Financiamento imobiliário corrigido pela poupança, inflação ou juros e TR? Veja qual vale mais a pena hoje

Considerando o cenário atual de juros e inflação, economia obtida com financiamentos atrelados ao IPCA e à poupança pode chegar a R$ 146 mil

Giovanna Sutto Priscila Yazbek

Ilustração

SÃO PAULO – Com a redução da taxa Selic ao menor patamar da história, os juros dos financiamentos imobiliários caíram significativamente nos últimos meses e anos. Segundo dados do Banco Central, em julho a taxa média do crédito imobiliário no país ficou em 7,16% ao ano, a segunda menor da série histórica iniciada em 2011. Diante do crédito mais barato, o volume de financiamentos de imóveis somou R$ 62,3 bilhões de janeiro a julho deste ano, um aumento de 15,6% sobre o mesmo período de 2019.

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Além das taxas baixas, o aumento dos depósitos em poupança, principal fonte de recursos para o crédito imobiliário, também deixou os bancos com um volume de dinheiro confortável para fazer os empréstimos e contribuiu para estimular os financiamentos.

A captação líquida (saldo entre depósitos e retiradas) do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), ficou positiva em R$ 95,8 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, o melhor resultado registrado desde o início do Plano Real, ou dos últimos 26 anos, segundo dados da Abecip, associação que representa as entidades de crédito.

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“A demanda está alta devido ao cenário de juro baixo. E o banco consegue fazer frente a essa maior demanda por causa da abundância no funding [fonte de recursos], por causa do volume alto de captação da poupança. É um círculo virtuoso”, afirma Fabio Tadeu, economista e sócio da Brain Inteligência Estratégica.

Além do crédito farto e mais barato, o comprador de imóvel também ganhou novas opções de financiamento. Em agosto do ano passado, a Caixa lançou uma nova modalidade de crédito imobiliário corrigido pelo IPCA e, há duas semanas, o Itaú lançou uma nova linha para financiamento de imóveis atrelada à poupança.

“Hoje temos mais instituições oferecendo juros mais baixos. Por isso, os bancos começam a se movimentar para trazer produtos distintos e, consequentemente, uma democratização no acesso ao crédito tem início”, comenta Bruno Gama, CEO da CrediHome, fintech especializada em comparação de crédito.

Mas diante das taxas atrativas e dos diferentes tipos financiamento, qual é a melhor opção para realizar o sonho da casa própria no cenário atual? E o que considerar na decisão levando em conta que o cenário pode mudar por completo (risco que não deve ser desprezado, considerando o histórico da economia brasileira)?

Simulação

O InfoMoney consultou especialistas em crédito e mercado imobiliário para mostrar como escolher a melhor alternativa entre o financiamento com taxas prefixadas mais a Taxa Referencial (TR), o mais tradicional, e as novas opções, que cobram uma taxa prefixada mais o IPCA ou taxa prefixada mais a remuneração da poupança.

As simulações abaixo foram feitas pela CrediHome e consideraram dois cenários: o primeiro (A) leva em conta a média anual da taxa Selic e do IPCA projetada entre os anos de 2020 e 2023 – de 3,66% e 2,94%, respectivamente -, segundo o Boletim Focus do Banco Central, que compila as expectativas das principais instituições financeiras do país. Não foi considerada uma projeção mais longa porque a estimativa mais distante do Focus é para 2023.

Na segunda tabela (B), foi considerado um cenário de elevação da Selic para 8,6% ao ano (patamar a partir do qual a remuneração antiga da poupança é acionada) e do IPCA para 7% ao ano. Segundo Alberto Azjental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da Fundação Getúlio Vargas (FGV), esses parâmetros comportam o que, potencialmente, poderia ser o pior cenário possível nos próximos 20 a 30 anos para tomar crédito imobiliário.

Todas as simulações consideraram as taxas mínimas divulgadas pelos próprios bancos. O Banco do Brasil foi o único, dentre os cinco grandes bancos, que não entrou na simulação. De toda forma, sua taxa mínima na modalidade de financiamento com juros mais TR é de 6,59%, muito próxima à da Caixa.

Veja as comparações a seguir, ordenadas da menor para a maior taxa de juros:

Considerando que as projeções do Focus para Selic e IPCA até 2023 se mantivessem ao longo dos 30 anos de contrato (o que é pouco provável), o financiamento imobiliário da Caixa atrelado ao IPCA seria o mais vantajoso no primeiro cenário e a nova modalidade do Itaú atrelada à poupança seria a segunda melhor opção.

No financiamento de um imóvel de R$ 500 mil, ao optar pelo crédito da Caixa com correção do IPCA, em vez do financiamento do Bradesco com taxa de 7,5% mais TR, a economia chega a R$ 91.283 no total no cenário A, que considera que as condições atuais seriam mantidas. No caso do imóvel de R$ 800 mil, a economia se ampliaria para cerca de R$ 146 mil, também mantidas as condições atuais de inflação.

“Hoje temos a inflação controlada e os juros baixos, então as novas modalidades são atrativas”, diz Bruno Gama, CEO da CrediHome, que pondera, no entanto, que por outro lado as novas linhas são mais arriscadas, sobretudo considerando que os financiamentos são feitos em prazos longos, que podem passar de 30 anos, e nesse espaço de tempo é impossível estimar com precisão como se comportarão os juros e a inflação.

O professor da FGV também destaca a imprevisibilidade dos novos financiamentos. “No caso do IPCA, a pessoa começa pagando o financiamento com a inflação média no patamar de 2,9%, mas pode terminar com o IPCA em 7% em um cenário extremo. E mesmo assim é uma estimativa, não dá para cravar nada”, diz Azjental.

O cenário B evidencia o tamanho do risco. Diante de uma eventual disparada de juros para 8,6% ao ano e inflação para 7%, o resultado se modifica por completo. Nesse caso, o financiamento pela poupança se torna o mais caro e o tomador pode acabar pagando até R$ 325 mil a mais nessa modalidade do que na opção com juros de 6,5% mais TR da Caixa.

Vale lembrar que o financiamento do Itaú corrigido pela poupança tem um teto de cerca de 10,2%, que seriam os 3,99% ao ano fixos, mais a remuneração máxima da poupança, de 6,2% mais a TR (quando a Selic passa de 8,5% ao ano a poupança volta a render pela regra antiga, de 0,5% ao mês mais a TR, atualmente zerada).

“Há uma distância considerável entre a taxa que o tomador pagaria hoje, de cerca de 6,5% ou 7% ao ano mais a TR, e esse teto da poupança. Qualquer alteração de taxa tem um peso relevante no custo final”, afirma Azjental.

Qual escolher?

Para a advogada Daniele Akamine, da Akamines Advogados e Negócios Imobiliários, mesmo que o financiamento do Itaú seja vantajoso no atual cenário, dificilmente as condições de mercado atuais devem se manter.

“Hoje o mercado já espera que a Selic suba para cerca de 6% em 2023, com isso a poupança vai render cerca de 4,2% e a taxa do novo financiamento do Itaú vai subir dos atuais 5,39% para 8,19%. Se essa previsão realmente se confirmar, as taxas praticadas hoje nas outras linhas, de 6,5% a 7% mais TR vão ser bem mais vantajosas”, diz a advogada.

Marcelo Prata, especialista em mercado imobiliário, afirma que a economia com as novas modalidades chama atenção, mas o tomador deve ter muita clareza de que esses valores podem mudar e pesar com calma se, para ele, a economia compensa o risco.

“Os financiamentos corrigidos pelo IPCA ou pela poupança seriam uma boa opção se a economia se mantiver nesses patamares, mas é apostar no futuro. Estamos no Brasil e sabemos que não dá para esperar uma estabilidade por um período tão longo. Vale a pena não arriscar no IPCA e pegar a taxa prefixada mais TR que será mais vantajosa com o passar do tempo. O cenário B comprova a vantagem de optar por um indexador menos volátil no longo prazo: é tentar evitar dívidas mais caras”, explica.

O próprio Banco Central já falou que os juros devem se manter baixos por um tempo, já que a economia segue em crise e a inflação está abaixo da meta (entenda a relação entre a Selic, a economia e a inflação). A autoridade também afirmou que não há espaço para mais quedas na taxa básica porque a Selic já está próxima de um limite de baixa.

Ainda que tudo possa acontecer – até o começo do ano, por exemplo, o mundo não imaginava que uma pandemia mudaria todas as previsões econômicas -, Daniele Akamine defende que as taxas entre 6,5% e 7% dos financiamentos prefixados mais TR estão em um nível historicamente baixo e talvez não teriam mais tanto espaço para cair, mesmo em um cenário (pouquíssimo provável) de queda da Selic para um patamar menor que o atual.

Para a advogada, as economias obtidas, que podem variar entre R$ 30 mil e R$ 146 mil com as novas modalidades de financiamento atreladas ao IPCA e à poupança (considerando o primeiro cenário), talvez não compensem o risco de acabar pagando até R$ 325 mil a mais nas novas modalidades se o cenário mudar.

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E novamente, vale ressaltar, apesar de a economia ser alta nas novas modalidades, o cenário A considera que as taxas ficarão iguais durante 30 anos, o que é pouco provável.

Para Dario Ferraço, sócio da SF Consultoria, as novas opções de financiamento devem ser consideradas pelo consumidor que tem maior apetite ao risco e que pode quitar o financiamento em cinco anos, por exemplo. “O curto prazo minimiza os riscos de correção do indexador. Por outro lado, se a pessoa tem perfil conservador e precisa de mais tempo para finalizar o pagamento, optar pela taxa prefixada mais TR faz mais sentido”, diz.

O financiamento com juros prefixados mais TR, no entanto, também embute risco, por duas razões: ao “prefixar” uma taxa, o tomador “crava” os juros naquele patamar e se os juros ficarem mais baixos depois ele pode ter no seu contrato uma taxa acima do mercado; e o segundo risco, ainda que menor, é que a TR, apesar de estar zerada desde 2017, é uma taxa pós-fixada, que sofre influência da taxa Selic e pode voltar a se elevar se a taxa básica subir.

De todo modo, mesmo quando a Selic estava mais alta a TR se manteve próxima a zero (veja como a TR é calculada).

Observe sempre o CET

Seja qual for a modalidade escolhida, uma dica crucial ao financiar um imóvel em todos os casos é observar o Custo Efetivo Total (CET) da operação.

“O CET inclui todas as despesas do financiamento, como os custos da contratação em si, tarifas operacionais, e os seguros obrigatórios, cujos preços vão variar de banco para banco”, diz Azjental. Em outras palavras, o CET é a taxa que mostra efetivamente o que vai sair do bolso do consumidor.

Portanto, o preço final do crédito imobiliário não é composto unicamente pela taxa de juros, embora ela seja o dado mais mencionado pelos bancos na hora de atrair novos clientes, ressalta Prata.

Portabilidade

Para fugir do risco de ter em mãos uma taxa desvantajosa em relação aos juros praticados no mercado diante de uma mudança de cenário, o tomador pode migrar seu financiamento para outro banco por meio da portabilidade de crédito.

Foi o que muitos fizeram no atual ciclo de corte de juros, diante das nove quedas consecutivas da taxa Selic, de meados de 2019 até o mês passado. Brasileiros que tinham financiamentos com taxas superiores a 10%, feitos, por exemplo, quando a Selic estava acima de 14% ao ano em 2016, trocaram sua dívida por outra mais barata, alinhada aos juros atuais.

Por isso, logo que as novas modalidades de financiamento corrigidas pelo IPCA e poupança foram lançadas, alguns especialistas chegaram a dizer que poderia valer a pena entrar nos financiamentos corrigidos pelo IPCA ou poupança e, conforme for, migrar para outro caso a inflação ou os juros subam, elevando as taxas.

Mas não há um consenso sobre a possibilidade de migrar os financiamentos entre modalidades diferentes.

Por meio de nota, o Itaú disse que não aceita a portabilidade de financiamentos de outras modalidades para o novo crédito corrigido pela poupança. Nos demais casos, o banco aceita a migração entre modalidades diferentes, mediante análise prévia. Significa que ele aceitaria, por exemplo, um financiamento da Caixa corrigido pelo IPCA para o Itaú TR. Já a portabilidade de saída é permitida em qualquer situação, conforme prevê a regulamentação do BC.

Para Daniele Akamine, mesmo que a portabilidade seja permitida, talvez outros bancos não tenham interesse em receber o crédito de outra modalidade. “E mesmo que aceitassem não deve valer a pena já que em um cenário de IPCA ou poupança mais altos os outros financiamentos também terão taxas maiores”, disse.

Rafael Sasso, fundador do site de comparação de crédito MelhorTaxa, já acredita que os bancos aceitarão, sim, o crédito, mesmo de outra modalidade, mas isso não deve acontecer por meio da portabilidade convencional. “Eles podem fazer o que chamamos no mercado de ‘falsa portabilidade’, em vez de apenas migrar o crédito, o banco quita o financiamento que está aberto e cria um novo, dentro da sua modalidade”, diz.

O InfoMoney entrou em contato com a assessoria dos outros quatro maiores bancos do país, além do Itaú, para checar se eles aceitarão a portabilidade entre modalidades diferentes. Banco do Brasil e Bradesco não responderam até o momento de publicação desta matéria.

A Caixa informou apenas que segue a Resolução n° 4.292 do BC, que dispõe sobre a portabilidade de operações de crédito. Mas o documento não especifica nenhuma restrição de migração entre diferentes modalidades. O Santander, por sua vez, afirmou que pode receber portabilidade de modalidades diferentes.

Se de fato a portabilidade for aceita, o risco de fato pode diminuir já que se o cenário mudar é possível migrar a dívida para um financiamento com condições melhores. Mas é importante lembrar que a operação envolve custos, já que é como se um novo financiamento começasse. Então é preciso calcular se a economia obtida com a redução na taxa compensa os custos do novo registro.

Esses custos são: a taxa de avaliação de bens em garantia, cobrada pelo banco, que segundo Daniele fica em torno de R$ 3.100, mas varia de acordo com a instituição; e o custo de averbação, cobrado pelo cartório.

Em nota, a Arisp, entidade que representa os cartórios no estado de São Paulo, disse que o custo da averbação depende da cidade e do valor do imóvel. Por exemplo, para imóveis na capital paulista, que custam entre R$ 552 mil a R$ 828 mil, o valor é de R$ 2.798.

Por que os bancos criaram as novas modalidades?

Do ponto de vista dos bancos, a criação de novas modalidades de financiamento pode ser justificada por alguns motivos. Para Rafael Sasso, o principal deles é atrair mais clientes. “Tem um lado de marketing importante criar um financiamento corrigido pela poupança. É óbvio que se o banco criou uma linha nova é porque dá resultado para ele, mas isso é positivo para o consumidor porque incentiva a inovação do mercado e estimula a concorrência”, diz.

Outra razão para o lançamento das novas modalidades de financiamento é a possibilidade de futuramente o banco securitizar as dívidas. Na securitização, os empréstimos são “empacotados” na forma de títulos que podem ser vendidos a investidores (veja mais).

Dívidas atreladas ao IPCA ou à poupança, como é o caso dos novos financiamentos, podem gerar maior interesse no mercado. Do ponto de vista do investidor, ele ganha a opção de ter um investimento corrigido pela inflação ou atrelado à Selic (caso da poupança), assim como outras aplicações financeiras que já existem no mercado, mas com a segurança de ter por trás um imóvel como garantia (já que se trata de um financiamento).

Juliana Mello, sócia da securitizadora Fortesec, diz que no lançamento do crédito atrelado ao IPCA, a Caixa já havia justificado que a nova modalidade havia sido criada com o objetivo de securitizar a carteira do banco.

“O funding dos bancos continua sendo a poupança, na grande maioria dos casos. Mas com a queda da Selic, a poupança deixa de ser um investimento atrativo, já que rende menos que a inflação. Isso pode gerar uma fuga da caderneta, então os bancos já se preparam para um cenário em que a captação de recursos para o crédito imobiliário vai ter que ir além da poupança, e essa solução pode ser a securitização”, explica Juliana.

Quer sair da poupança, mas não sabe por onde começar? Esta aula gratuita com a sócia da XP mostra como fazer seu dinheiro render mais, sem precisar assumir mais riscos.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.