“Regras de bolso”: aliadas ou inimigas na hora de cuidar das finanças?

Poupe 10% da renda, pague-se primeiro, diversifique... Estudo identificou as regras mais populares - e o que elas dizem do bem-estar financeiro das pessoas

Mariana Segala

(Unsplash)

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SÃO PAULO – Via de regra, um bom planejamento financeiro começa com uma profunda análise individual das contas, das metas e das expectativas de cada um. As decisões sobre o que fazer com o dinheiro, afinal, são pessoais e intransferíveis, argumentam os especialistas. Ocorre que nem todo mundo consegue reservar tempo ou encontrar disposição para encarar esse processo no detalhe, do início ao fim. Vale a pena, nesses casos, recorrer às “regras de bolso”?

Assim são chamadas aquelas orientações simples e generalistas sobre finanças, que servem como uma espécie de lembrete ou pequeno compromisso que facilita tomar uma decisão. Entre os exemplos de regras de bolso estão a que diz “é melhor pagar à vista do que a prazo”, ou a que sugere “economizar 10% da renda mensal”, e ainda a que orienta a dividir o orçamento na proporção “50-30-20” (leia mais sobre o assunto aqui).

Mas adotar regras de bolso funciona na prática? Um estudo desenvolvido por pesquisadores da consultoria americana Morningstar tentou responder essa pergunta, verificando quais delas as pessoas consideram importantes, quais elas usam e como isso se correlaciona com os seus níveis de bem-estar financeiro.

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“Decisões financeiras complexas normalmente oferecem às pessoas numerosas opções com resultados difíceis de prever, sobre assuntos nos quais não são especialistas”, diz o estudo, assinado por Samantha Lamas e Ryan Murphy, da Morningstar. São situações, segundo os autores, em que “atalhos simples podem levar a uma melhor tomada de decisão”.

Os pesquisadores entrevistaram 867 americanos, com idade média de 47 anos e renda anual entre US$ 40 mil e US$ 47 mil. Apresentaram aos participantes uma lista de regras de bolso e os questionaram sobre quais delas usavam e com qual frequência. Depois, confrontaram as respostas com as notas de cada um deles em uma escala de bem-estar financeiro desenvolvida pela Agência de Proteção Financeira do Consumidor (CFPB, na sigla em inglês), órgão do governo dos Estados Unidos.

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A correlação entre essas informações permitiu aos pesquisadores identificar quais regras de bolso eram mais associadas a pessoas com altos níveis de bem-estar financeiro. Entre os destaques apareceram, por exemplo, a que sugere “não gastar mais do que ganha” e a que orienta a “pagar as dívidas integralmente sempre que possível”.

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Também apareceram duas regras famosas de planejamento financeiro: “guardar pelo menos 10%-30% da sua renda por mês” e “ter uma reserva de emergência”. Nos investimentos, o destaque ficou com “investir de acordo com sua tolerância ao risco”.

“Como verificamos as correlações, não podemos dizer que nenhuma das regras levou a pessoa a ficar bem financeiramente”, explicou Samantha ao InfoMoney. “O que podemos dizer é que pessoas com escores elevados de bem-estar financeiro tendem a usar essas regras.”

A possibilidade de as pessoas mentirem ao responder questionários e relação de causalidade, que não pode ser estabelecida, são limitações desse tipo de levantamento, na visão de Aquiles Mosca, especialista em finanças comportamentais e responsável pela área comercial da BNP Paribas Asset Management. “Talvez justamente por serem disciplinadas e contarem com bem-estar financeiro, essas pessoas são propensas a adotar as regras de bolso”, diz.

É o que Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), identifica como viés de seleção. “Não é a regra em si que vai fazer com que essas pessoas tenham uma vida melhor”, explica.

Regras com correlação negativa

O levantamento também apontou as regras de bolso que têm correlação negativa com o bem-estar financeiro. “Nessa análise, a correlação negativa significa que pessoas com baixos escores de bem-estar financeiro tendem a dizer que usam essas regras com mais frequência”, afirmou Samantha.

Entre os destaques estão a regra que orienta as pessoas a “pagar a si mesmas primeiro” – poupando assim que recebem o dinheiro, no lugar de guardar o que sobra no final – e a que sugere “tentar achar formas de ganhar dinheiro extra”.

O estudo ressalta que isso não significa que adotar as regras leve as pessoas a uma situação financeira pior. Algumas delas, com raras exceções, parecem ser bons conselhos – como rebalancear o portfólio anualmente, destaca o documento. Embora não permita afirmar porque algumas regras estão associadas a menor bem-estar, o estudo faz suposições.

“Por exemplo, talvez a regra de ‘pagar a si mesmo primeiro’ seja muito vaga e não dê às pessoas a estrutura clara de que precisam quando o assunto é poupar o suficiente”, diz o material.

Claudia, da FGV, aponta para o mesmo detalhe: “Talvez as pessoas não entendam o que significa pagar-se primeiro. Comprar uma roupa nova antes de qualquer coisa não poderia ser também visto como uma forma de se pagar primeiro?”, questiona.

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Outro exemplo diz respeito à regra sobre achar formas de ganhar dinheiro extra. Talvez as pessoas que sintam precisar buscar fontes alternativas de crédito já estejam sufocadas pelas dívidas – e então, usar com frequência essa regra de bolsa seria um sinal dos seus problemas financeiros, e não a causa deles, argumenta o estudo.

Por isso, na visão de Claudia, lançar mão de algumas regras de bolso pode, sim, ser uma alternativa para controlar as finanças – mas elas precisam ser muito claras e poucas. “Para quem não tem um bom controle financeiro começar, elas ajudam muito. Mas à medida em que evolui, a pessoa talvez precise melhorá-las.”

Vale para os brasileiros?

Algumas das regras mencionadas no estudo circulam bem na sociedade americana, mas são de difícil aplicação entre os brasileiros. A “regra dos 115”, que oferece uma fórmula para saber que proporção do portfólio aplicar em ações, é um exemplo.

Segundo essa regra, bastaria que alguém subtraísse a sua idade do número 115 para definir quanto direcionar à renda variável – para alguém de 30 anos, seria 85% do capital. É um percentual elevado, especialmente pensando no público brasileiro, que, no geral, começou a conhecer alternativas à renda fixa apenas muito recentemente.

“Essa é uma regra ingênua, mas há outras positivas e interessantes”, diz Mosca. É o caso, por exemplo, da que orienta a formar uma reserva de emergência. O executivo lembra que, segundo a edição mais recente do estudo Raio-X do Investidor Brasileiro, elaborado pela Anbima, 62% da população brasileira não economizou nenhum centavo em 2019. “São pessoas que entraram no ano da pandemia sem reserva financeira, o que certamente as deixou especialmente vulneráveis.”

Por isso, na sua visão, o lado positivo da adoção das regras de bolso é, aos poucos, transformar bons hábitos em ações naturais, e não forçadas. Para Mosca, quanto mais elas puderem ser automatizadas, maiores as chances de sucesso. “Aplicações automáticas no fundo de pensão da empresa, por exemplo, são o tipo de dispositivo que leva uma regra de bolso a ser efetivamente executada sem que a pessoa sinta a dor da restrição que ela provoca.”

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Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney