Reforma da previdência: principal crítica é prova cabal da nossa ignorância financeira

Parlamentares dizem e mídia repete que mudanças no BPC prejudicam os mais pobres. Mas é justamente o contrário

João Sandrini

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(SÃO PAULO) – Em qualquer show de mágica, o ilusionista faz de tudo para atrair a atenção da plateia para o que não interessa enquanto afasta seus olhos do que interessa. A assistente de palco bonita, o coelho branco, o gestual forçado, o jogo de luzes ou o olhar arregalado do mágico estão lá justamente para afastar seu foco da carta de baralho que se esconde na manga do paletó ou do pombo preso dentro do fundo falso da cartola.

Com a reforma da Previdência o truque é o mesmo. A proposta não avançou nem um único milímetro desde que foi enviada ao Congresso no mês passado. Mas nossos parlamentares já definiram como montar a cortina de fumaça que vai esconder as mudanças no projeto da equipe econômica que servirão para manter os privilégios da castas mais poderosas do nosso funcionalismo.

A ideia é chamar a atenção da opinião pública para as mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada) ao mesmo tempo em que, na surdina, tentarão derrubar a reforma como um todo ou encherão a proposta de penduricalhos que visarão manter os privilégios do Legislativo, Judiciário, Ministério Público e outros segmentos agraciados com super aposentadorias.

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O BPC é um benefício assistencial criado pela Constituição de 1988 que hoje garante a cerca de 2 milhões de idosos com 65 anos ou mais que não possuem meios de se sustentar o direito de receber do governo um salário mínimo mensal para sobreviver. O governo propõe duas mudanças no benefício: 1) ele passaria a ser pago a partir dos 60 anos (o que é bom para os beneficiários); e 2) seu valor seria desvinculado do salário mínimo de forma que o idoso teria direito a receber R$ 400 por mês dos 60 aos 69 anos, subindo para um salário mínimo a partir dos 70 anos (o que é positivo ou no mínimo neutro).

Como a proposta favorece a população, achei bem curioso ver os poderosos lobbies contra a reforma imediatamente começarem a espalhar por aí justamente o contrário: que a ideia é ruim porque pune os mais pobres. A conta dessas pessoas é aquela mesma que você aprendeu nas aulas de aritmética na terceira série do ensino fundamental: os idosos recebem hoje R$ 59.880 por 5 anos (R$ 998 por mês dos 65 aos 69 anos de idade) e passarão a receber R$ 48.000 por 10 anos (R$ 400 por mês dos 60 aos 69 anos).

Ao fazer essa conta na terceira série você provavelmente tiraria 10 na prova. Mas o mundo é um pouco mais complexo daquilo que nos é apresentado na tenra idade. Acontece que R$ 1 no seu bolso hoje é diferente de R$ 1 daqui a 10 anos. O tempo e a inflação corroem o valor do dinheiro. Você concorda que se for para o supermercado hoje com R$ 1.000 no bolso e gastar tudo vai sair com o carrinho bem mais cheio que se tiver R$ 1.000 daqui a 10 anos para comprar os mesmos itens na mesma loja?

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É por isso que a teoria moderna de finanças ensina que primeiro é preciso trazer todos os fluxos de caixa para valor presente para só depois realizar a soma aritmética. Colocando em português mais claro, você não pode somar 3 laranjas com 4 bananas e chegar à conclusão que tem 7 abacaxis. Nossa professora da terceira série também ensinou que só é possível somar bananas com bananas. Trazendo primeiro todos os fluxos a valor presente para depois somá-los você segue os ensinamentos dela.

Mas como descubro o valor presente do dinheiro que será recebido no futuro? Primeiro é preciso estabelecer uma taxa de desconto. Na tabela abaixo usei a Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. A premissa é conservadora, já que, se esses idosos fossem pedir um empréstimo no banco para antecipar seus benefícios, pagariam muito mais do que 6,5% ao ano – as taxas vão de 20% ao ano no crédito consignado para até 300% ou 400% no cheque especial ou no cartão de crédito.

Mesmo usando a Selic a conclusão é que os brasileiros em situação de extrema pobreza que viverem entre 60 e 68 anos sairão ganhando com a mudança no BPC. Só a partir de 69 anos a conta se inverte. Mas a perda é marginal: R$ 1.937 para quem morrer com 69 anos ou mais. Esse valor pode ser visto como o prêmio de um seguro. Se a pessoa morrer aos 64 anos, ela terá recebido R$ 21.244 a mais do governo. Esses R$ 1.937 são o prêmio que garante aos idosos carentes esse direito de receber mais dos 60 aos 68 anos.

É por isso que fazendo a conta da forma aceita no mundo das finanças, os idosos têm muito mais a ganhar do que a perder com as mudanças no BPC. Quando se defenderam das críticas à reforma, os integrantes do governo foram exatamente nessa linha: disseram que as pessoas preferem receber R$ 400 agora do que R$ 998 no futuro.

Para enterrar de vez essa polêmica o governo poderia, por exemplo, aumentar para R$ 420 por mês o benefício do BPC para quem tem entre 60 e 69 anos de forma que o valor presente dos fluxos de caixa fossem sempre maiores com a mudança. Outra opção seria deixar que as pessoas escolham se preferem um pássaro na mão ou dois voando.

Agora duvido que você tenha ouvido alguma proposta concreta para aprimorar a mudança no BPC vinda da boca de políticos que atacaram a reforma nas últimas semanas. O que muitos poderosos do Congresso fizeram foi criticar o governo por supostamente tentar prejudicar os mais pobres e indefesos com essa proposta. Partidos de oposição ecoaram a versão porque ela atende aos interesses de quem quer derrubar a reforma. Órgãos de mídia ouviram “especialistas” que confirmaram tudo isso sem nunca ter feito a conta acima. E a narrativa de que a reforma da previdência é contra os mais pobres ganhou as redes sociais e a opinião pública.

Enquanto tudo isso acontece, aumenta o risco de o governo perder a batalha da comunicação para aprovar a reforma. Importantes líderes políticos começam a falar que o Congresso vai “aprimorar” a proposta enviada pela equipe econômica. Existe uma chance significativa que ao fazer esses “aprimoramentos” nossos parlamentares na verdade promovam mudanças que vão contra os reais interesses da população mais carente e que atendam lobbies de amigos servidores.

Nesse texto publicado na semana passada, mostrei que cada aposentado do serviço público federal gera um déficit de quase R$ 70.000 por ano para a Previdência. São esses privilégios que serão mantidos se toda a reforma da previdência for primeiro demonizada e depois rejeitada. São esses privilégios que fazem com que falte saúde, educação, infraestrutura e tudo o mais para os brasileiros. Se ficarmos todos mudos enquanto a reforma é minada, a sigla BPC vai se transformar em Boi de Piranha do Congresso.

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