Inflação do aluguel x inflação oficial: entenda por que o IGP-M subiu 13% e o IPCA só 2,28%

Descompasso é explicado pelo dólar e pela metodologia dos índices; entenda as diferenças e veja dicas para renegociar o aluguel

Giovanna Sutto

Ilustração (Getty Images)

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SÃO PAULO – O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que é o índice usado como referência para o reajuste dos aluguéis, subiu 13,02% nos últimos 12 meses, após registrar alta de 2,74% em agosto, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, divulgados nesta sexta-feira (28).

Enquanto isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o índice oficial de inflação do país, registrou alta de 0,23% em agosto e de 2,28% em 12 meses (considerando o IPCA-15, prévia do IPCA, que captura os preços do meio de um mês ao meio do outro).

Segundo o IBGE, os últimos dados do IPCA mostram que o principal termômetro da variação de preços do país está em um dos menores patamares da história, ao passo que o IGP-M sobe em ritmo acelerado. Mas o que explica o descolamento entre os dois índices?

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Diferenças entre o IPCA e IGP-M

A principal diferença entre eles é a metodologia por trás de cada índice. Apesar de medirem variações de preços, o IPCA e o IGP-M consideram cestas de produtos diferentes.

O IPCA considera nove categorias de produtos e serviços e tem como meta refletir os hábitos de consumo de 90% das pessoas que vivem em 16 cidades do país, por isso carrega o “amplo” no nome. O resultado do índice, calculado pelo IBGE, indica se, na média, os preços aumentaram, diminuíram ou permaneceram estáveis de um mês para o outros (para saber mais, clique aqui).

Já o IGP-M é calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE) e é composto pela média aritmética de outros três índices: o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC).

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O IGP-M considera, principalmente, a variação de preços de bens de produção, como matérias-primas, commodities, materiais de construção, entre outros.

O ritmo de crescimento do IGP-M nos últimos doze meses, bem acima do IPCA, tem como principal explicação sua correlação com o dólar. No período, a moeda americana acumula alta de 34,19%.

“Toda vez que o dólar varia frente ao real, o IPA, que representa 60% do IGP-M, capta o impacto das variações. Ele mede os preços de produtos agropecuários e industriais, como as commodities, que são sensíveis à variação cambial. Então, se o preço do trigo ou minério de ferro sobe, influenciado pela alta do dólar, a tendência é o IGP-M acompanhar a alta”, explica André Braz, economista e coordenador dos índices de preços da FGV/IBRE.

Já o IPCA não sofre tão diretamente os impactos da variação cambial, além de possuir uma cesta mais diversificada de produtos.

Conforme Braz exemplifica, quando o dólar sobe, ele impulsiona o preço do minério de ferro, que mesmo sendo produzido aqui, por ser uma commodity, acompanha a cotação do mercado internacional. Uma geladeira usa chapas de aço, mas seu preço embute também o custo do plástico, dos circuitos eletrônicos, da mão de obra e os impostos. Então, a variação cambial impacta o preço, mas esse aumento é diluído no processo.

Ou seja, a alta do dólar é absorvida com muito mais força pelas commodities e, consequentemente, pelo IGP-M, do que pelos produtos finais e o IPCA.

“Além disso, o IPCA é um índice muito mais diversificado: 30% é referente a serviços, que foram muito afetados e parte deles ainda nem reabriu; outra parte inclui preços controlados pelo poder público, como água, e o índice conta ainda com educação, transportes, entre outros”, diz Braz.

Jackson Bittencourt, economista da PUC-PR, pontua ainda que mesmo com dois meses de deflação (em abril e maio), o IPCA aos poucos está recuperando os patamares vistos em janeiro e fevereiro (entenda o que é a deflação e por que ela é ruim para a economia).

“Tivemos dois meses de deflação, com queda nos preços em todo o país, reflexo da atividade econômica paralisada devido à pandemia. Agora, o que vemos é uma retomada de preços aos níveis pré-pandemia. Mas até o fim do ano, os preços devem apresentar uma certa estabilidade”, diz Bittencourt.

Impacto nos aluguéis

A alta do IGP-M de 13% nos últimos 12 meses, vai afetar em cheio o preço dos aluguéis dos brasileiros. O InfoMoney contatou especialistas no assunto para compartilharem dicas, já que apesar de não ser uma regra determinada em lei, a esmagadora maioria dos contratos de aluguel usa o IGP-M como referência.

“O IGP-M não foi criado com o objetivo de parametrizar os contratos de aluguel, mas, sim, para passar uma visão geral sobre o ambiente econômico, baseando-se nos setores de maior peso no PIB. Por isso, considera os aspectos do produtor (IPA), das famílias (IPC) e da construção civil (INCC). Mas como existe desde 1947, ele foi se consolidando como referência de reajuste dos aluguéis”, explica André Braz, da FGV.

Embora originalmente o intuito do IGP-M tenha sido outro, o índice tem uma relação com o mercado imobiliário, já que engloba os preços da construção civil. Esse foi o argumento para muitos proprietários incluírem o índice como referência nos contratos, o que impulsionou a popularidade ao longo do tempo, segundo Raphael Sampa, especialista em direito imobiliário e sócio-diretor da SF Consultoria Imobiliária.

Mas a adoção do IGP-M como índice de correção trata-se apenas de uma convenção dos agentes de mercado, por isso o locatário tem aval para negociar.

Como negociar a adoção de outro índice?

Para Vilmar Lima Carreiro Filho, advogado especialista em Imobiliário do Stocche Forbes Advogados, os contratos de aluguel sempre adotam um índice de correção monetária para recompor o valor do aluguel no tempo. Mas, nada impede o locatário de negociar com o proprietário a utilização de outro índice, como o próprio IPCA.

“Se o índice usado ficar oneroso demais para o inquilino, nada mais justo do que uma conversa para tentar ajustar os valores. O locatário deve fazer seu trabalho: compare o preço com o IGP-M e outros índices e leve amostras para o proprietário”, diz.

Jonas Marchetti, diretor de crédito da imobiliária digital QuintoAndar, acrescenta que, muitas vezes, a renda do dono do imóvel depende diretamente do aluguel, por isso, nem sempre ele pode abrir mão aumento. “Nesse caso, o ideal é tentar chegar a um meio termo que seja viável para ambos”, diz. Ele afirma que todos os contratos da empresa utilizam o IGP-M como referência.

Para ele, a transparência é crucial na negociação. “A melhor abordagem é ser transparente com o proprietário sobre os motivos por trás da negociação – seja uma redução na renda, um gasto inesperado, ou mesmo a pandemia. Isso ajuda a deixar claro que a intenção é manter o aluguel em dia e evitar qualquer problema. O efeito com os proprietários normalmente é muito positivo”, afirma.

A relação do inquilino e do proprietário é regida pelo contrato de aluguel, que segue a Lei do Inquilinato e, ao assiná-lo, o inquilino se compromete a aceitar os reajustes propostos.

“Caso não aceite o aumento, o inquilino tem o direito de rescindir o aluguel, mas, dependendo do prazo, pode ser aplicada uma multa por encerramento antecipado. O mais indicado, portanto, é buscar uma renegociação diretamente com o proprietário, pois só ele pode aceitar mudanças sobre o que foi previamente combinado, seja na aplicação do reajuste ou mesmo da multa de rescisão”, diz Marchetti.

Hora de partir para o financiamento

Sampa acredita que no cenário atual, com a Selic a 2% ao ano, o inquilino deve considerar um financiamento imobiliário para evitar o reajuste do IGP-M e ainda conquistar o imóvel próprio.

No primeiro semestre de 2020, os financiamentos de imóveis tiveram a maior alta semestral da última década (Veja se é hora de comprar seu imóvel), justamente por causa dos juros baixos, que reduziram o custo do crédito imobiliário.

“É um ótimo momento para fazer a transição do aluguel para a casa própria. Os juros do financiamento estão atrativos. Claro que isso exige uma avaliação da vida financeira para entender se é viável, mas vale considerar a oportunidade que se tem neste período. Em alguns casos, pode ser possível pagar uma parcela menor no financiamento do que no aluguel”, afirma.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.