Real digital é criptomoeda? O que se sabe até agora sobre a tecnologia da CBDC brasileira

Banco Central tenta afastar moeda digital brasileira dos criptoativos, mas funções deverão ser similares; entenda

Paulo Barros

stack of Brazilian coins with a real highlighted and the Brazilian flag in the background. selective focus.

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As moedas digitais de bancos centrais (CBDC, na sigla em inglês), apresentações totalmente virtuais de moedas comuns, vêm sendo desenvolvidas por pelo menos 90 países, incluindo o Brasil, e prometem mudar completamente a forma com que se faz política monetária no mundo – em alguns casos, governos poderão enviar dinheiro diretamente para o cidadão, sem intermediação de bancos.

Essa inovação bebe da fonte do Bitcoin (BTC), a primeira moeda nativamente digital do mundo, que roda em uma rede própria e sem dono, chamada de blockchain. Mas, as moedas digitais como o real digital são criptomoedas?

O Banco Central já frisou por diversas vezes que não, o real digital não será uma criptomoeda. As características exatas da tecnologia ainda não estão definidas, e deverão ser melhor esclarecidas ao longo de 2023. Ainda no primeiro semestre, o BC pretende lançar um projeto piloto para testar a privacidade e segurança da rede.

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De resto, o que se sabe é que o real digital irá tentar espelhar alguns dos novos serviços financeiros que nasceram com os criptoativos – e, por mais que não seja uma cripto, o real digital deve ter algumas similaridades com esses ativos.

Rede inspirada no Ethereum

A primeira semelhança do real digital com criptos é a existência de uma rede onde esse ativo irá trafegar, que deverá ter inspiração no Ethereum (ETH) pela capacidade de emitir tokens (representações digitais) e por conta da compatibilidade com contratos inteligentes (smart contracts), algo que o BC considera prioritário.

“O maior ganho que se antecipa pela adoção de uma rede como a que vem sendo desenvolvida para o Real Digital deriva da programabilidade e da capacidade de desenvolvimentos sucessivos com base na tecnologia de smart contracts“, explica Fábio Araújo, coordenador do projeto do real digital no Banco Central, ao InfoMoney.

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Segundo Araújo, essa tecnologia permite a redução do custo de criação e manutenção de contratos financeiros por meio de padronização e interoperabilidade, reutilização de protocolos, e composição de serviços financeiros – ou composibilidade.

A composibilidade é um conceito considerado uma das fortalezas das finanças descentralizadas (DeFi). Nesse mundo, serviços financeiros são regidos por programas de computador que verificam transações, liquidam valores, e realizam operações condicionais: se um determinado requisito for atendido, como a assinatura de um contrato, um valor pode ser liberado para a outra parte automaticamente, por exemplo.

Graças à composibilidade, protocolos criados por pessoas que nunca se conheceram podem interagir entre si, compartilhando ativos e criando uma nova geração de serviços: um empréstimo em criptomoeda obtido em um serviço pode ser transferido para outro para realizar um trade de futuros, e o lucro paga o empréstimo inicial de forma automática, entre outros infinitos exemplos.

O real digital, embora não seja uma criptomoeda, deverá ser compatível com funções tão avançadas como essa.

Ativos financeiros disponíveis 24 horas por dia

A Vert, por exemplo, uma das empresas que desenvolveram provas de conceito para a moeda digital brasileira, criou um sistema que usa um token de real digital para conceder empréstimos rastreáveis pelo banco, algo que hoje é impossível com a infraestrutura atual, que fica restrita às limitações da rede bancária.

Uma vez que esteja lançado, o real digital deverá permitir, tecnicamente, que investidores e instituições operem ativos financeiros 24 horas por dia, assim como acontece com a negociação de criptomoedas.

“Você pode ter no seu celular um token registrado em uma rede que todo o sistema financeiro sabe que existe o valor que ele representa, e partir daí fazer vários tipos de transações diferentes”, explica Leandro Vilain, diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que também ajuda o BC a criar provas de conceito do real digital.

“Você pode ter uma debênture registrada nessa rede, e em tese seria possível comprar uma debênture – ou dólares – no sábado às 3h da manhã, e não precisaria esperar até segunda-feira para liquidação da transação. Não seria só uma ordem, mas uma transação efetiva”, comenta Vilain.

Os usos específicos do real digital, vale lembrar, ainda estão sendo estudados.

DeFi, porém centralizado

Apesar de buscar similaridades em termos de funções com os contratos inteligentes e as finanças descentralizadas, a estrutura do real digital será diferente.

Se no Ethereum as transações são verificadas por uma rede aberta e descentralizada, em que qualquer pessoa pode participar, no real digital a validação será feita por agentes autorizados pelo BC, como os próprios bancos e outras instituições financeiras.

“A estrutura de validação ainda não foi definida, mas a operação de nós por agentes autorizados é compatível com as atuais diretrizes para o desenvolvimento do Real Digital”, comenta Araújo.

A ideia, portanto, é trazer as novidades financeiras do meio DeFi para a população em geral, mas sem adotar criptomoedas – e, consequentemente, abrindo mão do caráter supostamente descentralizado dessas soluções.

“As diretrizes estabelecidas para o desenvolvimento do Real Digital buscam desenhar um sistema financeiro mais aberto, que possa levar novos serviços e tecnologias para uma parcela mais ampla da população, de modo a promover um maior nível de inclusão financeira, através de uma disponibilização democrática de ferramentas de investimento, crédito e seguros, entre outros”, completa Araújo.

O real digital será uma blockchain?

Embora o conceito das CBDCs tenha vindo do mundo cripto, os projetos atualmente em andamento no mundo dificilmente usam a tecnologia blockchain. No geral, as moedas digitais de bancos centrais lançam mão do que se chama de DLT, sigla em inglês para “livro contábil distribuído”.

“DLT e Blockchain têm em comum o conceito de um livro de registro de transações, um banco de dados descentralizado e distribuído. Blockchain é DLT, mas nem toda DLT é blockchain”, explica Solange Gueiros, professora de blockchain e membro da Chainlink Labs.

O BC em nenhum momento usa o termo blockchain ao se referir ao real digital. Mas, ainda não se sabe se a rede será ou não uma blockchain.

“Blockchain significa que existe uma ‘cadeia de blocos'”, aponta Solange. “DLT, por outro lado, não implica nenhuma conexão entre os dados, significa apenas que é uma base de dados distribuída”.

A blockchain é considerada uma forma mais segura de DLT, pois encadeia os blocos de dados de modo a dificultar a adulteração de informações – para modificar um bloco, é preciso também burlar todo o histórico que ele carrega desde que a rede foi criada. Uma DLT sem blocos encadeados não funciona dessa maneira.

“O critério é ter uma conexão entre os grupos de dados, que são os blocos. As transações agrupadas geram uma assinatura única por bloco, chamada hash. Cada bloco contém o hash do bloco anterior, e por isso falamos em cadeia de blocos”, reforça a professora.

“DLT, por outro lado, não implica nenhuma conexão entre os dados, significa apenas que é uma base de dados distribuída e sincronizada entre seus participantes”.

O BC começará em breve a fase de piloto do real digital. Ao Estadão, Araújo disse que o objetivo é criar uma operação com apenas um ativo, ainda a ser escolhido, para examinar o grau de segurança e privacidade do sistema.

A expectativa é que o real digital seja lançado para o público em geral a partir de 2024.

Paulo Barros

Editor de Investimentos