controle nos Estados Unidos, muitos estados populosos estão reintroduzindo medidas de isolamento e, mesmo quando elas forem relaxadas, não há garantias de que os consumidores sentirão segurança em voltar a espaços fechados e movimentados.

Em entrevista ao InfoMoney, Matthew Shay, presidente da NRF (associação dos varejistas americanos) afirma que a crise vai passar, e o varejo vai aprender as lições.

Embora no curto prazo haja pouco motivo para otimismo em relação a um projeto faraônico como o do American Dream, os observadores do setor afirmam que o shopping está em boas mãos.

Fundada nos anos 1979 por imigrantes iranianos, a Triple Five tem experiência em empreendimentos de grande porte. E a ideia de um shopping que mistura entretenimento e compras ainda não teve a chance de se provar.

Antes da pandemia, a companhia esperava receber até 40 milhões de visitantes por ano.

Além da localização estratégica em uma das áreas mais densamente povoadas dos Estados Unidos, o American Dream tem planos de atrair turistas que estejam em Nova York ou que desembarquem no aeroporto de Newark.

Antes da pandemia, uma linha de ônibus levava os consumidores da rodoviária de Manhattan ao shopping em cerca de 20 minutos (se não houvesse trânsito).

E o shopping fica ao lado do estádio Metlife, onde jogam os dois times de futebol americano da cidade, o New York Giants e o New York Jets, e onde são realizados shows de artistas como U2 e Taylor Swift.

A Triple Five não respondeu a pedidos de entrevistas, mas o CEO da companhia, Don Ghermezian, afirmou ao canal CNBC em abril que “as pessoas estarão enlouquecidas [quando a pandemia passar]. No começo, teremos alguma trepidação. Mas acho que vamos receber muita gente.”

Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York