O apocalipse do varejo é um mito, diz associação comercial americana

Presidente da National Retail Federation acredita que o momento atual oferece uma oportunidade para os lojistas reavaliarem seus negócios

Sérgio Teixeira Jr.

Johnny Louis/Getty Images

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NOVA YORK – Há alguns anos fala-se num “apocalipse” do varejo tradicional.

As vendas online ainda representam cerca de 10% do total do setor. Ou seja, 90% das transações ainda acontecem em lojas físicas.

Mas os números deixam claro que a preferência dos consumidores está mudando — e isso ficou em evidência com a pandemia do coronavírus.

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Seja por causa das restrições de circulação ou pelo desemprego em níveis recordes — que leva o consumidor a ser mais seletivo —, o setor varejista tem sido um dos mais atingidos pela crise.

A empresa de pesquisas Coresight Research estima que até 25.000 lojas fechem as portas neste ano. Em 2019, o número de estabelecimentos comerciais que encerraram as atividades ficou em 9.300.

Marcas conhecidas, como a rede de suplementos alimentares GNC e a marca de roupas femininas Ann Taylor, decretaram concordata, assim como a JC Penney, empresa com 118 anos de história.

A espanhola Inditex, dona da Zara, anunciou em junho que até 1.200 das suas lojas serão fechadas permanentemente nos próximos dois anos. A lista é longa.

Mas, para Matthew Shay, presidente da National Retail Federation (NRF), associação que reúne os varejistas americanos e realiza uma convenção anual frequentada por milhares de executivos do setor no Brasil, a ideia de um “apocalipse do varejo” é um mito.

Shay acredita que a pandemia vai acelerar transformações na experiência dos clientes e considera que o momento atual oferece uma boa oportunidade para que os lojistas transformem seus negócios — aqueles que sobreviverem ao massacre, é claro.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Shay ao InfoMoney:

O varejo foi um dos setores mais atingidos pela pandemia. Muitas lojas fecharam e nunca mais voltarão a abrir. Estive nas últimas cinco edições do evento anual da NRF, em Nova York, e em todas elas a ideia de um “apocalipse do varejo” foi descrita como dramática demais. Ainda é o caso?

A ideia de um apocalipse do varejo sempre foi um mito que ignora o forte crescimento das vendas que o setor de varejo tem registrado a cada ano na última década.

Antes da pandemia, as vendas no varejo cresceram 3,8% em 2019, e o setor deve se recuperar à medida que a pandemia diminuir.

A Covid-19 acelerou certas tendências nos últimos anos, à medida que os varejistas reinventam a experiência do cliente, unindo os canais online e offline.

Fazer compras faz parte da vida dos americanos, e o varejo continuará sendo a espinha dorsal da economia de nosso país.

Qual é a perspectiva da NRF para o resto do ano, já que a pandemia ainda está fora de controle em algumas partes do país?

As vendas no varejo já começaram a se recuperar com a reabertura da economia. A rapidez e a facilidade com que a economia se vai recuperar dependerá em grande parte da trajetória do vírus.

Recuperações normalmente não acontecem em linha reta, e ainda pode haver sobressaltos, mas acreditamos que a economia e o setor de varejo estejam numa curva ascendente.

O varejo continuará sendo a maior fonte de emprego para os americanos?

O setor de varejo emprega diretamente 32 milhões de pessoas e sustenta 52 milhões.

O setor é o maior empregador do país, em grande parte, porque faz a interface entre outras indústrias e o consumidor. A pandemia não muda isso.

Alguns observadores dizem que a pandemia acelerou bastante a mudança para o comércio eletrônico e que ela deve ser duradoura. O senhor concorda?

A pandemia mostrou claramente como é fácil comprar sem sair de casa, e isso certamente pode acelerar o nível de conforto dos consumidores com as compras online.

Mas lembre que, antes da pandemia, 90% das vendas no varejo ocorriam em lojas físicas, e mesmo com um aumento acelerado nas compras online a maioria das vendas ainda será realizada nas lojas.

Fazer compras é uma atividade social. Os consumidores gostam comprar de varejistas e marcas que conhecem.

Os varejistas tradicionais estão prontos para acelerar seus planos e competir contra os gigantes do e-commerce (como Amazon, mas também o Walmart)?

O varejo é uma das indústrias mais competitivas de toda a economia, porque os consumidores têm muitas opções. É muito fácil atravessar a rua para ir a outra loja ou clicar no próximo site.

Os varejistas competem de várias maneiras. Não é uma questão tão simples quanto lojas físicas vs. lojas online, ou lojas pequenas vs. lojas grandes. Todo formato de varejo tem suas vantagens.

O senhor acredita que as pessoas estarão menos inclinadas a ir às lojas físicas depois de fazer a maior parte, se não todas, as compras nos últimos meses pela internet?

Muita gente continuou comprando em lojas físicas durante toda a pandemia. Vimos filas enormes para entrar em estabelecimentos que ficaram abertos.

Os varejistas fizeram um grande esforço para garantir a segurança dos clientes, colocando telas de acrílico nos caixas, melhorando a sinalização, fornecendo máscaras e álcool gel, fazendo limpeza constante.

Existem vários produtos que os consumidores querem ver, provar ou tocar antes de comprar. Na verdade, existe uma demanda reprimida.

As pessoas querem voltar a sair de casa, querem voltar ao normal, e isso já está trazendo os consumidores de volta às lojas.

Que oportunidades a crise apresenta aos varejistas?

Essa é uma excelente oportunidade para os varejistas reavaliarem o que funciona e o que não funciona. Seja vendendo na loja vs. online, projetando lojas para permitir maior distanciamento social ou olhando para a estrutura e o financiamento do negócio.

É hora de os varejistas aprenderem, inovarem e colocarem essas lições em prática.

Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York