Área técnica do TCU contraria MP sobre suspensão do consignado do Auxílio Brasil

Promotoria pediu ao tribunal que a Caixa seja proibida de conceder novos empréstimos para 'impedir sua utilização com finalidade meramente eleitoral'

Lucas Sampaio

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Parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) contrariou o pedido do Ministério Público (MP), de suspender novos empréstimos consignados do Auxílio Brasil pela Caixa Econômica Federal para “impedir sua utilização com finalidade meramente eleitoral”.

A área técnica do tribunal recomendou ao ministro Aroldo Cedraz, relator do caso no TCU, que a Caixa tenha 5 dias úteis para se manifestar, antes de uma decisão ser tomada, “em face da relevância social” do tema (veja mais abaixo). Cedraz ainda não se manifestou sobre o pedido do MP.

O requerimento do Ministério Público foi feito na terça-feira (18) pelo sub-procurador-geral Lucas Rocha Furtado. Ele afirma no pedido de medida cautelar que o “assombroso montante” de R$ 1,8 bilhão em crédito já liberado pelo banco público em poucos dias “impõe dúvidas sobre as finalidades perseguidas”.

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Furtado se refere ao R$ 1,8 bilhão em empréstimos liberados para cerca de 700 mil beneficiários do Auxílio Brasil entre terça (11) e sexta (14) da semana passada. Os números foram divulgados pela presidente da Caixa, Daniella Marques, na segunda-feira (17).

“Há a possibilidade de a empresa pública haver incorrido em flagrante desvio de finalidade pública, utilizando-se indevidamente de seus recursos e de sua estrutura para interferir politicamente nas eleições presidenciais, situação a demandar notoriamente a atuação do TCU”, afirma o sub-procurador-geral.

Furtado afirma ainda que as suspeitas, se confirmadas, configurariam “ocorrência de extrema gravidade” — inclusive com implicações criminais comuns e de crime de responsabilidade, alheias às competências do TCU, e também implicações administrativas”.

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O parecer técnico

A área técnica do TCU, no entanto, não endossou o pedido do Ministério Público. O parecer recomenda que, “para o caso em exame, em face da relevância social de que se reveste, entende-se que o juízo acautelatório deva ser formado após a oitiva prévia da Caixa”. Ele foi incluído na noite de quinta-feira (20) no processo que está em andamento no tribunal.

A recomendação da área técnica é que o tribunal dê 5 dias úteis para a Caixa se manifestar sobre o pedido do MP, “especialmente quanto aos pressupostos de concessão de medida cautelar, e, especificamente, sobre o possível desvio de finalidade na concessão de volume expressivo de recursos nos empréstimos consignados aos beneficiários do Auxílio Brasil”.

O parecer sugere também ao relator que intime o banco a apresentar uma série de documentos e informações, como:

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O que diz a Caixa

A presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, disse nesta sexta-feira (21) que o banco respeitará qualquer decisão do TCU, mas que o banco tem feito a oferta do crédito de forma consciente. “Se a decisão for esta [pela suspensão da oferta], cabe a nós respeitar”, disse Marques a jornalistas. “Não é a Caixa quem determina o timing do consignado”.

Ela afirmou que o crédito tem sido buscado pelos clientes porque há um grau de endividamento da população em outras linhas de crédito, que são mais caras, e que outros bancos também estão oferecendo o produto. “Não é só a Caixa que está operando o consignado”.

Caixa, Auxílio Brasil e eleição

Desde o início do segundo turno, a Caixa tem anunciado diversas medidas e programas focados nas classes mais baixas e nas mulheres — públicos em que o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), tem maior rejeição. A Caixa é banco 100% controlado pelo governo federal.

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Ela é o único grande banco do país a oferecer o consignado do Auxílio Brasil. Outros 11 bancos e instituições financeiras também foram autorizados a operar a linha de crédito, entre eles o banco Safra e a Crefisa, mas apenas a Pincred e a meutudo/QI estão oferecendo o produto no momento.

Todos os grandes bancos que têm capital aberto — Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC4), Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11) — têm mostrado receio com o produto (considerado arriscado dado o perfil do público-alvo e a situação de fragilidade social de muitos beneficiários).

Entre os anúncios feitos pela Caixa nos últimos dias estão:

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O banco também antecipou o pagamento do Auxílio Brasil e do vale-gás em outubro, para o calendário ser concluído até o dia 25 — cinco dias antes do segundo turno, que será disputado no dia 30. Originalmente, o repasse terminaria no dia 31, no dia seguinte ao fim das eleições.

A Caixa antecipou também os pagamentos do auxílio caminhoneiro e do auxílio taxista neste mês e anunciou na quarta-feira (19) que a quinta e a sexta parcelas dos benefícios também serão antecipadas.

O pedido do MP

O sub-procurador-geral pede a suspensão das concessões de novos empréstimos até que o TCU se manifeste definitivamente sobre o assunto. Furtado cita a proximidade do segundo turno das eleições e a posição de desvantagem de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto ante Lula (PT).

Para Furtado, “tudo indica” que se trata de uma medida para atender interesses políticos-eleitorais em detrimento da população. “Com efeito, não é desarrazoado supor (…) que o verdadeiro propósito dessas ações, ou pelo menos da forma como elas estão sendo conduzidas, seja o de beneficiar eleitoralmente o atual Presidente da República e candidato à reeleição”.

O sub-procurador-geral cita também na representação a agilidade “inesperada” nas concessões de crédito, que “provavelmente” ocorrem de “forma açodada”, além de destacar que a ação visa majoritariamente o público feminino, no qual Bolsonaro tem desvantagem em relação a Lula, segundo as pesquisas eleitorais.

Consignado do Auxílio Brasil

O empréstimo consignado do Auxílio Brasil é uma das medidas do pacote de benefícios sociais do governo para tentar alavancar as intenções de voto de Bolsonaro junto às camadas de menor renda da população. A medida é vista como eleitoreira e criticada por especialistas da área social por ser um estímulo ao endividamento de pessoas que já vivem em condições de alta vulnerabilidade e insegurança alimentar.

O consignado do Auxílio Brasil tem juros de 3,45% ao mês na Caixa (50,23% ao ano), próximo do limite de 3,50% estabelecido pelo governo federal (51,11% ao ano). A parcela mínima para pagar o empréstimo é de R$ 15 por mês e a máxima, de R$ 160. A duração máxima é de até 24 meses.

O empréstimo pode ser contratado pelo aplicativo Caixa Tem e em mais de 26 mil pontos físicos (mais de 4 mil agências bancárias, mais de 9 mil correspondentes Caixa Aqui e mais de 13 mil lotéricas). O responsável precisa estar recebendo o benefício há mais de 90 dias (3 meses) e não pode ter deixado de comparecer a uma convocação do Ministério da Cidadania.

O teto de juros estipulado pelo governo federal para o consignado do Auxílio Brasil (3,50% ao mês) é superior ao imposto pelos bancos ao consignado do INSS (2,14%). Também está acima do que é cobrado em vários tipos de consignado, segundo dados do Banco Central:

Regras do consignado

As pessoas que recebem o Auxílio Brasil pode comprometer até 40% do valor que recebem por mês para pagar o empréstimo, por um prazo máximo de 24 meses (2 anos). Os juros são limitados a 3,50% ao mês (51,11% ao ano).

O limite de 40% incide sobre o valor permanente do benefício, que é de R$ 400 (os atuais R$ 600 estão garantidos pelo governo federal só até dezembro). Assim, o beneficiário poderá descontar até R$ 160 mensais durante, no máximo, 2 anos.

O pagamento do empréstimo é descontado todos os meses do valor do benefício, diretamente na folha de pagamento, durante o prazo contratado (o desconto é feito antes de o Auxílio Brasil ser depositado na conta da família).

Caso o beneficiário deixe de receber Auxílio Brasil, independentemente do motivo, ele será obrigado a continuar pagando as parcelas por conta própria, até o final do contrato, pois o empréstimo não será cancelado.

O que é proibido

Os bancos e as instituições financeiras que oferecem o produto não podem cobrar nenhuma taxa além dos juros. Não é permitida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) nem taxas administrativas, por exemplo, e as empresas são obrigadas a informar o Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo no momento da contratação.

As empresas não podem oferecer ativamente o consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, pois a portaria que regulamentou a linha de crédito proíbe qualquer atividade de marketing ativo, oferta comercial, proposta e publicidade direcionada a beneficiário específico ou qualquer tipo de atividade para convencê-lo a assinar os contratos de empréstimo consignado.

Elas também não podem dar prazo de carência para o beneficiário começar a pagar as parcelas, que começarão a ser descontadas do Auxílio Brasil logo após a aprovação do crédito e da liberação do dinheiro.

(Com Estadão Conteúdo)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.