Sem fortes emoções? O que aconteceria se o câmbio fosse fixo

Última experiência brasileira com o câmbio fixo culminou em desastre; já a China só obteve o êxito econômico das últimas 3 décadas devido ao dólar desvalorizado

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – No ano que se encerrou, o Brasil voltou a viver fortes emoções no câmbio. A piora das contas públicas e a possibilidade de redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos levaram a um forte movimento de valorização do dólar. A moeda americana se firmou acima do patamar de R$ 2 e chegou até mesmo a se aproximar dos R$ 2,50 nos momentos de maior nervosismo. Somente após o Banco Central brasileiro anunciar um plano de leilões diários de contratos de dólar e o Federal Reserve colocar em compasso de espera o plano de reduzir a recompra de títulos no mercado é que o câmbio voltou a se acalmar.

Solavancos cambiais costumam ser preocupantes por dois motivos. O primeiro é a situação financeira das empresas bastante endividadas em dólar. Se a moeda americana sobe forte e rápido, as companhias que não fizeram “hedge” para se proteger da variação cambial podem ser pegas no contrapé – ou seja, terão despesas financeiras mais elevadas e lucratividade menor. O mesmo não vale para o governo brasileiro, que, hoje, tem mais reservas internacionais em dólar do que dívidas. O que, sim, pode ser preocupante para o governo é que um possível choque cambial teria um efeito inflacionário na economia – a alta do dólar encarece produtos importados e permite que as empresas brasileiras possam reajustar preços sem perder competitividade.

Esse tipo de movimento brusco de mercado pode fazer com que muitos desejem voltar aos anos 1990, na época de implantação do Plano Real, período em que a moeda brasileira praticamente não oscilava em relação ao dólar. O Brasil tinha um câmbio fixo, que permitia apenas pequenas correções no valor do dólar de tempos em tempos. Mas será que a volta desse regime seria benéfico para o país? O que seria do Brasil se o câmbio voltasse a ser fixo?

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Segundo o gerente de câmbio da Trevisan Corretora, Reginaldo Galhardo, em um primeiro momento o mercado reagiria de forma bastante negativa a uma mudança no câmbio. Em geral, apenas países com governos mais intervencionistas, como a China, fixam o valor do dólar. “A sensação dos investidores seria de estatização do mercado cambial, já que com a moeda fixa o governo é quem decidiria o patamar da divisa”, afirma. Ele diz que os investidores não são muito favoráveis a intervenções do governo, já que isso reduz a previsibilidade dos movimentos futuros da moeda e pode prejudicar diretamente a rentabilidade de muitas empresas.

Além dos riscos que um câmbio fixo poderia trazer, Galhardo afirma que a tranquilidade do mercado como um todo só ocorre por causa da flutuação da moeda.

A oscilação cambial permite que desequilíbrios econômicos sejam naturalmente corrigidos. Se o déficit em transações externas de um país começa a crescer demais, por exemplo, isso tende a gerar uma valorização do dólar, que, por sua vez, aumentará a competitividade da produção nacional e encarecerá as importações, revertendo o déficit externo no médio prazo. “A flutuação tornou nosso mercado mais transparente, o que atraiu investidores para o país”, diz.

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A BM&FBovespa seria outra grande prejudicada em um cenário de volta para o câmbio fixo. O economista e diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Moura Nehme, explica que hoje o mercado de derivativos nacional é muito maior que nos anos 1990. Muitas empresas não teriam mais motivo para gastar com “hedge” contra a variação do valor do dólar em um regime de câmbio fixo. Além disso, como os preços de diversos ativos e commodities são negociados em dólar, esse mercado sofreria uma perda enorme com uma mudança cambial.

Mas será que o câmbio fixo seria um desastre completo, sem nenhum efeito positivo? Galhardo diz que isso dependeria dos objetivos da medida. “Uma mudança como essa iria trazer mais problemas do que soluções, mas possivelmente o governo teria suas razões e saberia trazer benefícios para o país”, afirmou. Um dos exemplos em que o câmbio foi fixado artificialmente em um patamar desvalorizado para promover uma forte expansão da economia é o da China. Nas últimas três décadas, o país asiático cresceu a taxas próximas a 10% ao ano principalmente graças à competitividade de suas exportações no exterior – e o câmbio desvalorizado ajudou muito nisso.

“Se adotasse o câmbio fixo, provavelmente o governo brasileira colocaria o dólar em um patamar bastante positivo para as empresas exportadoras. É importante lembrar que a ideia de um câmbio fixo não significa que o dólar e o real, necessariamente, ficariam em 1 para 1.” Por outro lado, Galhardo lembra que somente desvalorizar o real não funciona. Mesmo quando o dólar atingiu R$ 2,45 em agosto, a balança comercial brasileira não apresentou mudança significativa. “Mesmo que setores da economia venham a se favorecer com um câmbio fixo, é utopia acreditar que não haveria efeitos colaterais para o país.”

Câmbio fixo no futuro?
Apesar de todas as complicações que um câmbio fixo poderia gerar para a economia nacional, não é completamente inviável que um dia isso volte a ocorrer. O câmbio fixo foi muito importante para conter a inflação nos anos iniciais do Plano Real porque eliminou aquela expectativa dos brasileiros de que os preços nunca fossem parar de subir – após uma década de hiperinflação. Para Sidnei Nehme, porém, antes seria necessário aumentar a conversibilidade da moeda brasileira. “O real ainda não é uma moeda forte, não é uma moeda que poderíamos chamar de conversível no resto do mundo [a não ser com o dólar]. Para que um dia seja possível manter um câmbio fixo, o país precisaria ter uma moeda com poder de troca perante os outros mercados”, afirma.

Câmbio fixo, desfecho ruim
Entre 1994 e 1998, durante o primeiro governo FHC, o mercado de câmbio no Brasil teve sua cotação mantida fixa, com pequenas correções. Um dos indiscutíveis pontos positivos foi o controle da inflação logo no primeiro ano do Plano Real. A alta acelerada dos preços havia assombrado o país nos 10 anos anteriores. O problema é que o real foi mantido em um patamar supervalorizado, com cotações próximas de R$ 1 para US$ 1, combinado com uma taxa de juros bastante elevada. No livro “Saga Brasileira”, a jornalista Miriam Leitão narra que, no primeiro governo FHC, havia um grupo de economistas, liderado por José Mendonça de Barros, que, a partir de 1997, passou a considerar o câmbio fixo insustentável. O então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, acreditava, no entanto, que o controle da inflação ainda não estava consolidado e seria colocado em risco com a desvalorização do real.

O problema é que, com uma sucessão de crises na Ásia e na Rússia, a política cambial brasileira foi, aos poucos, perdendo credibilidade. O câmbio valorizado não ajudava em nada as exportações, elevava as importações e aumentava o déficit externo brasileiro. Com reservas internacionais em baixa e dívida externa em alta, o mercado começou a se questionar se o BC teria poder de fogo para manter o câmbio fixo por muito mais tempo. As crises da Ásia e da Rússia agravaram a situação porque tiveram um efeito negativo sobre o preço das commodities – o Brasil perde muito com isso – e porque geraram uma corrida por ativos de menor risco – ou seja, a liquidez mundial migrou para os Estados Unidos e para a Europa Ocidental.

O governo tentava atrair o capital internacional com políticas pró-mercado e a venda de importantes empresas estatais, como a Vale e o sistema Telebrás. Mas mesmo com essas receitas extraordinárias, a dívida pública continuava subindo, já que os juros pagos pelos títulos brasileiros eram exageradamente altos justamente para atrair o capital internacional. FHC decidiu manter o câmbio fixo até conseguir a reeleição – a moeda só passou a flutuar nos primeiros dias de seu segundo mandato, em janeiro de 1999. A reação no mercado foi imediata: o dólar chegou a dobrar de valor em poucos meses e a taxa básica de juros (Selic) chegou a inacreditáveis 45% ao ano. 

Os vizinhos argentinos passaram por uma situação ainda pior pouco depois. A Casa Rosada decidiu entrar em um regime de câmbio fixo em 1992, colocando 1 peso equivalente a US$ 1, sem alterações ou correções. Porém, diferente do Brasil, a Argentina tinha uma dívida em dólar impagável se a paridade fosse desfeita. Outro problema é que os argentinos sempre tiveram o costume de guardar dólares em casa ou no exterior. Quando em 2001 disseminou-se a percepção de que a paridade não se sustentaria, começou uma intensa corrida bancária que culminou no “corralito” – ou o congelamento dos depósitos bancários, impedindo que milhões de pessoas sacassem o próprio dinheiro nos bancos. O desastre também atingiu o governo, que pediu moratória da dívida externa.

Essa matéria foi publicada na edição 48 da Revista InfoMoney, referente ao bimestre janeiro/fevereiro de 2014. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.