Consórcio de carro: como fica o comprador com os preços em alta e os estoques em baixa?

Especialistas explicam os cenários e alternativas quando os preços aumentam ao longo do pagamento das parcelas e na hora de tirar o veículo

Mariana Segala

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SÃO PAULO – Fazer consórcio para comprar um carro está na moda? Os números indicam que sim. No primeiro trimestre deste ano, o volume de créditos comercializados somou R$ 17,2 bilhões no segmento de veículos leves, alta de 29% em relação ao mesmo período de 2020, segundo dados recém-divulgados pela Associação Brasileira de Administradores de Consórcios (ABAC). Foram 352 mil novos consorciados entre janeiro e março.

É um movimento que vem desde o ano passado, mesmo com as incertezas causadas pela pandemia. São pessoas como o administrador Augusto Moreira, de 42 anos, que optou por fazer um consórcio pela primeira vez em 2020. “Decidi trocar de automóvel e queria evitar os juros de um financiamento”, conta. Como ele já possuía dois carros, não tinha pressa para ser contemplado. “Eu não ficaria a pé até o sorteio”.

Moreira só não contava com o aumento dos preços que a pandemia acabaria precipitando no segmento automotivo. Alta do dólar, falta de componentes e fábricas temporariamente fechadas por causa da disseminação do coronavírus causaram o desabastecimento de modelos zero quilômetro nas concessionárias e reajustes frequentes nas tabelas das montadoras. Com a corrida aos seminovos e usados, os preços dispararam também.

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Nos sete meses que se passaram entre o pagamento da primeira parcela e a contemplação no consórcio, no fim de 2020, Moreira viu o preço do Fiat Mobi automático seminovo que estava namorando passar da faixa dos R$ 30 mil para R$ 34.900. Sua carta de crédito, que era de R$ 27.500, precisou ser reforçada com economias próprias. “Assim que fui contemplado, corri para a concessionária e dei uma entrada para garantir a compra e segurar o preço até receber o dinheiro, duas ou três semanas depois”, conta.

Consórcios são tidos como uma modalidade de compra parcelada mais barata que um financiamento. Em vez de juros, é cobrada uma taxa de administração, aplicada sobre o valor total da carta de crédito. Segundo dados do Banco Central compilados pela fintech Consorciei, a taxa média nos grupos de automóveis atualmente é de pouco mais de 15%. Grosso modo, o valor da taxa é dividido pelo número de parcelas do plano e pago mês a mês.

Assim, cada parcela é composta, em geral, pelo valor destinado à formação da carta de crédito, a taxa de administração, um valor depositado em um fundo de reserva e reajustes periódicos. “Via de regra, essa soma é menor do que os juros e taxas de um empréstimo”, explica Nélio Costa, planejador financeiro certificado CFP.

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A avaliação do ponto de vista financeiro, no entanto, precisa ser contrabalançada com a análise da conveniência, indica Costa. Como não é possível ter certeza de quando será sorteado, o consorciado precisa estar disposto a esperar para comprar o carro – e, se der azar, até o fim do prazo do grupo.

“É uma alternativa para quem não tem perfil de poupança. Para essas pessoas, pagar uma parcela pode gerar um comprometimento maior do que investir um valor mensalmente para comprar à vista”, diz. O custo é pagar uma taxa de administração – em vez de obter uma remuneração investindo o mesmo valor em algum produto financeiro.

Outra incerteza presente nos consórcios diz respeito exatamente à situação que Moreira encontrou no mercado: como vai ficar o preço ao longo dos pagamentos das parcelas e na hora de levar o carro para casa? O que acontece se eles dispararem, como ocorreu nos últimos 12 meses? InfoMoney conversou com especialistas para entender os principais cenários possíveis e as alternativas para os consorciados. Confira:

O que acontece com o consórcio se o preço do carro subir?

A alta do preço de um automóvel pode ter impactos distintos sobre um consórcio, dependendo do tipo de plano que foi comprado.

De um lado, estão os consórcios vendidos pelas administradoras ligadas a montadoras. Nesses casos, os planos são desenhados para que o consumidor consiga comprar um determinado veículo, e por isso eles são reajustados seguindo as tabelas de preços dos fabricantes. Se o preço do carro sobe, o mesmo ocorre com o valor da carta de crédito do consórcio – e das prestações também.

A elevação das parcelas é um elemento de incerteza, que pode assustar os consorciados. Mas há uma razão: “O objetivo é assegurar que ele tenha o poder de compra do carro que escolheu, e não oferecer um investimento financeiro”, diz Paulo Noman, presidente do Consórcio Chevrolet.

Para quem está pagando o consórcio e ainda não foi contemplado, o aumento da tabela é diluído nas parcelas seguintes. Um detalhe: mesmo quem foi sorteado e já comprou o carro também terá o saldo devedor reajustado da mesma forma. Isso porque todos os participantes do grupo contribuem para que os outros consigam ser contemplados com a carta de crédito reajustada.

A situação é diferente para quem faz um consórcio independente, não ligado a uma montadora. “Quando não tem uma marca atrelada, o consorciado na prática compra uma carta de crédito de um determinado valor, que pode ser R$ 50 mil, por exemplo, ou qualquer outro”, explica Luís Toscano, vice-presidente de negócios da administradora de consórcios Embracon.

As parcelas, portanto, não são reajustas de acordo com a tabela de preços de um fabricante, mas sim seguindo o indicador que consta no contrato. Pode ser um índice de inflação, como o IPCA, ou a variação do preço de algum modelo pela tabela Fipe. A periodicidade dos reajustes (trimestral, semestral ou anual) é especificada no documento.

Em períodos como o atual, em que os preços dos carros estão subindo acima da inflação, um reajuste pelo IPCA é mais ameno para as contas mensais. Porém, é possível que, ao ser contemplado, o consorciado não consiga comprar o mesmo automóvel que havia imaginado inicialmente.

Existem algumas possibilidades nesse caso. Uma delas é escolher outro carro mais barato. “O consumidor pode fazer o que quiser com a carta de crédito. Temos notado, por exemplo, que muitas pessoas estão optando por carros usados no lugar de modelos zero”, diz Marcelo Kogut, diretor de marketing da Mycon, administradora de consórcios digital.

Outra alternativa é solicitar um aumento do valor da carta de crédito, para cobrir o custo adicional do carro. “A vantagem é que o aumento é diluído nas parcelas que o consumidor ainda terá para pagar”, diz Toscano, da Embracon.

A alternativa final é fazer o que Moreira fez: completar a carta de crédito com algum dinheiro poupado.

Como fica o consórcio se você for contemplado e demorar para comprar o carro?

Como algumas montadoras têm fila de espera para certos modelos, um consorciado contemplado talvez não encontre o automóvel que gostaria imediatamente. Assim, mesmo tendo o direito, é possível que não resgate a carta de crédito assim que for sorteado.

Na Embracon, por exemplo, os pagamentos das cartas de crédito reduziram 6% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, ainda pré-pandemia. “Significa que as pessoas estão sendo contempladas, mas estão aguardando para utilizar o crédito, talvez pelas incertezas do momento”, diz Toscano.

Cada grupo de consórcios tem regras específicas, mas as cartas de crédito contempladas permanecem investidas enquanto não são utilizadas e em geral têm o seu valor atualizado por um percentual do CDI, explica Pedro Amoroso Lima, co-fundador da Consorciei, plataforma online em que consorciados desistentes podem vender suas cotas.

Em momentos como o atual, em que os preços dos automóveis estão subindo em um ritmo mais alto do que o da inflação, o ideal é se agilizar, segundo Toscano. “Se deixar o crédito parado, o preço do veículo pode aumentar”, diz.

Mas essa não é a única possibilidade – o contrário também pode acontecer. “Nada garante que o preço não vá cair quando a oferta de automóveis for normalizada”, diz Lima, da Consorciei. E ocorrendo isso, o consorciado que se apressar poderia perder a chance de comprar um carro melhor com a mesma carta de crédito. Essa decisão, portanto, depende da expectativa sobre os preços futuros dos automóveis.

E se a concessionária não tiver o modelo pretendido?

Os consórcios ligados a montadoras atrelam a carta de crédito e as prestações a um modelo específico. A finalidade é assegurar que o consumidor consiga ter dinheiro suficiente para comprar o veículo que deseja. No entanto, não há uma garantia de que ele estará disponível na concessionária no momento da contemplação. O que fazer então?

Uma alternativa é comprar outro modelo que esteja disponível. Outra opção, menos conhecida, é procurar outra concessionária, diz Noman, do Consórcio Chevrolet:

Se não tiver um modelo que o agrade, o consumidor pode usar a carta de crédito de uma montadora para comprar um carro de outra montadora ou até um usado. Na prática, pode ter a mesma dificuldade, porque está todo mundo sem carro.

O que fazer com o consórcio se sua renda diminuir enquanto estiver pagando as prestações?

Especialmente do início da pandemia para cá, as administradoras de consórcios ampliaram os esforços de negociação com consumidores que sentiram impacto na sua renda – seja pela perda do emprego, pela redução de jornada e salários ou porque outras despesas surgiram no meio do caminho.

Para esses casos, as administradoras costumam permitir que o consorciado interrompa temporariamente os pagamentos – em algumas delas, podem ser cobradas taxas por isso.

Na Mycon, por exemplo, é possível “congelar” as parcelas por até três meses, sem custos. Depois, dá para retomar os pagamentos – e os valores acumulados no período de congelamento são diluídos nas parcelas restantes até o vencimento.

Mas isso vale para quem ainda não foi contemplado, diz Kogut. Depois da contemplação e da compra, o veículo fica alienado em nome do grupo do consórcio até todos os pagamentos serem finalizados. Em caso de inadimplência, o carro pode inclusive ser tomado, como em um financiamento.

Também para quem ainda não foi contemplado existe a possibilidade de solicitar uma redução do valor da carta de crédito – e consequentemente, do valor das parcelas. Isso, é claro, demanda manejar as expectativas na hora de comprar o veículo. O consorciado provavelmente terá de optar por um modelo mais barato.

Por outro lado, não é possível solicitar uma extensão do prazo do consórcio, pois se trata de um grupo fechado – e todos precisam ser contemplados até a data estabelecida no contrato.

E se você quiser ou precisar interromper os pagamentos do consórcio?

Quem ainda não foi contemplado pode pedir para cancelar um consórcio de veículos, sim. Há, porém, um custo para isso – e não é apenas a taxa de cancelamento, cobrada por algumas administradoras.

“A desvantagem do consórcio é a falta de liquidez”, explica o planejador financeiro Nélio Costa. Em caso de cancelamento, o consorciado recebe de volta o dinheiro que já foi pago – mas há condições. “Os recursos ficam no consórcio até que o consumidor seja contemplado ou até o prazo do grupo terminar.”

Para quem já está no fim dos pagamentos, esse talvez seja um problema pequeno. Mas imagine o caso de quem quitou menos da metade das prestações – o dinheiro ficará “preso” por um bom tempo ainda.

Diante de uma situação do tipo, algumas pessoas optam por tentar vender sua carta de crédito a outros consumidores dispostos a assumir as prestações por vencer. “Mas para conseguir um comprador o consorciado precisa oferecer um desconto, que pode chegar a 20% ou 30% sobre o valor que já foi pago”, explica Costa.

Em plataformas como a Consorciei, que formaliza esse tipo de transação, os descontos variam de acordo com o tempo que falta para o fim do consórcio (quanto maior o prazo, maior o desconto). Também é feita uma análise da possibilidade de contemplação antecipada por meio de lance. Se a chance de ser contemplado ao oferecer um lance – calculada pelos algoritmos da Consorciei – for baixa, o desconto é maior.

Segundo Lima, co-fundador da startup, o desconto em geral varia de 0,2% a 1,8% ao mês. “Ou seja, se ainda faltam dois anos para o término do grupo, o consorciado pode esperar um desconto de 5% a 35% em relação ao que tem para receber”, diz.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney