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Quem perde com as fraudes contra planos de saúde?

Fracionar recibos, cobrar por procedimentos não realizados e uso do plano por não beneficiário são práticas que corroem todo o sistema

Gilmara Santos

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O Grupo CCR (CCR03) demitiu, recentemente, pouco mais de 100 profissionais por uso indevido do benefício de reembolso do plano de saúde que a empresa oferta aos colaboradores. O caso chamou a atenção após investigação da própria companhia apontar que as fraudes ocasionaram um custo adicional de ao menos R$ 12 milhões nos últimos cinco anos contra os cofres do conglomerado que reúne as maiores companhias de concessões de infraestrutura da América Latina.

A maioria das fraudes na CCR estava concentrada em São Paulo e na Bahia e envolvia golpes recorrentes em 12 procedimentos, com destaque para tratamentos de estética e emagrecimento, RPG e acupuntura. Os ex-funcionários flagrados na prática delituosa dividiam o valor de procedimentos não praticados, superfaturados ou desnecessários com profissionais ou clínicas de saúde “de fachada”.

A estimativa é de que as fraudes comprovadas encareceram o custo do plano de saúde entre 5% e 10%.

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Os golpes mais comuns contra planos de saúde são:

“A fraude acontece quando o beneficiário, de forma deliberada, toma alguma atitude capaz de causar um prejuízo para a operadora. Pegar dois recebidos de uma única consulta para ter acesso a um reembolso maior ou emprestar a carteirinha para outra pessoa utilizar o plano são exemplos de condutas deliberadas do usuário que podem caracterizar fraude por causarem um prejuízo financeiro à operadora”, afirma Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados.

Para o advogado Columbano Feijó, especializado em direito da saúde e sócio da Falcon, Gail, Feijó e Sluiuzas Advocacia Empresarial, os planos têm adotado uma postura mais rigorosa por causa de casos como o do Grupo CCR. “Antes bastava mandar nota fiscal que, em 30 dias, as empresas faziam reembolso. Hoje tem operadora que pede até o comprovante de pagamento e demora mais para concluir o procedimento”, afirma.

É importante esclarecer que o reembolso é o ressarcimento das despesas assistenciais com:

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“O reembolso só pode ser solicitado com a comprovação de que o serviço foi efetivamente realizado e pago”, enfatiza a advogada Fernanda Zucare, especializada nas áreas do consumidor e da saúde e sócia-fundadora do escritório Zucare Advogados.

Citando dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa grandes grupos de operadoras de planos de saúde do país, diz que a estimativa é de que o mercado tenha impacto de R$ 28 bilhões com fraudes e desperdícios anualmente.

Recentemente foi formalizado ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) uma notícia-crime para apurar fraudes contra operadoras associadas à entidade, onde foram apresentadas notas fiscais fraudulentas para pedidos de reembolso que atingiram, aproximadamente, R$ 40 milhões.

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Veja também episódio do “Tá Seguro”:

Peso no bolso

“O aumento de custos na saúde suplementar tem razões estruturais já bastante conhecidas. Nessa conjuntura, o crescimento das fraudes torna esse cenário ainda mais desafiador, pesando no bolso do consumidor”, aponta Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde.

Feijó concorda que as fraudes encarecem o custo do convênio médico para todos. “O plano de saúde é regido pelo princípio do mutualismo, onde todos pagam mesmo sem usar, e todo fim de ano o plano faz um balanço de sinistralidade [percentual que foi pago pelo plano de saúde] e é neste momento que pondera todo o custo da carteira e tem que passar ao consumidor o reajuste por sinistralidade, que é um reajuste legal”, diz.

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“O tema reembolso médico é de grande repercussão ainda mais quando possíveis fraudes são identificadas pelas operadoras e seguradoras de saúde. Porém, nada justifica que as empresas, nesse momento, lesionem o consumidor que utiliza de forma correta o sistema de reembolso”, afirma o advogado Leonardo Sobral Navarro, especialista em direito médico e da saúde e secretário geral e membro efetivo da comissão de direito médico e da saúde da OAB/SP.

“A emissão da nota ou recibo, comprovando a efetiva prestação dos serviços, já indica que o reembolso deve ocorrer”, complementa o advogado.

Veja 5 respostas às principais dúvidas sobre o tema

Quais são os golpes ou fraudes mais comuns?

Navarro destaca que existem casos de reembolso de consultas, exames e procedimentos que não foram realizados, ou seja, existe a emissão da documentação, todavia, sem a efetiva prestação do serviço de saúde. Por isso, as operadoras e seguradoras têm feito investigações próprias dos casos suspeitos

O fracionamento de recibo (2 comprovantes para a mesma consulta) pode ser considerado crime?

Apesar de ser uma prática bem comum, essa forma de atuação não é correta. A nota ou recibo sempre deve representar a prática do ato específico e, por isso, a emissão de notas ou recibos parcelados para viabilizar reembolso para o paciente pode ser considerada fraude, podendo gerar a rescisão do contrato para o segurado e eventuais ações judiciais. O médico e o serviço de saúde que tenham agido dessa forma poderão, inclusive, responder a processos éticos, cíveis e criminais.

Posso emprestar a minha carteirinha para outra pessoa?

Essa prática é fraudulenta e o titular do plano ou seguro que tenha “emprestado” a carteirinha poderá ter o contrato rescindido e responder a processos na esfera cível e criminal. A pessoa que utilizou da carteirinha “emprestada” também poderá responder a processos. Além disso, o prestador do serviço que não diligenciou para comprovação efetiva da identidade também poderá ser investigado.

O que as empresas têm feito para conter as fraudes?

“Operadoras e seguradoras de saúde, especialmente no último semestre, passaram a ter uma gestão mais cautelosa com relação aos processos de reembolso e isso é justo. O que não se justifica é que elas também pratiquem atos que violem direitos legais e contratualmente garantidos dos seus segurados”, considera Navarro.

Quais as consequências para quem pratica fraudes com planos de saúde?

Para o titular, a rescisão do contrato é a primeira consequência esperada. Dependendo da gestão da operadora ou seguradora de saúde, outras medidas poderão ser impulsionadas, especialmente ações indenizatórias e a instauração de inquéritos para apuração das fraudes.

Os serviços de saúde que tenham praticado fraude (de forma consciente) poderão responder a processos éticos (dentro do conselho de classe – hospitais, clínicas, médicos e outros profissionais de saúde), inquéritos e ações cíveis também.

“As consequências para usuários que aderirem à prática de fraude contra planos de saúde vão de ações cíveis para reembolso do prejuízo a demissão de funcionários. Os envolvidos podem, ainda, responder criminalmente pelo delito praticado”, diz a advogada Fernanda Zucare.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.