Salário em Bitcoin já é realidade e ganha força na América Latina; entenda como funciona

Argentina lidera casos de recebimento de salários em cripto, mas método também ganha força no Brasil

Rodrigo Tolotti

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Em um cenário de dificuldade econômica e inflação fora de controle em todo o mundo, trabalhadores têm buscado alternativas pra driblar esses problemas e não só proteger seu capital, mas ter maior controle sobre ele.

Diante disso, cresce a modalidade de pagamento de salário com criptomoedas, como mostra um estudo recente da Deel, empresa de serviços de contratação e pagamentos que atua em mais de 150 países. De acordo com a pesquisa, feita com mais de 100 mil trabalhadores, aumentou de 2% para 5% o número de pagamentos com cripto para pessoas em regime de home office entre julho de 2021 e junho de 2022.

O que chama atenção é que mais de dois terços dessas transações foram feitas para trabalhadores da América Latina, onde a Argentina lidera os pagamentos.

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O dado condiz com o que se vê dentro da Bitwage, plataforma que atua como ponte entre empresas e trabalhadores para pagamento de salários em cripto, onde metade dos cerca de US$ 6 milhões em transações feitas por mês ocorrem na América Latina, sendo ainda que US$ 2,5 milhões só na Argentina.

Segundo Fabiano Dias, diretor de negócios internacionais da Bitwage, o Brasil fica logo atrás no número de negócios com cripto na região, sendo que ainda existem algumas dezenas de usuários espalhando pelos outros países latinos.

É comum que em países que sofrem com crises econômicas, o uso das criptomoedas aumente, já que elas não sofrem atuação do Estado e nem intervenção de outros órgãos e bancos, sendo uma saída para que as pessoas consigam controlar suas finanças e fugir dos impactos dos problemas enfrentados nessas regiões.

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Nisso a Argentina se torna o grande exemplo, com uma crise que dura anos e uma inflação de cerca de 60% ao ano, o governo do país tem adotado medidas de controle de câmbio e pagamentos. É nesse cenário que um estudo da Wunderman Thompson, de Buenos Aires, mostrou que dois terços dos argentinos que investem em criptomoedas fazem isso para proteger suas economias.

Mas essa não é uma exclusividade de países em crise. O método de remuneração tem ganhado força também nos Estados Unidos, por exemplo, onde alguns jogadores da liga de futebol americano (NFL) preferem receber em Bitcoin, caso de Odell Beckham Jr.. O prefeito de Miami, Francis Suarez, disse no fim do ano passado que também receberia 100% de seu salário na criptomoeda.

Privacidade e controle, mesmo com volatilidade

A pesquisa da Deel mostra que o Bitcoin (BTC) foi responsável por pouco menos da metade de todos os pagamentos em criptomoedas em todo o mundo, uma redução em relação aos dois terços registrados na metade do ano passado. Mesmo assim, ela ainda lidera a lista.

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Isso pode ser reflexo da forte queda do mercado cripto este ano, que tende a afastar usuários de Bitcoin. “O risco de volatilidade é real para o Bitcoin, porém, se você optou por ele, você já sabe como funciona, normalmente [receber em Bitcoin] ocorre em situações em que a volatilidade não importa tanto, como por exemplo, ao fazer investimentos periódicos na cripto usando a estratégia de preço médio”, explica Dias.

É o que faz o lutador do UFC Matheus Nicolau, que usa esse modelo como forma de olhar para um investimento no futuro. “O que eu recebo em cripto é para um investimento de médio e longo prazo, eu não recebo em cripto um dinheiro que vou precisar hoje ou amanhã para pagar minhas contas. Eu coloco uma porcentagem pequena do que eu recebo em cripto […] Por isso eu não me preocupo se ela cai um pouco”, diz.

O risco e a perda de força do Bitcoin também levam ao crescimento das chamadas stablecoins, criptoativos que possuem lastro com alguma moeda fiat, como o dólar, e que por isso têm seu valor mais estável. Na Bitwage, por exemplo, o usuário tem a opção de receber em Bitcoin, Ethereum (ETH) ou nas stablecoins USDC, DAI e CUSD.

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Dias explica que, se de um lado a pessoa pode assumir o risco usando Bitcoin ou Ethereum como forma de também ter mais privacidade no pagamento, há quem prefira a garantia de receber o valor combinado e use as stablecoins, mas de qualquer forma, utilizar cripto acaba sendo mais rápido e seguro do que com outros sistemas.

“Eu não tenho preocupação em quando vou conseguir ter acesso ao meu dinheiro, pois ele cai rapidamente. Eu já tive experiências ruins com banco no Brasil, de ficar mais de 1 mês para conseguir retirar meu dinheiro. Só eu tenho acesso a minha conta. Então isso é muito vantajoso”, afirma Luana Pinheiro, mulher de Nicolau e também lutadora do UFC, que recebe a bolsa de luta e os patrocínios pela Bitwage.

Quem recebe salário em cripto?

O perfil do trabalhador que recebe em cripto ainda está muito ligado à tecnologia. Segundo Dias, na Bitwage, 100% dos usuários trabalham online, sendo que cerca de 75% deles são programadores. Vale ressaltar, porém, que para usar esse sistema é preciso receber no exterior.

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Como explica Silmara Monteiro Bernardo, sócia da área trabalhista do Viseu Advogados, no Brasil ainda não é permitido o recebimento de salário em criptomoedas. “Além de existir legislação expressa determinando o pagamento dos salários em moeda corrente, também é vedada a irredutibilidade salarial, que poderia ocorrer em decorrência da volatilidade delas”, afirma.

Segundo ela, a exceção são valores pagos a título de bônus, que podem ser negociados entre empregador e empregado para acontecer em cripto. Na Câmara dos Deputados já existe um projeto de lei que pode mudar essas regras, mas que ainda está em fase inicial de tramitação.

Com isso, é preciso encontrar alternativas para o pagamento. No caso da Bitwage, ela disponibiliza ao cliente uma conta no exterior, que será fornecida à empresa em que o serviço está sendo prestado. Com isso, essa empresa paga normalmente o trabalhador na moeda do país, dólar ou euro, por exemplo, e a Bitwage converte para a cripto desejada e deposita na carteira de ativos digitais.

Além disso, antes do pagamento os usuários podem separar porcentagens para receber em criptos diferentes e também em dinheiro tradicional, controlando assim suas finanças.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.