A regra para criar grandes negócios que a maioria dos empreendedores negligencia

Para pesquisadores da INSEAD, ao contrário do que se possa pensar, quem constrói um grande negócio na maioria dos casos não é quem teve a ideia original

Letícia Toledo

(Spencer Platt via Getty Images)

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SÃO PAULO – “O que posso fazer diferente de tudo que já foi feito?”. É esta a perguta que nove em cada dez aspirantes a empreendedor fazem a si mesmos em busca de uma ideia inovadora para construir um grande negócio. Mas empresas de sucesso criadas nos últimos anos mostram que ter um conceito totalmente original é cada vez menos relevante no mundo dos negócios.

“É muito difícil você ter uma ideia inédita que ninguém teve”, afirmou Paulo Veras, fundador do aplicativo de transportes 99, em entrevista ao podcast Do Zero ao Topo desta semana.

Entre 2012 e 2013, o Brasil viveu uma verdadeira febre de lançamentos aplicativos de transporte  — a 99 estava entre eles. A ideia de todos era basicamente a mesma: criar um aplicativo que facilitasse o acesso a um taxi.

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O que então levou a 99 a superar concorrentes e se tornar o primeiro unicórnio brasileiro (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão)? Para Veras, a resposta é justamente a regra essencial para criar uma boa empresa — mas que muitos empreendedores acabam esquecendo — : o foco na execução do negócio.

“O diferencial entre quem consegue criar algo grande e ganhar o jogo é muito mais na execução do que na criatividade de pensar algo que ninguém pensou”, afirmou Veras.

No caso da 99, a execução teve dois pilares centrais: formar uma boa equipe, alinhada com o propósito do negócio, e focar na experiência do cliente. “Parece óbvio, mas a minoria das empresas está realmente focada em resolver o problema do cliente”, disse durante o podcast Do Zero ao Topo. Confira um trecho da entrevista no vídeo abaixo (ou clique aqui).

O dilema da imitação

Um artigo recente dos professores Jason Davis e Vikas A. Aggarwal da INSEAD — uma das melhores escolas de negócios do mundo — reforça a tese de que ter uma ideia inovadora em um cenário de extrema competição digital pouco importa. O “campeão do setor” é definido pelo plano bem executado e os recursos que tem disponíveis.

O problema de focar em uma ideia inovadora para tentar levar vantagem, segundo os pesquisadores, está no que definiram como The Innovator’s Imitation Dilemma (O Dilema da Imitação do Inovador, em tradução livre).

Segundo a tese, no mundo digital, quem geralmente vence uma competição de negócios é a empresa que copiou a ideia desenvolvida por uma outra. Um exemplo citado é o da rede social Facebook e sua cópia do aplicativo Snapchat.

Após falhar na aquisição do Snapchat, Mark Zuckerberg replicou o modelo — que consistia basicamente na publicação de fotos e vídeos que desapareciam depois de 24 horas — no Instagram, Facebook e Whatsapp. A modalidade do Instagram, o Instagram Stories, se tornou popular e em um ano depois, a rede social de Zuckerberg ultrapassou o número de usuários ativos diários do Snapchat.

Transferindo a teoria para o caso dos aplicativos de transportes, Davis e Aggarwal ressaltam que a Uber foi pioneira nesse mercado, em 2009. Mas, como seu modelo de aplicativo era simples e fácil de replicar, as cópias se espalharam pelo mundo — incluindo o Brasil

Por aqui, o aplicativo americano conseguiu se consolidar, mas precisou investir alguns bilhões para conquistar o público que — na época do início da operação da Uber — já estava acostumado com outros apps.

Um negócio à prova de imitações

Mas, afinal, como um empreendedor com uma ideia original pode ter sucesso e se blindar da concorrência? A resposta, segundo os pesquisadores da INSEAD, está em uma abordagem que chamam de “inovação contínua complexa”. Neste modelo, a empresa pioneira reconfigura repetidamente seus conhecimentos e o fundamento de seu produto, sempre oferecendo novas soluções e ferramentas interdependentes.

Em linhas gerais, isto significa criar um produto que seja complexo o suficiente do ponto de vista de inteligência e tecnologia para dificultar a cópia, mas aos mesmo tempo apresentar soluções e ferramentas simples e necessárias do ponto de vista do consumidor final.

Para os pesquisadores o aplicativo chinês TikTok — um dos mais baixados em todo o mundo — é um exemplo bem-sucedido deste modelo. Mark Zuckerberg bem que tentou copiar os vídeos curtos da plataforma no Instagram, mas até agora não obteve sucesso. Isto porque, explicam Davis e Aggarwal, o TikTok conseguiu combinar e recombinar tecnologia e funções de diferentes aplicativos em um produto complexo (do ponto de vista do desenvolvimento) e único.

“Do lado do consumidor, os algoritmos do TikTok aprendem rapidamente as preferências individuais, capturando gostos, comentários e tempo gasto em cada vídeo. Do lado do produtor, a inteligência artificial simplifica a edição de vídeo e sugere música, hashtags, filtros e outros aprimoramentos que estão em alta ou que se provaram populares. Essencialmente, o TikTok recombinou elementos dessas diferentes tecnologias e aplicativos para criar uma nova categoria de entretenimento amador, diferente da narrativa da vida real oferecida pelo Facebook”, explicam os pesquisadores.

Outro bom exemplo de inovação complexa que afastou concorrentes é o Spotify. “Seu serviço de streaming de música aparentemente simples é, na verdade, uma combinação complexa de uma interface do usuário que muda dinamicamente, com algoritmos de previsão comportamental, e um catálogo de música em constante expansão”, afirmam.

É com esses exemplos em mente que os pesquisadores afirmam que não é possível vencer a concorrência focando apenas em ser mais rápido que os demais no lançamento. “É preciso se concentrar em frustrar imitadores em potencial, recombinando o conhecimento de novas maneiras para lidar com oportunidades complexas.”

Confira mais conteúdos sobre empreendedorismo e negócios no podcast Do Zero ao Topo.

Letícia Toledo

Repórter especial do InfoMoney, cobre grandes empresas de capital aberto e fechado. É apresentadora e roteirista do podcast Do Zero ao Topo.