A seleção canarinho batalha nesta edição da Copa do Mundo do Catar pelo inédito hexacampeonato. Fora das quatro linhas, o Brasil também goleia com facilidade muitos países numa área que promete revolução: o Open Finance, ecossistema de compartilhamento de dados financeiros.
Com exclusividade ao InfoMoney, a Teros, empresa de inteligência de dados com soluções de implementação de Open Finance para empresas, preparou relatório que mostra a situação do sistema nos países que chegaram às quartas da Copa do Mundo de 2022.
Com o Open Finance, entre outras possibilidades, o consumidor passa a ter a possibilidade de compartilhar informações financeiras com instituições nas quais não têm conta para ter acesso a produtos e serviços melhores ou mais baratos que não tinha até então.
Mas antes de ir a fundo sobre as implementações de Open Finance entre os países que estão nas quartas da Copa, confira como serão as partidas da etapa do Mundial: nesta sexta-feira (9), o pentacampeão Brasil e a atual vice-campeã Croácia se enfrentarão às 12h (horário de Brasília). Na sequência, às 16h, será a vez da bicampeã Argentina encarar a Holanda, que busca seu primeiro troféu.
No sábado (10), os torcedores poderão ver também o surpreendente Marrocos contra a jovem seleção de Portugal, às 12h, e fechando a etapa de quartas, às 16h, França vai medir forças com a Inglaterra, que tem um título do Mundial.
Brasil x Croácia
Brasil
A implementação do Open Finance no Brasil começou em fevereiro de 2021 e, de lá para cá, foram iniciadas quatro fases do cronograma. O Banco Central é o órgão fiscalizador do ecossistema Open.
A primeira etapa, considerada mais burocrática, consistiu no compartilhamento de dados já públicos das instituições participantes entre si. A segunda fase teve início em 13 de agosto de 2021 e trouxe a possibilidade de compartilhar dados cadastrais, como nome, CPF/CNPJ, endereço, informações de crédito e cartões.
Na fase 3, iniciada em 29 de outubro de 2021, os consumidores passaram a fazer transações, como pagamentos e transferências, utilizando o Pix. Foi a introdução dos iniciadores de pagamentos.
Os iniciadores de transação de pagamentos (ITPs) nada mais são do que empresas reguladas que poderão iniciar transferências e pagamentos aos clientes, facilitando as transações, permitindo movimentar dinheiro de um banco para outro com poucos cliques, por exemplo.
A etapa quatro foi lançada em 15 de dezembro de 2021 e marcou a mudança de nome de Open Banking para Open Finance. Isso porque, a partir do desenvolvimento desta fase, o compartilhamento de dados passa a abarcar também operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência privada.
“A rapidez com que o avanço do sistema financeiro aberto se deu a partir da regulamentação sobre as instituições que atuariam no sistema e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) fez com que o Brasil assumisse a dianteira no assunto. Nesse sentido, grandes players bancários tradicionais atuam junto a bancos digitais e a fintechs, na implementação de um sistema de compartilhamento de dados”, avalia Juan Férres, CEO da Teros.
Para Férres, a forma como o Brasil aderiu ao Open Banking foi muito importante para que hoje o mundo olhe para o Open Banking Brasil como um caso de sucesso. “A colaboração entre associações e bancos permitiu que, hoje, o Brasil seja o único país a entrar de fato no estágio de Open Finance, e o desafio agora é propor soluções para inspirar o Open Finance no mundo”, diz.
Segundo o último relatório do BC, do 3° trimestre de 2022, o Brasil já tem mais de 9,6 milhões de consentimentos ativos e mais de 800 instituições participantes reguladas.
Croácia
Embora o país ainda não tenha um ecossistema desenvolvido quando se trata de compartilhamento de dados, há muito interesse das autoridades locais em implementar algo nesta direção.
Na avaliação do estudo, o país está “construindo um viveiro de inovação digital com muito talento e potencial para as instituições financeiras construírem suas redes e serviços”.
Em termos práticos, um dos passos mais importantes rumo a um futuro ecossistema aberto de dados, foi a implementação do iniciador de pagamentos à infraestrutura do Sberbank Croatia, um dos bancos locais, em 2019.
A Croácia já deu o primeiro passo do ponto de vista de iniciação de pagamentos, dando mais opções ao consumidor na hora de fazer suas transações. Tem algo similar ao que o Brasil tem para fase 3, mas em fase mais inicial e ainda não tem um sistema de compartilhamento de dados cadastrais, como o que já temos.
“O futuro do Open Banking parece promissor na Croácia, embora ainda incipiente. O país mostra sinais e iniciativas de que entende os benefícios do sistema e quer ajudar a indústria a adotar a nova tecnologia”, diz o relatório da Teros.
Argentina x Holanda
Argentina
Diferente de outros players da América Latina, como o Brasil, o Open Banking argentino se encontra em período embrionário. Não existe uma estrutura consolidada de instituições, nem APIs próprias para o funcionamento do sistema.
API (Application Programming Interface, em inglês, ou Interface de Programação de Aplicativos) é uma espécie de ponte que conecta aplicações diferentes por meio de uma mesma linguagem. São elas que permitem o fluxo de troca de dados de clientes entre as instituições de forma ágil e segura.
No entanto, um passo importante foi realizado em maio deste ano: o início da regulamentação sobre o compartilhamento de dados pelo Banco Central da República Argentina (BCRA), principalmente sobre quais instituições poderiam requerer informações de seus usuários.
“Assim, se instala um cenário positivo para implementação do Open Banking, já que a regulamentação possibilita que as instituições financeiras consigam se preparar para seu uso efetivo”, diz o relatório da Teros.
Holanda
A Holanda sai na frente do ponto de vista do mundo Open.
O país dispõe de uma estrutura consolidada para o funcionamento do Open Banking, e já tem em funcionamento cerca de 52 APIs de banco (conexões entre as instituições para a troca de informações) e 21 APIs agregadores de contas, que são aquelas figuras reguladas que consolidam informações financeiras de várias instituições em um único aplicativo.
O país já possui uma regulamentação de Open Finance definida, mas oferece serviços no âmbito Open focados em pagamentos, por meio do iniciador de pagamento, com um escopo menor do que o do Brasil, que já oferece o compartilhamento de dados cadastrais e vai oferecer seguros (Open Insurance) e investimentos (Open Investments).
“É importante que o país passe a olhar mais amplamente para a implementação do ecossistema, indo além de meios de pagamento para atrair mais clientes dispostos a compartilhar seus dados”, avalia a Teros.
Portugal x Marrocos
Portugal
O confronto entre Portugal e Marrocos promete ser o mais apertado — pelo menos no mundo Open.
O país europeu fez uma adoção generalizada de soluções de pagamento inovadoras, como pagamentos automáticos de pedágio, pagamentos instantâneos, como o nosso Pix, ao longo dos últimos anos que facilitam o gerenciamento das finanças para os consumidores.
O ecossistema português já deu os primeiros passos rumo ao funcionamento e embora não seja considerado uma potência do Open Banking, já possui as peças fundamentais para acelerar o movimento por lá.
O Banco de Portugal organizou o Fórum Sistema de Pagamentos 2022, onde apresentou a “Estratégia Nacional de Pagamentos de Varejo” no fim do ano passado.
Há uma série de iniciativas no âmbito de transformação digital e, entre os objetivos, está a adoção de soluções de pagamento mais seguras, quando são mencionadas soluções de Open banking para serviços de pagamentos.
Além disso, o regulador, bancos e outros provedores de serviços estão construindo programas de aceleração para as fintechs em conjunto.
Marrocos
A surpreendente seleção do Marrocos, que passou em primeiro lugar em um grupo com Croácia e Bélgica e eliminou a Espanha na Copa do Mundo, também busca seu lugar ao sol no Open Finance.
A introdução do Open Banking no Marrocos já começou, mas ainda está em um estágio muito inicial, contando com apenas um banco dentro da estrutura para o sistema aberto de compartilhamento de dados.
O país tem um sistema bancário com regulamentação consolidada, mas enfrenta dificuldades para as inovações financeiras como a entrada de fintechs.
“Há ainda a preferência da população pelo uso de dinheiro vivo nas transações. Ainda é necessário um longo caminho para implementação do Open Banking acontecer de forma plena. Desde trabalhar na regulamentação e estruturação, bem como na conscientização das pessoas quanto à segurança e à eficiência dos sistemas digitais”, diz o relatório da Teros.
Na avaliação de Férres, a implementação do Open Banking poderia ter um papel importante tanto na inclusão financeira, como no avanço de sistemas digitais dentro do país.
“E estão aparecendo sinais de avanço para que o sistema possa se inserir como, por exemplo, o estudo para implementação da moeda digital no país, que traz luz para que novas formas de pagamento consigam ser implementadas”, diz.
França x Inglaterra
Inglaterra
A França até pode ser favorita na disputa pela bola neste sábado, mas quando se fala de Open Finance, a Inglaterra e todo o Reino Unido estão muito à frente.
Pioneiro na implementação do ecossistema, em 2018, o Reino Unido é referência mundial no compartilhamento de dados e inclusive o Banco Central do Brasil trocou “muitas figurinhas” com a instituição britânica para entender o funcionamento e aprimorar o sistema por aqui.
No Reino Unido, iniciadores de pagamentos, compartilhamento de dados cadastrais, agregadores de contas, comparadores de preços e taxas são alguns dos serviços que os consumidores e empresas já têm acesso.
Atualmente, o sistema conta com 4,5 milhões de usuários regulares no Reino Unido, sendo 3,9 milhões de consumidores e 600 mil pequenas empresas.
A principal diferença da Inglaterra para o Brasil é o escopo: por lá, o Open é realmente Banking, porque o foco é no compartilhamento de dados bancários, enquanto aqui o projeto será para serviços bancários, mas também para seguros (Open Insurance) e investimentos (Open Investments). O Open Finance do Brasil vai atender consumidores e empresas, embora o foco inicial esteja no consumidor.
Por lá, o Open Banking Implementation Entity (OBIE) é a organização independente responsável pela implementação do sistema aberto, que faz o papel que o BC tem aqui no Brasil.
Na prática, a Inglaterra bebeu de duas principais fontes jurídicas na construção do seu Open Finance: a Diretiva de Serviços de Pagamento “The Payment Services Directive” (PSD2) e General Data Protection Regulation (GDPR), conforme simplificou Rogério Melfi, membro da ABFinetchs e participante da governança do Open Finance no Brasil.
A PSD2 é uma lei europeia que serve para regular os serviços de pagamento e seus provedores e é válida para os países membros. Não é uma lei feita para o Open Finance, mas é um pontapé inicial para o ecossistema porque possui normas em relação os pagamentos na União Europeia. Cada país membro pode usá-la para desenvolver o ecossistema Open da maneira que achar melhor.
Já a GDPR é a lei de proteção de dados, que cumpre um papel bem similar ao da LGPD por aqui.
O problema é que o país ainda enfrenta alguns requisitos do PSD2, como regras sobre consentimento, que podem diferir significativamente dos requisitos encontrados no GDPR e em outras leis europeias, levando a uma falta de harmonização e até confusão para consumidores, reguladores e instituições financeiras, segundo Férres, da Teros.
Por causa disso, o OBIE foi desenvolvido no Reino Unido para liderar os nove principais bancos do país e definir as regras de governança e funcionamento do Open Finance. Foram os britânicos que impuseram prazos e criaram uma estrutura para definir regras e parâmetros técnicos nos primórdios do Open Banking.
Em outros países da União Europeia, o sistema ainda não é tão desenvolvido porque não há uma instituição central e falta infraestrutura comum.
Leia também: Open Banking: O que ensina a experiência internacional
França
Sorte no jogo, azar no Open? A França está se preparando para entrar no mundo de Open Finance há algum tempo. Segundo o Centro de Finanças, Tecnologia e Empreendedorismo (CFTE), o setor francês de Fintechs quer participar do ecossistema.
No entanto, a França tem enfrentado desafios na implementação do Open Banking por falta de uma liderança do governo que atue de maneira independente no ecossistema, conforme aponta o relatório da Teros.
Por exemplo, a Autorité de Contrôle Prudentiel et de Résolution (uma autoridade administrativa independente que monitora as atividades de bancos e seguradoras na França) não emitiu documentação de orientação ou qualquer iniciativa em torno do PSD2, que é a regulação sobre os pagamentos e que ajuda a dar início ao projeto por lá.
“Por isso, o progresso da tecnologia Open Banking na França tem sido lento e constante”, diz Férres.
O BC brasileiro é muito bem visto pelos players por ter assumido a dianteira nessas definições de mercado. Embora exista uma governança com todas as categorias de empresas financeiras, o BC também tem uma cadeira e, além de auxiliar na implementação, fiscaliza toda a atuação das instituições participantes.
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