NotCo, financiada por Jeff Bezos, traz ao Brasil maionese feita com inteligência artificial

Leite e sorvete da marca, sem ingredientes de origem animal na composição, também estarão nos supermercados do país ainda em 2019; sabor é idêntico ao do produto natural  

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – O cientista e empreendedor chileno Pablo Zamora molhava uma batata frita em uma maionese feita 100% a partir de vegetais quando fez uma projeção chocante. Em apenas três anos, utilizando produtos da empresa que ajudou a criar, toda pessoa será capaz de cozinhar, do início ao fim e sem restrições, as refeições que consome hoje passando longe de qualquer ingrediente de origem animal.

Segundo ele, a Not Company, ou NotCo, empresa que criou junto aos parceiros Matias Muchnick e Karim Pichara, está muito perto de conseguir desenvolver as três bases necessárias para possibilitar essa realidade.

Eles já vendem uma maionese sem ovo (NotMayo), divulgam um leite que não vem da vaca, mas também não é de soja (NotMilk) e conseguiram produzir carne sem matar animais (NotMeat), tudo a partir de plantas – e tecnologia avançada – sem adição de compostos químicos comumente usados nessa indústria.

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Em abril, a NotMayo chega aos supermercados brasileiros da rede Pão de Açúcar, a partir de uma parceria da NotCo com o GPA. Ainda neste ano, mas sem data definida, chegam também o leite NotMilk e os sorvetes feitos a partir deste mesmo leite, inicialmente nos sabores baunilha, morango e chocolate. Sazonalmente, a empresa venderá um quarto sabor (doce de leite, pistache, cookies n’ cream e caramelo salgado são alguns exemplos).


Foto: Ian Scabia

 

Sabor idêntico

Segundo Muchnick, ex-banqueiro de private-equity e CEO da empresa, o propósito do negócio é “mudar o jeito que as pessoas comem, mas sem que elas percebam”. Para a NotCo, não há sentido em mudar a alimentação das pessoas culturalmente falando: uma dieta precisa se basear no que se quer comer, não apenas na função nutritiva do alimento ou em sua origem.

Aos céticos pode parecer hype, mas o sabor, a textura e o visual dos produtos são, de fato, idênticos ao obtidos com ingredientes in natura. Tanto que a NotMayo, lançada em março de 2017, já tem 10% de todo o market share de maionese no Chile. Vale destacar que nosso vizinho é o terceiro maior mercado de maionese do mundo – desse sabor os chilenos entendem.  

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Para se apresentar ao Brasil, a empresa organizou na última quarta-feira (20) um jantar para poucos convidados da imprensa com diversos itens de produção própria. Dentre empanadas, donuts, hambúrgueres e até creme de avelã (ainda sem nome, mas carinhosamente apelidado de NotTella), nada parecia falso ou artificial, como se tende a esperar de algo produzido em laboratório. E, segundo os fundadores, tudo é “muito mais saudável”. 

Tamanha precisão é possível graças a um trabalho extremamente minucioso que inclui análise molecular, reprodução dessas moléculas a partir de plantas e inteligência artificial.

Os responsáveis por esse trabalho são pessoas “realmente brilhantes”, de acordo com o CEO. O primeiro a embarcar com Muchnick nesta missão foi Karim Pichara, pesquisador em Harvard nas áreas de Machine Learning e Ciência da Computação aplicada.

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O acadêmico agora é CTO (diretor de tecnologia) da empresa. Foi ele o responsável pelo desenvolvimento do Giuseppe, software responsável por cruzar todas as informações de um gigantesco banco de dados para obter as combinações de moléculas ideais na criação de cada alimento. O nome do robô é uma homenagem a Giuseppe Arcimboldo, pintor italiano renascentista famoso por criar figuras humanas a partir de frutas e legumes.

“Sabíamos que tínhamos que quantificar sabores”, explica Pichara. Além do banco de dados, que calcula as “receitas” a partir dos alimentos a serem imitados e das mais de 35 mil espécies de plantas comestíveis disponíveis no planeta, Giuseppe aprende com suas tentativas e erros. Para ensiná-lo, a NotCo conta com um time completo de chefs de cozinha trabalhando em período integral. Tudo o que estiver fora do esperado, é detectado por esses profissionais.

“Como eu vou vender um leite que tem cheiro de leite, textura e gosto de leite, mas que é roxo?”, exemplifica Muchnick. “Temos de voltar e ensinar a Giuseppe que o leite precisa ser branco, e então ele corrige”.

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Com Muchnick e Pichara, faltava um elemento essencial: alguém que entendesse do universo que seria explorado – as plantas. Através da indicação de um conhecido em comum na NASA, os empreendedores se uniram ao especialista em biolotecnologia Pablo Zamora. A receita funcionou de primeira.


Karim Pichara, Matias Muchnick e Pablo Zamora Foto: Ian Scabia 

 

Do condimento ao prato principal

Mas maionese, sozinha, não muda o mundo. Os empreendedores já estão no meio do caminho para possibilitar quaisquer dietas a partir de seu “ovo”, “leite” e “carne”.  

Para as carnes, a equipe está desenvolvendo a gordura, o sangue, responsável pela suculência e até a estrutura fibrosa que permitirá reproduzir com exatidão os diferentes cortes encontrados no mercado. Segundo Zamora, entre os “muitos” ingredientes da NotMeat estão moléculas de cacau e beterraba, por exemplo.

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Mas o cientista revela que a estrutura mais difícil de reproduzir até o momento foi o leite. “É 98% água. Foi um trabalho incrivelmente difícil cortar a molécula em pedaços pequenos o suficiente para descobrir essa estrutura”, diz. “Ao mesmo tempo, sabíamos que as moléculas das plantas estão no leite de vaca. Elas comem grama, e essas moléculas vão para o leite”, ensina. O resultado, em textura, sabor e cheiro, é impressionantemente preciso.

É financeiramente sustentável?

Por incrível que pareça, os empreendedores garantem que o método de produção da NotCo é ainda mais barato que o da indústria tradicional. “O mais caro do processo de produção da maionese é o ovo”, diz o cientista Zamora. O mesmo vale para o leite e a carne: segundo ele, a agropecuária, além de menos sustentável (a produção de 1kg de carne de boi usa 15,4 mil litros de água), custa muito mais dinheiro que as suas plantações.

Para garantir produtos acessíveis, a NotCo definiu que sempre terá produção local nos países onde operar, minimizando gastos com importações. No Brasil, já há parcerias com fazendeiros, distribuidoras e empacotadoras.

Sendo assim, o consumidor paga menos ou o mesmo preço de um produto feito da maneira tradicional. No Chile, ao vender NotMayo a preço de Hellmann’s, as redes supermercadistas acabam aumentando suas margens – consequentemente, dão mais destaque ao produto NotCo nas suas prateleiras.

Validado pelo homem mais rico do mundo

Se consumidores comuns têm dúvida sobre o potencial da NotCo, um observador acima da média acaba de validar o produto. A startup recebeu no início deste mês um aporte de Jeff Bezos, CEO da Amazon e homem mais rico do mundo, por meio do fundo familiar Expeditions.

A rodada de investimento totalizou US$ 30 milhões e garantiu parceria com a rede de supermercados Whole Foods assim que a empresa resolver expandir para os Estados Unidos. Por enquanto, porém, esse não é o foco. “Foco total no Brasil”, diz Zamora. Melhor para os brasileiros.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney