Inflação: afinal, como ela pode mexer com nossa mente?

Mais do que pessimismo ou otimismo, tema surte efeitos surpreendentes, do medo à atração. Por que isso acontece?

Waldeli Azevedo

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SÃO PAULO – Inflação. Essa palavra assusta você, ou este problema, embora hoje global, parece não lhe dizer respeito? Sem querer aqui analisar o fato em si e suas proporções, a idéia é abordar nosso comportamento diante de tal realidade. Perto ou distante, a inflação parece mexer mesmo com os “ânimos” do brasileiro.

O Índice Nacional de Expectativa do Consumidor, em pesquisa CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgada na última sexta-feira (25), por exemplo, mostrou pessimismo dos brasileiros com relação à inflação, com recuo de 10,9% frente à analise anterior.

No entanto, mais do que pessimismo ou otimismo, o tema surte efeitos surpreendentes. A professora, psicanalista e consultora na área psico-econômica, Vera Rita de Mello Ferreira*, explica que existe uma mistura de medo e atração quando se fala no assunto. Mas por que isso acontece?

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O “X” da questão

Para encontrar a explicação, a alternativa é buscar nos períodos de maior inflação no País a resposta. Vera Rita acompanhou o problema bem de perto nos anos 80, 90, analisando seus pacientes e questionando-se o tempo todo como tal fato afetava emocionalmente a vida das pessoas.

Desenvolvida a sua dissertação de mestrado na USP (Universidade do Estado de São Paulo) sobre o tema há quase dez anos, o problema parece hoje vir à tona, embora em proporções bem menores. Hoje, apesar do “medo” que o tema ocasiona, Vera Rita declara com firmeza: a inflação, de certa forma, atrai as pessoas. A afirmação surpreende? Pois há uma explicação para isso: a indexação.

Para quem nunca acompanhou planos econômicos, vale esclarecer. Indexação é um sistema de reajuste automático de preços, incluindo aí os salários, em situações inflacionárias. “Quando as pessoas percebem, estão lidando com ganhos e gastos representados por números com vários zeros. Tudo toma grandes proporções, o que, de alguma forma, enche os olhos das pessoas, que perdem completamente a noção dos valores e têm uma sensação irreal de multiplicação do dinheiro”, esclarece.

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Vale lembrar que, somente na década de 80*, foram oito programas de estabilização econômica, 15 políticas salariais, 54 alterações de sistemas de controle de preços, 18 mudanças de políticas cambiais, 21 propostas de renegociação de dívida externa, 11 índices inflacionários diferentes, cinco congelamentos de preços e salários e 18 determinações presidenciais para cortes drásticos nos gastos públicos.

Extrato todo dia

Vera menciona que, na época dos altíssimos índices de inflação, acompanhava pacientes que olhavam seu extrato diariamente, fissurados com a falsa proporção dos valores. “Era um mundo absolutamente irreal”, define. “O tamanho dos números impressionava”.

No entanto, por mais que o tema parecesse assustador e problemático na época, havia certa resistência em resolvê-lo. “Justamente pela atração que seus efeitos geravam nas pessoas”.

“Nos tempos de inflação alta, era impossível se planejar, porque, de um dia para outro, os preços subiam drasticamente. Com isso, as pessoas passavam a viver o hoje intensamente, sem condições de planejar nada. Um tempo de ilusão”, esclarece.

Menor inflação, maior planejamento

Vera destaca que “somente num cenário de estabilização econômica, é possível configurar determinados quadros de comportamento que vão da possibilidade de poupar à clareza sobre regras, negócios, investimentos, contratos etc”.

“Quando, ao contrário, tínhamos o desgoverno inflacionário, nuances eram apagadas e vivenciávamos o salve-se quem puder, que paralisava qualquer possibilidade de planejamento”, esclarece.

Talvez por isso, haja aparente temor de enfrentar algo parecido de novo. No entanto, Vera destaca que o cenário hoje é bem diferente do daquela época, embora a trajetória de inflação, de certa forma, preocupe.

“É importante que as pessoas tenham consciência do papel fundamental da estabilidade econômica no planejamento do seu orçamento, da sua educação financeira. A inflação acaba derrubando tudo isso”, esclarece Vera.

Efeitos “colaterais”

Abaixo, Vera relaciona alguns “vícios” que afetam nosso orçamento no dia-a-dia e que costumam ganhar força em tempos de inflação.

Comportamento de manada – nada mais é do que a força do contágio. Ao ver muitas pessoas fazendo algo, a capacidade dos demais de avaliar e julgar também fica comprometida. Por isso, acabam fazendo o mesmo. “Assim como, na fase dos grandes IPOs (ofertas públicas de ações) do ano passado, todo mundo saiu investindo em busca de ganhos “garantidos”, se, por acaso, alguém disser que é hora de estocar produtos, os consumidores acabam, até inconscientemente, seguindo a tendência”, explica Vera.

O professor de economia do Ibmec São Paulo, Nuno de Almeida, esclarece que, nas décadas de 80 e 90, a estratégia era justamente essa, referindo-se à época em que os preços aumentavam várias vezes no mesmo dia.

No entanto, esse comportamento é perigoso, pois pode acarretar aumento da inflação, piorando o quadro econômico. “Com o aumento da demanda, os preços sobem ainda mais”, esclarece o professor de economia da FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), Fabio Kanczuk.

Contas mentais – em resumo, a expressão mostra como distorcemos os cálculos. Se o efeito é altamente prejudicial em uma economia “estável”, avalie diante de altos índices inflacionários. Por exemplo: se você vai receber uma remuneração de R$ 2 mil, imagina o seguinte:
  • posso comprar um DVD de R$ 400, afinal vou receber R$ 2 mil;
  • posso comprar uma TV de plasma por R$ 1.500, pois tenho R$ 2 mil;
  • mereço comprar R$ 500 em roupas, pois ganharei R$ 2 mil.

Conclusão: total de gastos de R$ 2.400. Receita de R$ 2 mil!

Distorção do passado – as pessoas que vivenciaram tempos difíceis de inflação certamente aprenderam muito com a experiência e hoje sabem planejar, certo?

Para Vera Rita, não. “As pessoas vêem o passado de uma outra forma, direcionam para aquilo que gostariam de lembrar. Se o problema ocorresse novamente, teriam dificuldades”, declara. Já os mais novos, por não terem acompanhando nada disso, teriam a impressão de que o problema nem é com eles. “Veriam a questão como algo muito distante”, conclui.

(*) Vera Rita de Mello Ferreira é doutora (PUC-SP) e mestre (USP) em Psicologia Social e representante da IAREP (International Association for Research in Economic Psychology) no Brasil.

(*) fonte para momento inflacionário de 80 – HENRIQUES, Ricardo apud FERREIRA, V.R.M., Psicologia Econômica – estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão.