Vendas de títulos de capitalização caem 7% no semestre com crise, mas produto ainda responde por mercado de R$ 31 bi

Especialistas associam demanda à falta de educação financeira no país e à pressão exercida por profissionais ao recomendarem o produto

Mariana Zonta d'Ávila

(pxel66/Getty Images)

SÃO PAULO – Com uma ampla oferta que parte principalmente de gerentes de bancos e com produtos muitas vezes ainda confundidos com um investimento, o mercado de títulos de capitalização encerrou o primeiro semestre com uma queda de 7% na receita em relação ao mesmo período de 2019, somando R$ 10,7 bilhões.

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Em linha com grande parte do mercado financeiro, o resultado foi prejudicado pela pandemia de coronavírus, em especial no mês de abril, diz Carlos Alberto Corrêa, diretor executivo da Federação Nacional de Capitalização (FenaCap).

Após o maior desempenho dos últimos cinco anos em 2019, com aumento de 13,8% nas receitas, para quase R$ 24 bilhões, a expectativa da FenaCap era de que o movimento se repetisse em 2020 – pelo menos até a chegada da Covid-19.

Agora, as estimativas estão sendo revistas em meio ao novo cenário. “Os números vêm demonstrando que o ponto de inflexão foi abril e temos visto uma retomada. Percebemos também uma queda nos resgates, com as pessoas mais atentas a como vai ser o dia de amanhã”, diz Corrêa.

Não é um investimento

Embora possam ser ainda comercializados com um apelo de retorno, títulos de capitalização não são produtos de investimento. Seu atrativo principal reside em sorteios de prêmios como casas, carros e dinheiro.

Os produtos funcionam como uma aposta na loteria. A diferença é que, ao fim de um período estabelecido, o detentor do título pode receber de volta parte do dinheiro pago, corrigido monetariamente.

Do montante pago em cada título de capitalização, uma parcela é destinada para financiar os sorteios e outra responde por uma taxa de carregamento, direcionada para a empresa de capitalização. A terceira fatia é destinada à constituição de um capital que poderá ser rentabilizado.

De acordo com a Superintendência de Seguros Privados (Susep), que regula o setor, o mínimo destinado à capitalização deve ser de 50%, enquanto as cotas de sorteio e os custos administrativos não podem ultrapassar 25% cada.

Mas mesmo que metade do valor investido esteja aplicado, o consumidor (o dono do papel) não deve esperar um retorno atrativo. Isso porque o rendimento de títulos de capitalização está atrelado à variação da Taxa Referencial (TR), zerada desde 2018. Para se ter uma ideia da perda do poder de compra do consumidor, a TR não bate a inflação há pelo menos 20 anos.

O que explica a demanda pelo produto?

Se o título de capitalização não oferece retornos atrativos e pode corroer o poder de compra ao longo do tempo, por que o produto ainda representa um mercado de R$ 31 bilhões no Brasil, correspondente à metade do estoque do Tesouro Direto?

Para Claudia Yoshinaga, professora de carreira na Fundação Getulio Vargas e coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP, a pressão exercida por profissionais ao recomendarem o produto (muitas vezes com apelos para superar suas metas de vendas) ainda exerce significativa contribuição para as vendas.

“Esse fator tem um peso bem importante, porque a recomendação parte de pessoas consideradas entendidas no assunto e, portanto, não pode ser ruim”, afirma.

Thiago Godoy, head de educação financeira da XP e também especialista em finanças comportamentais, argumenta que a falta de educação financeira no país também se faz presente nesse mercado, o que leva muitas pessoas a acreditarem que a capitalização é um investimento.

Por ser um produto muito antigo, diz, as pessoas o associam à segurança, como a poupança, então mantêm o dinheiro por inércia. “A pessoa tem medo de ir para o mercado financeiro e contratar investimentos que são, inclusive, mais seguros, como o Tesouro Selic.”

Na avaliação do especialista, a única forma de o produto perder o apelo é haver um aumento de informações e transparência. “Basta o brasileiro começar a se orientar de forma correta para saber que pode fazer muito mais com seu dinheiro.”

Títulos quase centenários

Criados na década de 1930 com o objetivo de oferecerem uma “solução de negócio com prêmios”, os títulos de capitalização podem ser adquiridos à vista (pagamento único) ou a a prazo (com pagamentos mensais).

Com prazos para a contratação que variam de 12 a 60 meses, o produto tem prazo de carência, período em que o capital fica indisponível ao titular.

Se decidir (e puder) sacar antes do prazo estipulado, o detentor do título ficará sujeito a uma multa. E cabe mais uma vez checar previamente as condições do produto para conferir a penalidade máxima, que pode variar conforme a modalidade selecionada.

De acordo com a Susep, o percentual de multa não pode ser superior a 10% do capital referente à cota de capitalização. Quanto menos tempo o consumidor ficar, maior será a perda.

“A penalidade é mal explicada. Mas quem resgata antes pode perder dinheiro, então a pessoa precisa ficar até o fim com o título”, alerta Godoy, da XP.

Modalidades

Atualmente, são cinco as modalidades do produto, que variam de acordo com o objetivo do cliente, isto é, se deseja dar maior ênfase ao sorteio ou à constituição de uma reserva. São elas: “tradicional”, “instrumento de garantia”, “filantropia premiável”, “popular” e “incentivo”. Confira na tabela abaixo:

Na tradicional, modalidade que tem a maior representação no segmento, respondendo por 75% dos títulos vendidos no primeiro semestre, o objetivo, além de concorrer a prêmios, é a formação de uma reserva, de maneira programada, por um prazo e valores predeterminados.

A FenaCap argumenta que a categoria é uma solução para as pessoas sem disciplina para guardar dinheiro, mas ela própria enfatiza que o produto não se destina a pessoas interessadas em “rentabilizar um capital ou que tenham por objetivo lançar mão de valores no curto prazo”.

Já na “filantropia premiável”, o consumidor participa dos sorteios, mas cede o direito de resgate da sua reserva para uma instituição filantrópica, como o Hospital de Barretos, Hospital do Câncer e Fanapaes.

Os títulos também podem ser utilizados para fins legais. É o caso do instrumento de garantia, que pode substituir a figura do fiador nas transações de aluguel de imóveis, por exemplo. Dessa forma, o valor do título entra como garantia contra a inadimplência.

Bradesco lidera as vendas

Entre as instituições financeiras que mais venderam títulos de capitalização no primeiro semestre, o topo do ranking é ocupado pelo Bradesco, com participação de 25% nas vendas, ou R$ 2,7 bilhões, segundo dados da Susep. O banco ainda é responsável pela maior fatia do estoque no mercado.

Na sequência entre as principais vendas em 2020 aparecem a Brasilcap, do Banco do Brasil, com uma fatia de 19,4% (R$ 2 bilhões), e o Santander, com receita de R$ 1,5 bilhão (14,5% do total), desbancando o Itaú, que havia ocupado a terceira posição nos primeiros seis meses de 2019.

Entre as 17 instituições financeiras que oferecem o produto no Brasil, a maior queda na receita partiu da SulAmerica, com baixa de 84% na primeira metade do ano. Isso porque a empresa vendeu, em fevereiro deste ano, sua carteira de capitalização das modalidades garantia locatícia e incentivo para a Icatu Seguros.

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