Frete grátis, variedade e mais conteúdo: as apostas do Mercado Livre para retomar posto de empresa mais valiosa da América Latina

Empresa prioriza ganho de mercado em detrimento de margens maiores: vice-presidente contou o segredo do sucesso e especialistas apontam desafios

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – O boom do e-commerce visto em 2020 impulsionou o varejo brasileiro. Magazine Luiza (MGLU3), Lojas Americanas (LAME4), B2W (BTOW3), donas das Americanas.com, Shoptime, e Submarino, e Via Varejo (VVAR3), dona das Casas Bahia e Pontofrio, apresentaram resultados positivos mesmo em meio à crise.

E não foi diferente com o Mercado Livre (MELI34): no último trimestre, a empresa viu sua receita crescer 97%, e nos últimos 12 meses até ontem, os BDRs da empresa argentina (certificados de ações de companhias estrangeiras negociados na Bolsa brasileira) apresentaram uma valorização de 240%. No mesmo período, o Ibovespa teve valorização de 53%.

Também em 2020, o Mercado Livre chegou a ser a empresa mais valiosa da América Latina, quando atingiu US$ 60,6 bilhões de valor de mercado em agosto, segundo um levantamento feito pela Economatica. A empresa perdeu a posição para a mineradora Vale, que hoje está avaliada em US$ 86,3 bilhões.

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Diante de um cenário tão competitivo no Brasil, o Mercado Livre vem anunciando novos serviços e aplicando estratégias para tentar abocanhar mais pedaços do mercado. Em março, a empresa anunciou que vai investir R$ 10 bilhões no Brasil, seu maior mercado, em 2021. Além disso, deve contratar cerca de 7 mil novos funcionários diretos neste ano.

Somado a isso, na última semana, a empresa anunciou frete grátis para os produtos entregues pela sua própria malha logística que custem mais de R$ 79 para todos os clientes. Mas quais são os próximos passos da empresa? Quais as estratégias para continuar crescendo no segundo ano marcado pela pandemia?

O InfoMoney conversou com Fernando Yunes, vice-presidente sênior do Mercado Livre no Brasil, para destrinchar os planos da empresa: com foco em logística, variedade de produtos, parcerias e conteúdo, o Mercado Livre que ampliar sua presença no país, e, quem sabe, retomar o posto de empresa mais valiosa da América Latina. Confira abaixo os principais trechos.

1. Investimento em logística

O faturamento do e-commerce cresceu 41% em 2020, com mais de 194 milhões de pedidos feitos por consumidores brasileiros no ano. Diante desse boom, as varejistas tiveram que se organizar e administrar uma infraestrutura logística de forma eficiente para atender os clientes, que cada vez mais querem receber seus produtos mais rápido.

No Mercado Livre, em 2017 apenas 5% do volume total de vendas passava pela logística própria da empresa. No último trimestre de 2020, cerca de 80% das vendas já foram entregues nesse formato próprio.

“Após o fechamento do primeiro trimestre deste ano, cerca de 90% das vendas já são entregues completamente por nós. É uma vantagem importante e traz resultados significativos: conseguimos garantir prazos de entrega mais curtos e o cliente aprova esse tipo de benefício”, avalia Yunes.

A empresa conta com dois formatos de centros de distribuição: o chamado fulfillment o cross docking. 

“No caso do primeiro, o lojista que vende no mercado livre tem uma parceria com a empresa e cuida apenas do produto, enquanto toda a parte de entrega desde pegar no vendedor, manter em estoque até levar no cliente fica por conta do Mercado Livre. O produto fica estocado no fulfillment antes mesmo da venda acontecer”, explica Yunes.

Atualmente, 90% das compras realizadas no Mercado Livre, que acontecem via fulfillment, são entregues em até 48 horas e 75% delas em até 24 horas, incluindo sábados e domingos, conforme explicou o executivo.

Já os centros de cross docking não mantêm o produto estocado, eles são apenas uma base de apoio.

“Nesse caso, o produto está com o vendedor, que além de ter o produto realiza parte da logística. A equipe do Mercado Livre vai até o centro de distribuição desse vendedor, pega o produto, leva paro cross docking e ordena para a entrega. Essa opção é um pouco mais lenta”, acrescenta Yunes.

O Mercado Livre hoje possui cinco centros de distribuição no formato de fulfillment em funcionamento: dois em Cajamar (SP), um em Louveira (SP), um em Lauro de Freitas (BA), e um em Governador Celso Ramos (SC). Além desse, Yunes explicou que há mais dois previstos para abrir esse ano, um terceiro em Cajamar, e um novo em Extrema (MG).

Além dos CDs, a empresa conta com 16 centros de cross dockings, uma frota aérea de 4 aviões para a operação no Brasil, além da malha rodoviária, cujo tamanho não foi revelado.

Alexandre Machado, sócio-diretor da GS&Consult, consultoria que atua desde 1989 com serviços para o varejo, explica que a infraestrutura que a empresa construiu é muito sólida. “A logística seria o principal ponto de gargalo dessa operação, que é completamente online e que vendeu muito em 2020. Mas a empresa entendeu a importância desse segmento no negócio e vem investindo forte”, explica.

Segundo ele, entre a concorrência, a logística do Mercado Livre não é exatamente um diferencial, já que concorrentes como Magazine Luiza e Amazon, por exemplo, também contam com uma infraestrutura logística bem completa.

Por isso, para se diferenciar a empresa precisará, continuar desenvolvendo uma boa malha logística, mas também apostar em outras frentes.

2. Variedade de produtos

Se a logística não será suficiente para fazer o Mercado Livre ganhar mais espaço, sua variedade de produtos pode ser uma avenida nessa direção. Hoje, há mais de 300 milhões de produtos anunciados na plataforma da empresa e cerca de 12 milhões de vendedores.

“Vendemos praticamente de tudo o que não é perecível, praticamente todas as categorias de consumo”, disse Yunes.

Segundo ele, o Mercado Livre será o canal que vai disponibilizar qualquer produto para o cliente e essa facilidade pode ser um diferencial. “No mundo físico, você pegaria o carro e iria até a loja física, mas também poderia encontrar várias lojas físicas dentro de um shopping. Nós somos o shopping do mundo virtual”, explica.

Um avanço nessa diversificação é a categoria supermercado, cujo aumento de buscas no primeiro trimestre em 2020 foi de 300% na comparação com o trimestre do ano anterior.

“Com a pandemia e o isolamento social, mais pessoas consumiram produtos de supermercados sem sair de casa. Foi um dos destaques no ano passado, mas nesse primeiro trimestre essa categoria também continua crescendo”, diz Yunes.

Segundo ele, uma combinação de fatores deve impulsionar essa categoria: esse ano ainda será atípico com a pandemia, o que pode continuar gerando novas compras; e não é toda a base de clientes do Mercado Livre que compra da categoria supermercado.

“Temos cerca de 61 milhões de clientes, o potencial de crescimento é grande. E seguimos aumentando a variedade na plataforma: P&G, Ambev, Coca-Cola, Pepsi, Nestlé, Nespresso, entre outras. As marcas que a pessoas encontra no mercado, vai encontrar também no Mercado Livre”, afirma Yunes.

Essa diversificação de produto fica ainda mais tangível ao levar para o segmento da saúde. Durante a live do Por Dentro dos Resultados, projeto do InfoMoney, o CEO do Mercado Livre já afirmou que assim que a empresa tiver o Aval da Anvisa, entrará também no segmentos de farmácia. 

“Nós queremos ser a empresa que o cliente vai encontrar de tudo e ainda receber no menor prazo possível”, afirma Yunes.

3. Parcerias com grandes marcas

Essa estratégia de oferecer todas as opções de produtos passa agora por uma fase em que o Mercado Livre está buscando trazer grandes empresas – como as citadas de supermercado — mas também de diversos segmentos.

“Vamos avançar cada vez mais em sortimento com empresas e marcas de reputação. Já temos a Samsung, Motorola, L’oreal, por exemplo, mas queremos trazer mais marcas como Adidas, Nike, entre outras”, explica o executivo da empresa.

Na prática, com essa parceria o cliente pode ter acesso à loja oficial da marca ou revendedores oficiais.

“A fortaleza dessas parcerias é a nossa audiência: temos 61 milhões de brasileiros acessando o shopping Mercado Livre. Essa audiência tem muito valor, é uma vitrine gigantesca. E a marca não tem que escolher entre estar no Mercado Livre e ter seu site próprio, mas estar com a gente é ganhar ainda mais exposição. Nós damos espaço para a marcar estar no mesmo lugar do cliente”, avalia Yunes.

4. Redução do frete

Benefícios de frete não são exatamente uma grande novidade, mas Yunes acredita que o foco na experiência do cliente ainda é a pedra no sapato de muitas empresas e também pode ser um diferencial em um ambiente tão competitivo como o varejo no Brasil.

De fato, uma pesquisa da Ebit/Nielsen & Bexs Banco mostra que o frete grátis é um dos pontos mais importantes para os clientes: 43% das transações não tiveram custo de envio para o consumidor em 2020.

Machado pontua que esse tipo de benefício bastante amplo, só é possível graças à estrutura logística.

“Essa proposta de valor é importante: o consumidor no e-commerce tem como atributo de decisão de compra o preço. Mesmo quando o frete é grátis, o custo está embutido no preço, naturalmente, mas quando a empresa entrega o frete grátis e um prazo rápido de entrega, muitas vezes no dia seguinte, por exemplo, não necessariamente o preço vai ser o mais importante. Resolver o problema de conveniência é muito positivo”, avalia.

5. Mais conteúdo para os clientes

Com o frete grátis para todos os clientes, uma das principais vantagens que os clientes com altas pontuações no Mercado Pontos, perdem um atrativo.

Na prática, quanto mais o cliente compra na plataforma, mais avança de nível. O nível seis é o que oferece a maior quantidade de benefícios, entre eles: descontos nos pagamentos com código QR, 45% OFF nos fretes de compras abaixo de R$ 79, devoluções grátis, entre outros.

Yunes admite que, de fato, a novidade vai tirar um dos benefícios dos clientes “vips”, mas explica que a empresa vai apostar em outro segmento para fidelizá-los: benefícios em conteúdos por assinatura.

“Nós já fechamos parcerias com o Disney+, com o streaming de música Deezer, com a HBO com descontos para os clientes conforme seus respectivos níveis. O nível 6 oferece 45% de desconto nessas assinaturas, se a pessoa fechar pelo Mercado Livre. Não faltarão iniciativas nesse sentido”, diz.

Desafios pela frente

Com o sucesso em 2020 e presença em 18 países hoje, sendo o Brasil o responsável por cerca de 54% das vendas totais, o Mercado Livre ainda tem alguns desafios a serem superados, de acordo com os especialistas ouvido pelo InfoMoney.

Machado explica que um dos pontos a ser trabalhado é a percepção do cliente em relação à empresa.

“Hoje o Mercado Livre pela expertise na diversificação é conhecido pela plataforma que ‘tem de tudo’, você acha qualquer coisa lá. Mas esse é um critério para o consumidor: se precisa de um produto em que a marca é considerada importante, como uma televisão ou geladeira, por exemplo, o cliente não vai no Mercado Livre, busca varejistas tradicionais, como o Magalu, Casas Bahia, que já têm credibilidade advinda do varejo físico. É um ponto a ser trabalhado. As parcerias com grandes marcas é uma tentativa de melhorar essa percepção, mas é um processo que leva tempo”, explica.

Porém, a construção da credibilidade frente ao consumidor leva tempo.

“Você consolidar uma marca como crível no mercado é algo demorado. O Mercado Livre vem desenvolvendo esse processo e está evoluindo. O próprio nome já traz a sensação de qualquer um compra e vende qualquer produto. Isso somado ao formato online ainda gera algumas inseguranças e a empresa deve trabalhar cada vez mais essa questão”, afirma Alex Antonio Ferraresi, especialista em marketing estratégico da Escola de Negócios da PUC-PR.

Outro tópico muito relevante é a experiência do cliente diante de um mercado que oferece tantas opções. Yunes lembra que a empresa vai investir forte em tecnologia entre outras coisas para melhorar a jornada do cliente dentro da plataforma no site e no app do Mercado Livre. “Precisamos cada vez mais ser uma plataforma intuitiva, simples de usar, que oferece informações claras. Estamos trabalhando em melhorias nesse aspecto”, diz.

A empresa está com cerca de 7 mil vagas abertas para contratações neste ano, e Yunes afirmou que outro desafio será manter a cultura da empresa com a empresa crescendo em ritmo acelerado. “Precisamos preservar os valores trazendo muita gente nova, é um trabalho constante de integração e organização. Começamos o ano passado com 2.450 funcionários e terminamos com 5 mil. E esse ano, vamos quase triplicar a quantidade”, afirma.

Duas áreas estão com o maior número de vagas abertas: logística e tecnologia. “Dos R$ 10 bilhões que vamos investir no país neste ano, grande parte vai para esses dois segmentos, que acreditamos serem os caminhos que vão nos ajudar a crescer ainda mais”, explicou Yunes.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.